O principal problema em 50 anos é que não haverá pessoas suficientes. […] Provavelmente não atingiremos a marca de 9 bilhões de habitantes. O colapso populacional nos países desenvolvidos é algo alarmante.
Trecho de uma entrevista com Jordan Peterson, psicólogo clínico canadense, (1962- ) realizada por Chris Williamson no programa Modern Wisdom
Sua doutrina de Maya [i.e. o mundo como um fenômeno, uma aparência, em parte criado pelo pensamento], fornece pouco incentivo à moralidade ou à virtude ativa; seu pessimismo é uma confissão de que, a despeito da teoria do karma [i.e. todo ato bom ou ruim será recompensado ou punido nesta vida ou em alguma encarnação posterior da alma], ela [i.e. a filosofia hindu] não explica o mal; e parte do efeito desse sistema foi o de exaltar uma quietude estagnante em face dos males que poderiam razoavelmente ter sido corrigidos, ou em face de um trabalho que clamava por ser feito. […] Daí que a influência do pensamento hindu em outras culturas foi a maior nos momentos de enfraquecimento ou decadência delas.
Trecho retirado do livro “Our Oriental Heritage”, do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981) ao fazer uma avaliação crítica da filosofia hindu e de sua influência sobre outras culturas.
Eleições presidenciais de 2022: uma pesquisa revela o desinteresse dos jovens franceses pela política – Um Estudo do Instituto Montaigne indica que 55% daqueles entre 18-24 anos não conseguem nomear um partido de sua preferência
Manchete de um artigo do jornal francês Le Figaro publicado em seu sítio eletrônico em 3 de fevereiro de 2022
Prezados leitores, entre as várias menções que já fiz às ideias filosóficas desenvolvidas na Índia falei a respeito do budismo, fruto do pensamento de Sidarta Gautama, e de como ele tornou-se cada vez mais popular no Ocidente à medida que o Cristianismo foi sendo abandonado como referência moral e religiosa. De acordo com Will Durant, conforme explica o trecho que abre este humilde artigo, as características principais da filosofia hindu fazem com que ela exerça influência em sociedades que estão passando por um processo de desintegração. Entre as razões disso estão duas: o fato de propor que o nosso conhecimento do mundo é necessariamente limitado pelos nossos sentidos e nosso conteúdo mental (conclusão a que a filosofia ocidental só chegou depois de quase 2.000 anos de atividade intelectual); e o fato de propor que as escolhas morais do indivíduo não têm importância em face da imensidão da realidade subjacente à qual o homem, preso à sua individualidade, aos seus pensamentos e aos seus sentidos, não tem acesso, mas que encerra em si tudo, diluindo as distinções entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre a verdade e a mentira, entre o prazer e a dor em um todo homogêneo.
Sob esse ponto de vista, o mundo como fenômeno ilusório e a vida como encenação eterna do Karma para a expiação de culpas passadas dão expressão a uma desesperança e a um fatalismo que não levam à ação para melhorar a sociedade, mas apenas a uma aceitação resignada das vicissitudes e dos desafios da vida. Esse tipo de pensamento parece em pleno século XXI exercer uma influência nos países desenvolvidos do Ocidente, particularmente na geração jovem que é filha ou neta dos que, na década de 60, estiveram expostos aos ventos da contracultura e das filosofias orientais. Para ilustrar esse ponto, tomo como base uma entrevista a que assisti no jornal de notícias da TV francesa.
A jornalista entrevistava um jovem de 24 anos, que era descrito ao mesmo tempo como abstencionista e militante. O abstencionismo dos jovens franceses, como mostra o artigo do Le Figaro citado acima, é um grande problema para os candidatos que pretendem tirar Emmanuel Macron, o atual presidente da França, do poder. Se não houver um aumento no número de pessoas que vão às urnas para manifestarem sua opinião fica difícil derrotá-lo, porque em que pese Macron não ter um apoio maciço, ele o terá de maneira suficiente a manter-se no Palácio Eliseu, dada a indiferença dos que não votam e não se dão ao trabalho de tentar influenciar o resultado da eleição.
O jovem explica à jornalista sua recusa em votar dizendo que o presidente da França pouco pode fazer a respeito das coisas que realmente importam, acima de tudo a mudança climática. E nesse sentido Camille (este é seu nome) descreve-se como um militante da causa ecológica. Quando a jornalista pergunta a ele se não seria importante votar para escolher representantes que elaborem políticas públicas que melhorem o meio ambiente, o jovem retruca que é preciso mudar o sistema capitalista, mas não explica exatamente como.
Aí está a dimensão fatalista e resignada de muitos dos ecologistas que denunciam a mudança climática. Eles atribuem ao capitalismo a origem da super exploração dos recursos naturais, mas em termos de propostas exequíveis tudo fica muito vago, sem detalhes e muito menos prioridades. Afinal, o que fazer? Acabar com o capitalismo? Mas como? Estatizando os meios de produção? Isso já não foi tentado antes e fracassou? A experiência histórica não mostrou que, em que pese o capitalismo criar grandes desigualdades, ele é eficaz em criar riquezas? Será que tornando as pessoas mais pobres por meio de um sistema econômico não tão eficiente na alocação de recursos como o capitalismo o meio ambiente será mais bem preservado? Ou será o contrário? Será que quanto mais pobres as pessoas, mais elas se comportam de maneira predatória porque não têm alternativa de subsistência?
Além de criticar genericamente o capitalismo, os defensores do Planeta Terra apontam a super população como um grande mal. Se houver menos gente no mundo, haverá menos uso dos recursos naturais. Com certeza. Por outro lado, isso levará ao colapso da civilização. Conforme Jordan Peterson explica na entrevista citada na abertura deste artigo, estamos no momento da história da humanidade no planeta em que haverá o maior número de homo sapiens. Ao saírmos do pico de população desceremos aos fundos do colapso populacional pela seguinte razão: quanto menos pessoas decidirem não ter filhos, menos haverá no futuro pessoas com capacidade de gerar descendência e a queda no número de pessoas será exponencial.
Neste ponto cabem os seguintes questionamentos: qual será o futuro da nossa espécie se só restarem velhos que não podem se reproduzir e por sua própria senescência não geram inovação? Quem carregará a tocha da civilização pelos próximos séculos se não houver quem responda aos desafios com ideias que abalam os paradigmas? Será que a mentalidade que predomina principalmente nos países desenvolvidos, a indiferença à política, a ideia niilista de que o ser humano é o problema e não a solução, levará o homo sapiens ao suicídio coletivo pela recusa em fazer o trabalho que deve ser feito, parafraseando Will Durant, i.e. pela recusa em engajar-se na sociedade, em propor soluções factíveis e atacar os problemas da melhor forma possível, considerando que o ser humano é falível? Eu provavelmente não viverei para saber a resposta a essa pergunta, mas talvez o abstencionista-militante Camille viva e descubra se a opção que ele faz em seus tenros anos terá sido realmente a correta.