Retomando o trabalho dos irmãos Graco, ele distribuiu terras aos veteranos e aos pobres; essa política, continuada por Augusto, pacificou por muitos anos a agitação no campo. Para impedir a repetição da rápida concentração da propriedade da terra, ele estabeleceu que as novas terras não poderiam ser vendidas pelo prazo de vinte anos; e para brecar a escravidão rural, ele impôs uma cota de um terço de trabalhadores livres nas fazendas. […] Cícero procurava unir as classes médias à aristocracia; César procurava uni-las aos plebeus. Ele diminuiu as dívidas, estabeleceu leis drásticas contra juros excessivos e deu um alívio a casos extremos de insolvência por meio da lei de falências que é praticamente a mesma que vigora atualmente.
Trecho retirado do livro “Caesar and Christ”, escrito pelo filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981), sobre a política econômica implementada por Caio Júlio César (100 a.C.-44 a.C.), general, estadista e historiador romano
Os governos também esperam que a redistribuição possa lidar com a igualdade. O problema imediato disso é que taxas menores de crescimento significam receitas governamentais reduzidas, então menos dinheiro para redistribuir. Ainda assim, o sistema tributário e de bem-estar social da América Latina poderia ser muito melhor. Quando a desigualdade de renda da região é medida antes dos impostos e da redistribuição, ela é apenas um pouco maior do que nos países ricos. Mas enquanto os impostos e as transferências reduzem o coeficiente Gini em quase 40% em países ricos, na América Latina, eles o reduzem somente em 5%. De maneira chocante, em metade da região isso se traduz em um aumento na pobreza.
Trecho retirado do artigo “Ainda dividida” sobre a desigualdade na América Latina, publicado na edição da revista “The Economist” de 7 de junho
Kai su teknon? Tu quoque? Até você, meu filho? De acordo com o que os historiadores Suetônio (70 d.C-121 d.C.), Plutarco (46 d.C.-120 d.C.) e Apiano (95 d.C.-165 d.C.) contam, foram essas as palavras que César dirigiu a Marcus Brutus (85 d.C.-42 d.C.) no Senado de Roma quando Brutus veio atacá-lo a facadas juntamente com outros comparsas. O termo “filho” não tinha um sentido apenas metafórico de pessoa mais jovem por quem César nutria afeição. Brutus era filho bastardo de César com Servilia, que já era casada com outro. As punhaladas de Brutus contra César tinham então um quê de vingança do filho que ressentia o fato de a mãe ter sido desonrada por aquele que era sabidamente um dos maiores coureurs de jupes de Roma.
Claro que Brutus nunca iria admitir que a razão principal de sua sanha assassina era a humilhação de ser um filho notoriamente bastardo. A explicação que ele e os outros participantes do complô contra aquele que à época era o ditador de Roma, nomeado pelo Senado em 44 d.C., era de que César queria transformar-se em rei e portanto, transformar Roma de república em monarquia. Era preciso agir como o antepassado de Brutus, que 464 anos antes havia expulsado os reis de Roma, e acabar novamente com qualquer tirania que tolhesse a liberdade desfrutada na República.
Liberdade de quê e de quem? Liberdade da aristocracia, classe à qual pertenciam todos os assassinos de César, para viver às custas das conquistas militares de Roma. Isso significava liberdade para extorquir as províncias por meio de impostos e botins de guerra, para usar escravos para o cultivo da terra, tornando inviável a atividade dos pequenos agricultores livres, liberdade para concentrar a propriedade da terra pela compra dos lotes de agricultores endividados, liberdade para especular com os produtos vindos das províncias, liberdade para cobrar juros exorbitantes em empréstimos a agricultores que não conseguiam competir com grandes latifundiários que tinham escravos à sua disposição. À época de César, a aristocracia vivia uma vida feita de corrupção, de compra de votos na Assembleia, de luxo proporcionado pela imensa riqueza proporcionada por todas as atividades econômicas viabilizadas pelo império que Roma conquistara.
César não era um homem probo, de reputação ilibada. Ele usou sua conquista da Gália, a atual França, para pagar as dívidas que tinha acumulado com a vida dissoluta que levava, seduzindo mulheres solteiras e casadas e até homens. No entanto, à diferença dos outros membros da aristocracia, ele sabia que Roma precisava de ordem e estabilidade e que um regime republicano, que na verdade era uma oligarquia dos que se locupletavam com o império, não daria conta dos desafios que se colocavam. Conforme o trecho que abre este artigo, a saída era estabelecer uma aliança entre as classes médias e a plebe, em favor de reformas que redistribuíssem a renda e permitissem a outros grupos que não a velha aristocracia se beneficiarem das riquezas geradas pelas relações com as províncias.
E assim César fez: uma reforma agrária para coibir a concentração de renda nas mãos de latifundiários e dar oportunidade econômica aos veteranos de guerra e aos pobres de Roma, a coibição da usura para evitar o endividamento excessivo que levasse o indivíduo à insolvência e uma lei para lidar com a situação quando ela ocorresse. Isso foi demais para a velha guarda, que não queria democratizar a propriedade, mas guardá-la toda para si, seja na forma de grandes latifúndios ou de rendas financeiras. O resultado foi o assassinato de César, como tentativa de reverter esse processo de desconcentração da renda.
Portanto, podemos dizer com certeza que César passou pelo crivo mais importante para averiguar a sinceridade das convicções de um líder. Ele estava disposto a morrer para poder executar sua visão que tinha do que deveria ser feito. Sabia que havia pessoas naquele 15 de março que conspiravam para matá-lo, mas mesmo assim dirigiu-se ao Senado e lá foi crivado de punhaladas. O mais importante para ele era que as coisas mudassem radicalmente para que Roma pudesse continuar a existir, sem ser sacolejada por guerras civis, fruto da insatisfação de grandes parcelas da população, alijadas da prosperidade reinante nas altas esferas.
A trajetória do homem mais completo que a Antiguidade produziu, cujas realizações permitiram a criação da França como a conhecemos hoje e a difusão da cultura romana no norte da Europa, nos serve de alerta sobre a dificuldade de mexer com privilégios arraigados e mitigar as desigualdades econômicas. Essa é uma questão sempre presente na América Latina. De acordo com o trecho citado na abertura deste artigo, nem os impostos nem os benefícios sociais conseguem melhorar a disparidade de renda em nosso subcontinente. Pelo contrário, a carga tributária injusta, que incide mais pesadamente sobre os mais pobres por enfocar bens de consumo e não a renda, e o pequeno valor dos benefícios sociais, fazem com que a desigualdade na América Latina aumente quando deveria diminuir por mieo da redistribuição de renda. O resultado é que temos níveis de desigualdade equivalentes aos de países da África Subsaariana, apesar de termos um PIB per capita quatro vezes maior do que o deles. Isso mostra que mesmo aumentando o bolo, ele nunca é repartido como deveria ser para diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres.
Prezados leitores, em um momento em que assistimos à dificuldade enfrentada pelo governo federal para aumentar a arrecadação tributária por meio do aumento das alíquotas de IOF, não custa lembrarmos como ao longo da história mexer com grupos de interesse é mexer em um grande vespeiro. Cabe aqui a pergunta. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad e seu chefe o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva estão dispostos a quê? A irem até o fim para fazerem distribuição de renda por meio da cobrança de tributos dos mais privilegiados? Ou contemporizarão para não ferir susceptibilidades e tornar a reeleição de Lula mais fácil? Aguardemos e lembremos as punhaladas que César suportou para garantir a paz e a prosperidade de Roma.