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Mea culpa

Posted by on 15/11/2016

O que surpreende não é que a esmagadora maioria da mídia de qualidade esteja rejeitando Trump. Afinal, do meu ponto de vista, ele merece a descrição que dele fez “The Atlantic” (o mais ostensivamente desqualificado candidato de um grande partido em 227 anos de história da Presidência americana), ao optar por Hillary. O que surpreende é que o republicano ainda tenha chances de vitória, mesmo que as mais recentes pesquisas indiquem vantagem para a candidata democrata

Trecho de artigo publicado pelo jornalista Clóvis Rossi em 9 de outubro intitulado “Trump contra a mídia”

Por fim, a mídia não pode ser culpada por não endossar a agenda de Trump. Fazê-lo equivaleria a jogar no lixo posições que jornais como o “Washington Post” e o “New York Times” defendem historicamente. A maioria dos americanos, aliás, tampouco a endossou. Ele ganhou pelo esdrúxulo modelo de Colégio Eleitoral. É um presidente legítimo, mas é uma agenda levemente minoritária, insisto.

Trecho de artigo publicado pelo mesmo jornalista em 14 de novembro intitulado “A mídia não tem culpa”

    Prezados leitores, é minha obrigação pedir-lhes desculpas por duas grandes bobagens que falei a respeito das eleições americanas. Em primeiro lugar, eu disse que a linguagem crassa utilizada por Trump para falar das mulheres faria com que ele não tivesse o voto das mulheres com educação superior, o que lhe seria fatal. Tal previsão provou ser uma meia-verdade. Hillary Clinton teve o voto de 54% das americanas com nível superior, contra 45% de Donald Trump, mas por outro lado, Donald Trump obteve 62% dos votos de mulheres sem diploma universitário, enquanto Hillary Clinton obteve 34%, de acordo com a CNN. Isso significa que os votos que Trump perdeu entre as mulheres educadas por revelar-se machista foram compensados pelos votos das mulheres pertencentes à famigerada classe dos deploráveis, os quais compõem 95% da população para a qual a renda e o patrimônio diminuíram, de acordo com as estatísticas do Federal Reserve e da Renda Nacional., pois o crescimento econômico só beneficiou os 5% mais ricos. No frigir dos ovos, o Aprendiz teve 42% dos votos femininos contra 54% de Hillary, cujo desempenho entre suas companheiras de sexo foi pior do que o de Obama em 2012 (55%) e 2008 (56%), de acordo com o Pew Research Center.

    Minha segunda bobagem foi na semana passada ter condenado à extinção os brancos que perderam postos de trabalho em fábricas com a globalização e estão tendo que obter renda prestando serviços, o que no geral, não se revela tão seguro quanto os antigos empregos de operário. Afinal, há serviços e serviços: uma coisa é ser programador no Vale do Silício, na Califórnia, que aliás votou por Hillary Clinton, outra coisa é ser caixa de supermercado no Walmart, ou garçom ou cuidador de idosos. Todos prestam serviços, mas uns tem benefícios indiretos e trabalham em tempo integral, outros têm poucos benefícios ou nenhum, recebendo por hora e trabalhando parcialmente em atividades que podem ser bem estressantes. Pois bem, 52% dos perdedores ressentidos com a situação econômica, aqueles sem formação universitária, votaram em Donald Trump, ao passo que 44% apoiaram Hillary, a maior discrepância já verificada desde a década de 1980, de acordo com o Pew Research Center. Considerando só a população branca, independentemente da escolaridade, Trump obteve 58% dos votos contra 37% de Hillary.

    Feito meu mea culpa com base no que de fato aconteceu, peço a jornalistas renomados como Clóvis Rossi calçaem as sandálias da humildade, o que obviamente ele não fez, como mostra em seu artigo depois da eleição, e nem vai fazer, porque não há chance nenhuma de ele ler meu humilde artigo, escondido num canto obscuro da internet. Para luminares como Rossi, se Donald Trump foi eleito contra todas as previsões das pesquisas, a mídia não tem nada a explicar. Em primeiro lugar, a culpa é dos institutos de pesquisa, sobre cujas atividades os jornais e revistas não têm e nem podem ter a mínima responsabilidade. Em segundo lugar, quem é culpado são os deploráveis que votaram em Trump contra o conselho mais sábio dos reputados órgãos de imprensa que apontaram o aprendiz como um bufão, falastrão e despreparado para o cargo. A tarefa dos jornalistas da grande imprensa é simplesmente lamentar o que ocorreu e minimizar a importância do descontentamento que levou o “fascista” ao poder, baseando-se no fato de que Hillary Clinton ganhou no voto popular, já que ela teve muitos votos em Estados de grande população, como Califórnia e Nova York, apesar de Trump ter ganho na maioria dos Estados, naquilo que os americanos chamam de fly-over country. A outra tarefa dos jornalistas da grande imprensa é manterem-se fiéis aos princípios e ética de vetustos veículos como o Washington Post e o New York Times, o que inclui o apoio à tolerância, à diversidade, à igualdade de gênero.

    Essa auto complacência é de amargar. Uma coisa é errar previsões e todos erram, outra coisa é deixar de relatar fatos que não respaldam aquilo que os órgãos de imprensa querem que aconteça e isso aconteceu sobejamente durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos. Para quem via nas mídias sociais as imagens das pessoas esperando horas sob a neve para entrar nos comícios de Trump e para quem soube pelas notícias curtas divulgadas no Twitter que Hillary Clinton muitas vezes teve que cancelar comícios porque não tinham quórum, a vitória do falastrão não é nenhuma surpresa. Ao contrário, considerando que os comícios de Trump, divulgados no youtube, mostravam pessoas altamente motivadas por um indivíduo que falava dos problemas que essas pessoas enfrentam no seu cotidiano (falta de empregos, alto preço do seguro-saúde, vulgo Obamacare), não é de admirar que o candidato “bufão” tenha levado a melhor sobre uma candidata que fez muito menos comícios e preferia reunir-se com seus doadores de campanha. Estes lhe deram um bilhão de dólares para contratar especialistas em Big Data, realizar pesquisas de opinião com as ditas minorias e fazer anúncios mostrando como Trump era xenófobo, racista e machista.

    A grande imprensa e Hillary Clinton formaram uma simbiose perfeita. Há anos sobrestima-se a tal da recuperação econômica dos Estados Unidos depois da debacle de 2008 e minimizam-se os problemas. Fala-se que o desemprego está em 5,3%, de acordo com o CIA Factbook, uma estatística que não leva em conta as pessoas que já desistiram há muito de procurar um trabalho, fala-se que o Obamacare proporcionou cobertura de saúde a milhões de pessoas. Não há menção ao fato desagradável de que o preço do seguro-saúde do Obamacare está disparando para pessoas jovens e saudáveis como compensação às seguradoras para aceitarem indivíduos que certamente lhes darão prejuízo, de acordo com o professor da Universidade de Missouri, Michael Hudson.

    O quadro róseo pintado pela “mídia de qualidade” permitiu à Hillary vender-se como a candidata da continuidade, como se continuar como está fosse interessante aos americanos. Se tudo está bem, se basta seguir o curso, as pessoas podem dedicar-se a policiar-se para não adotarem discursos racistas, sexistas, xenófobos. Não admira que Hillary tenha enfocado tanto as gafes de Donald Trump e ignorado totalmente as angústias econômicas sentidas por uma parcela da população que não tem certeza sobre o futuro porque não conseguiu ainda um lugar ao sol na maravilhosa economia de serviços. A imprensa reforçava a noção de que votar em um dono de cassinos, em um galo de briga como Trump – que se tivesse nascido no Complexo da Maré no Rio de Janeiro certamente teria sido chefe dos traficantes, teria o apelido de Alemão ou Garfield e teria sido assassinado por policiais e sido carregado no Caveirão do BOPE –, era tão obviamente absurdo que não era preciso que a candidata oficial abordasse os reais problemas das pessoas, que incluem também a disputa das escassas vagas de trabalho com imigrantes legais e ilegais.

    Prezados leitores, esse grande desprezo da grande imprensa pelo homem comum coloca em perigo o debate equilibrado e a busca de consenso. Enquanto o quarto poder continuar minimizando os efeitos negativos da globalização e pior, estigmatizar os pessimistas e descontentes como racistas, xenófobos e sexistas, haverá cada vez mais votos de protesto e surpresas como Donald Trump. A caixa de pandora está aberta e em 2017 ela pode trazer à luz Marine Le Pen como a próxima presidente da França, outra que é fustigada pela mídia de seu país tanto quanto Trump foi e continua sendo. Se a grande imprensa continuar a olhar para o próprio umbigo jactando-se com a correção das suas ideias, sua credibilidade diminuirá cada vez mais, e ela vai tornar-se irrelevante frente aos tweets e memes das mídias sociais, que informam tanto quanto empobrecem o debate das ideias, transformando tudo em disputas entre partes irreconciliáveis. Clóvis Rossi e seus colegas, por favor, façam seu mea culpa e admitam que têm falhado em mostrar a vida como ela é. A democracia agradece.

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