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Sobre orquídeas e delações

Posted by on 28/06/2017

As pesquisas demonstram que os meios consensuais foram responsáveis por apenas 11% da solução dos conflitos, apesar do imenso investimento do CNJ e dos tribunais, desde 2006, em atos normativos, campanhas, sistemas e atividades de capacitação

Trecho do relatório Justiça em Números 2016 publicado pelo Conselho Nacional de Justiça

O Brasil é um país movido a tsunamis. E o Supremo surfa na onda. O (ministro Edson) Fachin é uma pessoa corretíssima? Sem dúvida, todos são. O Janot também é. Mas acontece que a onda leva. Se você desmoraliza o político, quem vai aparecer é o vácuo. O MPF deveria fazer a depuração das delações: tem de ser fato criminoso corroborado com prova ou possibilidade efetiva de ser corroborado com prova.

Trecho de entrevista do procurador da República Celso Antônio Três que atua em novo Hamburgo, Rio Grande do Sul

    Prezados leitores, depois de uma longa ausência, permitam-me reiniciar meus contatos com uma pequena história verídica. A síndica do meu prédio havia providenciado a construção de um jardim na calçada, o que incluía a plantação de um ipê e uma orquídea amarela pendurada na outra árvore que já estava ali há algum tempo. Pois bem, no fim de semana, nossa linda orquídea foi roubada, assim como as mudas de bromélias do jardim do prédio em frente. Viu-se pelas câmeras de segurança um senhor fazendo o serviço. Provavelmente ele deve ter realizado a apropriação indébita para embelezar seu sítio em Ibiúna, em Atibaia, ou seja lá onde tem seu refúgio campestre, ou para embelezar o amplo terraço do seu apartamento. Um ladrão que não teve pena de nós, seus vizinhos no bairro, que queríamos poder nos deliciar com a beleza das plantas tropicais. Eu posso estar errada quanto à identidade do ladrão, mas quem rouba uma orquídea e mudas de bromélias não é da mesma classe de pessoas que rouba carros e assalta bancos, apesar de o caráter ser tão ruim quanto.

    Esse episódio mostra quão pequena é nossa coesão social, e quão fundo é o buraco da corrupção no Brasil. Temos uma dificuldade imensa de respeitar o que é da comunidade, da coletividade ou de qualquer grupo ao qual individualmente não pertençamos. Em outras palavras, o público no Brasil tende a ser terra de ninguém, da qual qualquer um vê-se no direito de apropriar-se. E quando somos pegos em flagrante temos uma dificuldade imensa de admitirmos que erramos, nossa reação instintiva é apontar o erro dos outros. As pessoas que defenderam o PT ao longo do processo de impeachment tinham como linha de argumentação plausível – e plausível no sentido de não querer negar as evidências de corrupção que afloraram nas investigações da Petrobrás – que o toma lá dá cá é prática inevitável da política brasileira e que se o PT não fizesse isso nunca teria conquistado o poder.

    Assim está fazendo nosso atual presidente, Michel Temer, atacando Rodrigo Janot, o Procurador-Geral da República que o denunciou por corrupção passiva e organização criminosa. O senhor Michel Temer é um advogado finório, que tem plena capacidade de exercer seu direito de defesa e está fazendo-o, apontando o dedo para a delação premiada dos senhores Joesley e Wesley Batista. Permitam-se aqui bancar o advogado do diabo. Eu nunca me encantei com as mesóclises do mordomo de filme de terror, como outros encantaram-se comparando-as ao português claudicante de Dona Dilma, e muito menos encantei-me com a fulgurante primeira-dama Marcella Temer, que colocava a ex-presidente no chinelo em termos de beleza. No entanto, não consigo deixar de concordar com o ponto principal da argumentação “temeriana”: não há prova robusta contra o eminente constitucionalista. Explico-me. O velho Aristóteles ensinava que uma coisa é um tekmerion, uma prova natural e necessária, outra coisa são as semeia, intrinsicamente menos sólidas, que são as provas indiciárias. As gravações do senhor Joesley Batista de suas conversas com Rodrigo Loures e com Michel Temer podem ser interpretadas contra e favor do presidente, pois os diálogos são cifrados, alusivos de maneira às vezes mais, às vezes menos direta. O fato de Temer receber o indivíduo na calada da noite sem haver marcação na agenda de compromisso do presidente é um indício de transações escusas, nada mais.

    Todas essas delações premiadas, essas histórias que vêm sendo contadas aos procuradores da Lava Jato não são mais do que pistas que deveriam facilitar aos investigadores acharem provas contundentes que mostrassem uma conexão entre favores prestados e benefícios recebidos. Sim, Rodrigo Rocha Loures foi flagrado saindo de um restaurante em São Paulo com uma mala. Mas como provar que esse dinheiro foi para Temer? É a palavra de um contra a dos outros. Sim, as conversas fazem referência à Petrobrás, ao CADE, todos órgãos sobre os quais o Presidente da República pode ter influência. Há alguma evidência de que a JBS teve alguma decisão favorável no CADE por conta do tráfico de influência exercido por Rocha Loures? É verdade que a empresa de energia do grupo JBS, a Âmbar, entrou em acordo com a Petrobrás em uma disputa a respeito do preço do gás fornecida pela estatal. Mas será isso prova cabal de que o superintendente regional do CADE atendeu às demandas do deputado de favorecer a JBS ou simplesmente que se seguiu o procedimento normal do órgão de tentar fazer com que as partes da contenda cheguem a uma conciliação, tão incentivada nos processos judiciais pelo Conselho Nacional de Justiça? Basear uma denúncia criminal meramente em delações, sem que os promotores fundamentem as acusações em provas independentes de meros relatos é como diz o mordomo de filme de terror “denúncia por ilação”. A interpretação de Janot é coerente, plausível, mas para acreditarmos nela precisamos presumir que Joesley esteja sendo sincero e que as gravações que ele fez de suas conversas não tenham sido feitas com o intuito de criar armadilhas para seus interlocutores.

    Infelizmente, estamos a tal ponto mesmerizados com as delações que elas têm sido usadas de maneira abusiva. Um exemplo é o do Sr. João Vacari Neto, que acaba de ser absolvido na segunda instância da Justiça Federal em um dos processos em que é réu justamente pelo fato de a condenação do juiz Sérgio Moro ter sido baseada somente em delação premiada. Michel Temer, ao apontar os pontos fracos da delação premiada está atuando em causa própria, como advogado que é. À época em que as delações foram usadas como armas para defenestrar o PT do poder, ele espertamente não se pronunciou sobre a validade jurídica delas, porque lhe interessava ver Dilma fora. Independentemente das razões mesquinhas que o professor de Direito Constitucional da PUC tenha agora, para o bem do nosso Estado de Direito, é preciso que o Judiciário brasileiro calibre o uso desses instrumentos importados do direito americano para que não corramos o risco de termos condenações baseadas em maledicências e vendetas de membros das máfias que dominam o Estado brasileiro.

    No longo prazo, a utilização da delação premiada de maneira mais cautelosa fará bem para o Brasil, mesmo que isso signifique ter que aguentar o mordomo de filme de terror por mais alguns meses. Afinal, pressupor que qualquer delação premiada conte toda a verdade e nada mais que a verdade envolvendo políticos é pressupor que toda transação política é intrinsicamente corrupta e envolve troca espúria de favores. E se os políticos são todos corruptos o que colocaremos no lugar deles? Quem preencherá o vácuo? Não quero nem imaginar a resposta. Para o bem da nossa frágil democracia, espero que aprendamos gradualmente a dar o devido peso aos plea agreements.

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