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Fazendo a coisa certa

Posted by on 05/07/2017

Aristóteles explicou o porquê. Um líder político verdadeiro atende três condições: (i) ele tem a capacidade de fazer o serviço (ethos); (ii) ele entende as necessidades do povo e é capaz de dar-lhes uma resposta (pathos); e (iii) os argumentos dele fazem sentido (logos)

Trecho do artigo Corbyn vs Sócrates de Peter Jones, jornalista e escritor inglês

Eu pratiquei a medicina no setor privado por muitos anos, mas no geral eu não gosto da medicina privada. Ela é sempre mais cara e há uma grande quantidade de tratamentos desnecessários. Você tem uma dor de cabeça e logo pedem uma tomografia. Infelizmente uma grande quantidade de médicos corrompe-se pela facilidade com que se pode fazer dinheiro dessa maneira. A medicina não é um negócio, porque os pacientes não são consumidores normais – eles estão tremendamente vulneráveis.

Trecho de entrevista do neurocirurgião e escritor britânico Henry Marsh dado à jornalista Mary Wakefield em 6 de maio de 2017

Os chineses, sempre e em todos os lugares, foram avessos a dívidas e o governo chinês, o qual, diferentemente do nosso, deve assumir responsabilidade de longo prazo pela economia, não é diferente. Mao deu o exemplo e fez o PIB crescer 6,2% por ano durante vinte e cinco anos, sem ter contraído um centavo de dívida, um feito provavelmente inédito na história. Seus sucessores foram menos avessos à dívida, mas a economia elaborada mais sobre bases holísticas – todos os recursos estratégicos, dos recursos financeiros à terra são de propriedade comum – permite à China contrair 90% da sua dívida emprestando dela mesma, sem intermediários, para criar ativos produtivos, de propriedade coletiva.

Trecho do artigo intitulado “A dívida financeira da China: tudo o que você sabe está errado, escrito por Godfree Roberts, um americano que mora na Tailândia, em 5 de julho

    Prezados leitores, para quem não sabe, a China está construindo trens de alta velocidade por todo o país, conectando as grandes cidades às médias e pequenas cidades. Esses investimentos em infraestrutura acabaram criando um círculo virtuoso: ao redor das estações, o governo, que é o proprietário das terras, organiza a construção de aglomerações urbanas, incluindo centros de compra, fábricas e condomínios, estimulando a economia e gerando receita de impostos que ajudam a pagar os empréstimos tomados para construir as linhas de trem. Como o dinheiro é emprestado internamente dos bancos, que são públicos, os custos são menores, o que permite manter as tarifas a preços acessíveis.

    Tanto é assim que, de acordo com o artigo citado acima, a linha Pequim-Shangai é altamente lucrativa, porque como o salário médio dobrou desde 2011 um número duas vezes maior de pessoas consegue pagar o preço das passagens. Os responsáveis pelas obras de infraestrutura na China estimam que para cada 30 milhões investidos em projetos de metrô, há um aumento de $ 80 milhões no PID da cidade servida e a criação de 8.000 empregos. Ao chegar a cidades remotas, os trens de alta velocidade incentivam a coesão social, a mobilidade da mão de obra, a criação de um mercado nacional e melhoram o meio ambiente, pois não têm o petróleo como fonte de energia. De acordo com o livro Is Government Spending a Free Lunch? Evidence from China preparado pelo Banco Central de Saint Louis, nos Estados Unidos, estima-se que o governo chinês obtenha um retorno de 200-300% sobre seus investimentos.

    Todo esse introito para dizer que a China que, assim como o Brasil, pertence ao clube dos emergentes, está conseguindo colocar em prática uma visão estratégica sobre como o país deve caminhar nas próximas décadas. Dívida pública, por que não a ter? Desde que sirva para o bem comum, para dinamizar a economia e melhorar a qualidade de vida da população. O interessante sobre os chineses é que eles têm tido a capacidade de organizar sua economia de maneira autônoma, sem se deixar enfeitiçar por modismos teóricos que os países centrais do Ocidente adoram impor aos países menos desenvolvidos para seu próprio proveito. O Consenso de Washington que a América latina abraçou na década de 90 foi um exemplo disso. A China é capitalista, ma non troppo, ou talvez socialista, ma non tropo. O importante é que ela tem avançado mais ou menos incólume à onda de financeirização que varre o mundo, e que baseia todas as decisões em um cálculo simplista de eficiência que não leva em conta fatores como a importância da satisfação das pessoas, em termos de qualidade de vida, de aumento da renda média, de oferta de produtos e serviços que atendam às necessidades da população.

    Um exemplo dessa obsessão pela otimização econômica que só olha o custo e lucro em termos numéricos é a defesa que nossos órgãos de imprensa “sensatos” fazem da reforma trabalhista, tão desejada pelos empresários, aliás tanto que as entidades patronais estão mudas a respeito das acusações de corrupção contra o padrinho da reforma da CLT, Michel Temer. É óbvio que ela diminuirá os custos da mão de obra, mas será que ela permitirá que nós, trabalhadores, sejamos mais bem treinados e assim tornemo-nos mais eficientes e aumentemos a satisfação do consumidor? Ou as novas leis trabalhistas levarão a uma precarização do vínculo entre o empregador e o empregado, aumentarão a rotatividade e diminuirão o treinamento oferecido no trabalho? Infelizmente a ideia da reforma trabalhista nos é vendida como se o trabalho pudesse ser reduzido a um cálculo de quanto custa para o empregador e do máximo que o empregador pode pagar para ter lucro. E, no entanto, o trabalho é muito mais que um custo de produção, diz respeito à dignidade humana, à autoestima da pessoa que tem uma ocupação e que serve de exemplo a seus filhos.

    Esse tipo de mentalidade que só vê planilhas financeiras é seguido à perfeição pelas operadoras de saúde no Brasil. De acordo com o jornal O Globo de 2 de julho, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, apesar de elas terem perdido 1,5 milhão de clientes em 2016, as receitas das empresas cresceram 12% e o lucro aumentou 66%, graças às operações financeiras que acabaram se tornando sua principal fonte de renda. Agora respondam-me: quem no Brasil que usa planos de saúde está totalmente satisfeito com os serviços prestados?; quem não se impacienta com os trâmites burocráticos necessários para um procedimento? quem acredita que o modo como a medicina privada é gerida no Brasil contribui para uma melhora na saúde da população em geral? A saúde financeira das operadoras de saúde vai de vento em popa, mas os benefícios que elas proporcionam à sociedade brasileira estão muito aquém do sucesso econômico delas.

    E, no entanto, ao que tudo indica, nossa opção pelo viés financista parece consolidar-se cada vez mais. A solução que a ANS está burilando para aumentar o acesso dos brasileiros a cuidados médicos é elaborar, juntamente com as operadoras de saúde, planos mais baratos e com muito menos cobertura do que os atualmente disponíveis, ou seja, a saída é simplesmente aumentar o mercado das empresas, permitindo-lhes oferecer serviços meia-boca a quem não pode pagar muito. Quanto à reforma trabalhista, a saída será abrir as portas à terceirização, tornando os trabalhadores peças anônimas, perfeitamente substituíveis, em uma engrenagem em que os protagonistas serão as empresas que contratam entre si a prestação dos serviços.

    Prezados leitores, transplantar receitas prontas de países estrangeiros nunca é uma boa ideia, considerando que cada sociedade tem uma cultura, uma história, um perfil demográfico próprios. Mas aprender uma ou outra lição da China, cujas lideranças parecem atender aos três critérios aristotélicos de boa governança (fazem o que é certo e lógico para atender as necessidades do povo), e adaptá-las às nossas condições não seria de todo mal. Em um país como o Brasil, em que, de acordo com a Receita Federal, a renda média da classe A é 32 vezes maior do que a renda média das classes D e E, o que nos coloca no posto desonroso de 10º país mais desigual do mundo, tomar decisões com base em cálculos financeiros de custo e lucro é no mínimo temerário. Oxalá que até 2018 o desgaste político de Temer ao menos impeça que essa reforma trabalhista seja aprovada a toque de caixa e que possamos discutir nas próximas eleições que tipo de economia do trabalho é a mais adequada para resolver nossos problemas.

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