Sobre orquídeas e delações

As pesquisas demonstram que os meios consensuais foram responsáveis por apenas 11% da solução dos conflitos, apesar do imenso investimento do CNJ e dos tribunais, desde 2006, em atos normativos, campanhas, sistemas e atividades de capacitação

Trecho do relatório Justiça em Números 2016 publicado pelo Conselho Nacional de Justiça

O Brasil é um país movido a tsunamis. E o Supremo surfa na onda. O (ministro Edson) Fachin é uma pessoa corretíssima? Sem dúvida, todos são. O Janot também é. Mas acontece que a onda leva. Se você desmoraliza o político, quem vai aparecer é o vácuo. O MPF deveria fazer a depuração das delações: tem de ser fato criminoso corroborado com prova ou possibilidade efetiva de ser corroborado com prova.

Trecho de entrevista do procurador da República Celso Antônio Três que atua em novo Hamburgo, Rio Grande do Sul

    Prezados leitores, depois de uma longa ausência, permitam-me reiniciar meus contatos com uma pequena história verídica. A síndica do meu prédio havia providenciado a construção de um jardim na calçada, o que incluía a plantação de um ipê e uma orquídea amarela pendurada na outra árvore que já estava ali há algum tempo. Pois bem, no fim de semana, nossa linda orquídea foi roubada, assim como as mudas de bromélias do jardim do prédio em frente. Viu-se pelas câmeras de segurança um senhor fazendo o serviço. Provavelmente ele deve ter realizado a apropriação indébita para embelezar seu sítio em Ibiúna, em Atibaia, ou seja lá onde tem seu refúgio campestre, ou para embelezar o amplo terraço do seu apartamento. Um ladrão que não teve pena de nós, seus vizinhos no bairro, que queríamos poder nos deliciar com a beleza das plantas tropicais. Eu posso estar errada quanto à identidade do ladrão, mas quem rouba uma orquídea e mudas de bromélias não é da mesma classe de pessoas que rouba carros e assalta bancos, apesar de o caráter ser tão ruim quanto.

    Esse episódio mostra quão pequena é nossa coesão social, e quão fundo é o buraco da corrupção no Brasil. Temos uma dificuldade imensa de respeitar o que é da comunidade, da coletividade ou de qualquer grupo ao qual individualmente não pertençamos. Em outras palavras, o público no Brasil tende a ser terra de ninguém, da qual qualquer um vê-se no direito de apropriar-se. E quando somos pegos em flagrante temos uma dificuldade imensa de admitirmos que erramos, nossa reação instintiva é apontar o erro dos outros. As pessoas que defenderam o PT ao longo do processo de impeachment tinham como linha de argumentação plausível – e plausível no sentido de não querer negar as evidências de corrupção que afloraram nas investigações da Petrobrás – que o toma lá dá cá é prática inevitável da política brasileira e que se o PT não fizesse isso nunca teria conquistado o poder.

    Assim está fazendo nosso atual presidente, Michel Temer, atacando Rodrigo Janot, o Procurador-Geral da República que o denunciou por corrupção passiva e organização criminosa. O senhor Michel Temer é um advogado finório, que tem plena capacidade de exercer seu direito de defesa e está fazendo-o, apontando o dedo para a delação premiada dos senhores Joesley e Wesley Batista. Permitam-se aqui bancar o advogado do diabo. Eu nunca me encantei com as mesóclises do mordomo de filme de terror, como outros encantaram-se comparando-as ao português claudicante de Dona Dilma, e muito menos encantei-me com a fulgurante primeira-dama Marcella Temer, que colocava a ex-presidente no chinelo em termos de beleza. No entanto, não consigo deixar de concordar com o ponto principal da argumentação “temeriana”: não há prova robusta contra o eminente constitucionalista. Explico-me. O velho Aristóteles ensinava que uma coisa é um tekmerion, uma prova natural e necessária, outra coisa são as semeia, intrinsicamente menos sólidas, que são as provas indiciárias. As gravações do senhor Joesley Batista de suas conversas com Rodrigo Loures e com Michel Temer podem ser interpretadas contra e favor do presidente, pois os diálogos são cifrados, alusivos de maneira às vezes mais, às vezes menos direta. O fato de Temer receber o indivíduo na calada da noite sem haver marcação na agenda de compromisso do presidente é um indício de transações escusas, nada mais.

    Todas essas delações premiadas, essas histórias que vêm sendo contadas aos procuradores da Lava Jato não são mais do que pistas que deveriam facilitar aos investigadores acharem provas contundentes que mostrassem uma conexão entre favores prestados e benefícios recebidos. Sim, Rodrigo Rocha Loures foi flagrado saindo de um restaurante em São Paulo com uma mala. Mas como provar que esse dinheiro foi para Temer? É a palavra de um contra a dos outros. Sim, as conversas fazem referência à Petrobrás, ao CADE, todos órgãos sobre os quais o Presidente da República pode ter influência. Há alguma evidência de que a JBS teve alguma decisão favorável no CADE por conta do tráfico de influência exercido por Rocha Loures? É verdade que a empresa de energia do grupo JBS, a Âmbar, entrou em acordo com a Petrobrás em uma disputa a respeito do preço do gás fornecida pela estatal. Mas será isso prova cabal de que o superintendente regional do CADE atendeu às demandas do deputado de favorecer a JBS ou simplesmente que se seguiu o procedimento normal do órgão de tentar fazer com que as partes da contenda cheguem a uma conciliação, tão incentivada nos processos judiciais pelo Conselho Nacional de Justiça? Basear uma denúncia criminal meramente em delações, sem que os promotores fundamentem as acusações em provas independentes de meros relatos é como diz o mordomo de filme de terror “denúncia por ilação”. A interpretação de Janot é coerente, plausível, mas para acreditarmos nela precisamos presumir que Joesley esteja sendo sincero e que as gravações que ele fez de suas conversas não tenham sido feitas com o intuito de criar armadilhas para seus interlocutores.

    Infelizmente, estamos a tal ponto mesmerizados com as delações que elas têm sido usadas de maneira abusiva. Um exemplo é o do Sr. João Vacari Neto, que acaba de ser absolvido na segunda instância da Justiça Federal em um dos processos em que é réu justamente pelo fato de a condenação do juiz Sérgio Moro ter sido baseada somente em delação premiada. Michel Temer, ao apontar os pontos fracos da delação premiada está atuando em causa própria, como advogado que é. À época em que as delações foram usadas como armas para defenestrar o PT do poder, ele espertamente não se pronunciou sobre a validade jurídica delas, porque lhe interessava ver Dilma fora. Independentemente das razões mesquinhas que o professor de Direito Constitucional da PUC tenha agora, para o bem do nosso Estado de Direito, é preciso que o Judiciário brasileiro calibre o uso desses instrumentos importados do direito americano para que não corramos o risco de termos condenações baseadas em maledicências e vendetas de membros das máfias que dominam o Estado brasileiro.

    No longo prazo, a utilização da delação premiada de maneira mais cautelosa fará bem para o Brasil, mesmo que isso signifique ter que aguentar o mordomo de filme de terror por mais alguns meses. Afinal, pressupor que qualquer delação premiada conte toda a verdade e nada mais que a verdade envolvendo políticos é pressupor que toda transação política é intrinsicamente corrupta e envolve troca espúria de favores. E se os políticos são todos corruptos o que colocaremos no lugar deles? Quem preencherá o vácuo? Não quero nem imaginar a resposta. Para o bem da nossa frágil democracia, espero que aprendamos gradualmente a dar o devido peso aos plea agreements.

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Os Budas Desditosos

Há um consenso universal de que uma fonte fundamental de riqueza é o trabalho humano. Ocorre que o economista moderno foi educado para considerar o “labor” ou trabalho como algo pouco melhor do que um mal necessário. Do ponto de vista do empregador, é de todo modo simplesmente um item de custo, a ser reduzido ao mínimo caso não possa ser completamente eliminado. Do ponto de vista do trabalhador é uma “não-utilidade”; trabalhar é sacrificar o lazer e o conforto e o salário é uma espécie de compensação do sacrifício. Daí o ideal do ponto de vista do empregador de ter produção sem ter empregados e o ideal do ponto de vista do empregado de ter renda sem emprego.

Do ensaio “A Economia Budista”, escrito por Ernst Friederich Schumacher (1911-1977), pensador econômico alemão

É reacionária a posição que hoje temos na esquerda brasileira. Deixa o velho dormir em paz!

Trecho de entrevista à rede Band News do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros em 27 de abril comentando sobre a necessidade de reformar a vetusta CLT, criação do presidente Getúlio Vargas

    Prezados leitores, antes de irmos à rua protestar contra a reforma trabalhista, mesmo porque não adianta nada, já que ela já foi aprovada antes mesmo da greve geral, é sensato que ouçamos os especialistas que sabem muito mais do que nós sobre os assuntos econômicos, e portanto, sabem qual a melhor maneira de ganhar o pão nosso de cada dia. O consenso é que a CLT é bananeira que já deu cacho, chorar pela morte dela, decretada pelo nosso Congresso Nacional, é ficar olhando para trás inutilmente, pois os tempos são outros. Em sua conversa com o jornalista Ricardo Boechat, Mendonça de Barros disse que a CLT teve seu papel, foi moderna à época em que foi promulgada, mas já estava mais do que na hora de livrarmo-nos desse fantasma do passado.

    Como é típico dos formadores de opinião no Brasil, que são todos viajados, leem a imprensa internacional, sabem o que ocorre no mundo, falam várias línguas, em suma são cidadãos globais, Mendonça de Barros citou um exemplo internacional, a saber, o caso da Alemanha que fez uma reforma trabalhista na década de 1990 em uma aliança entre um primeiro-ministro social democrata, Gerhard Schroeder, e lideranças sindicais esclarecidas, que permitiu ao país diminuir o desemprego e estimular o crescimento. A França, ao contrário, não fez reforma trabalhista nenhuma e está em uma situação lamentável, tão lamentável acrescentaria eu, que no segundo turno das eleições presidenciais tem uma candidata populista, Marine Le Pen, que toca no coração dos trabalhadores franceses como Donald Trump tocava no coração dos trabalhadores americanos durante a disputa de 2016, pois fala dos problemas que eles enfrentam, desemprego e queda da renda.

    Não há como negar que os fatos corroboram o que o eminente economista brasileiro fala. De acordo com os dados do World Factbook da CIA, o crescimento real do PIB na Alemanha foi de 1,6% em 2014, de 1,5% em 2015 e de 1,7% em 2016. O desemprego foi de 4,6% em 2015 e de 4,3% em 2016. Na França, os números são todos piores: crescimento real do PIB de 0,6% em 2014, de 1,3% em 2015 e de 1,3% em 2016, e uma taxa de desemprego mais de duas vezes maior do que a apresentada pelo seu vizinho ao leste: 10,1% em 2015 e 9,7% em 2016. Em suma, atuando em um mesmo espaço econômico, a União Europeia, a Alemanha consegue ser mais competitiva porque suas leis trabalhistas são menos rígidas do que as da França e por isso o custo da mão de obra é menor, o que estimula os investimentos e a criação de empregos. Simples e bonito.

    Esta é a premissa do argumento do Senhor Mendonça de Barros: diminuir o custo do trabalho como item da produção necessariamente faz os capitalistas investirem mais, porque lhes permite aumentar os lucros. Fazendo a mesma coisa aqui no Brasil certamente colheremos os frutos da nossa sensatez daqui a pouco, com a queda do índice de desemprego, que em 2016 foi de 12,6%. Adotemos as melhores práticas globais, sigamos o modelo alemão de potência exportadora! Sejamos flexíveis, dinâmicos e olhemos para o futuro! Mendonça de Barros, em sua conversa com Ricardo Boecha,t mostra-se otimista em relação à recuperação econômica do Brasil no futuro próximo. Nada mais natural, afinal ele já esteve no governo e, portanto, já colocou a mão na massa (foi presidente do BNDES de 1995 a 1998 e ministro das Comunicações de abril a novembro de 1998). E todo sujeito que se propõe a fazer coisas é um otimista, por definição, do contrário nem tentaria.

    Eu nunca coloquei e muito provavelmente nunca colocarei a mão na massa, portanto permitam-se ser uma pessimista, como é do meu feitio. Permitam-me duvidar do transplante exitoso da receita alemã para o contexto brasileiro. Para tanto, vou assumir aqui o papel do Sr. Ricardo Boechat e continuar hipoteticamente a conversa com o Mendonça de Barros colocando-lhe alguns pontos:

    A Alemanha tem uma indústria forte, em que se destaca a produção de bens de capital que incorporam a mais avançada tecnologia. Sua relação com a China, que é seu quinto maior parceiro comercial, é diria eu, de mutualismo, isto é, beneficia os dois lados. A Alemanha fornece à China bens que esta não produz e vice-versa. O Brasil, ao contrário, tem uma indústria que está em franco declínio, e uma das razões é que estamos perdendo feio para a China, que é capaz de fazer produtos xing-ling (isto é, de baixo valor agregado) a preços de banana. A China é atualmente nosso principal parceiro comercial, respondendo por 18,6% das nossas exportações e por 17,9% das nossas importações: compramos deles aquilo que antigamente fazíamos aqui, e vendemos aquilo que sempre vendemos desde 1500, isto é, os produtos da nossa luxuriante tropicalidade. Em suma, no mundo globalizado, nosso desempenho tem sido o de perdedores.

    Sr. Mendonça de Barros esse introito serve para eu colocar-lhe a seguinte dúvida: considerando que o Estado brasileiro está largamente incapacitado de prover serviços de saúde e educação para os cidadãos, será que acabar com o mínimo que a CLT oferecia não é jogar o povo e a economia em um ciclo vicioso de baixa renda que leva a baixo consumo que leva a baixo investimento que leva a baixa inovação, que nos condena ao papel subalterno de fornecedor de commodities? Será que flexibilizar as leis trabalhistas em um país como o Brasil, em que a tal da rigidez da CLT não impede que haja inúmeras violações aos direitos dos trabalhadores, leva aos mesmos resultados positivos quer foram produzidos na Alemanha, um país em que o mínimo garantido aos cidadãos é infinitamente maior do que aqui?

    Prezados leitores, em seu famoso ensaio, citado na abertura deste artigo, Ernst Friederich Schumacher, que acabou transformando-se em um guru do movimento ambientalista, critica a economia moderna ocidental pelo fato de seu foco ser no consumo a qualquer custo como medida de bem-estar e de ver o trabalho simplesmente como um custo de produção. Para Schumacher, que começou a estudar os princípios da religião budista na década de 50, uma economia budista vê as pessoas como mais importantes do que os bens produzidos, e a atividade criativa como mais importante do que o consumo. Na prática, isso significaria transformar o trabalho em um meio de desenvolver o caráter e as potencialidades do ser humano, o que implica a necessidade de a economia gerar trabalho para todos, para que todos possam desenvolver-se, e o consumo como um meio de atingir o bem-estar não um fim em si mesmo, o que significa a necessidade de buscar maneiras de obter mais bem-estar com menos consumo.

    Oxalá a morte da CLT, cujo velório realizou-se timidamente hoje com a greve geral, não intensifique no Brasil os piores defeitos da economia moderna tal como apontados por Schumacher, transformando os trabalhadores brasileiros em itens de produção facilmente descartados entre um contrato e outro de prestação de serviços, sem vínculos fortes, sem segurança, sem possibilidade de fazer valer seus direitos em relação a empresas terceirizadas de pouca substância econômica. É mais provável que o Sr. Mendonça de Barros, eminente economista e homem público esteja coberto de razão e o enterro vindouro da CLT abra-nos as portas da bonança. Aguardemos.

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Que se vayan todos!

E se a nossa crença na autodeterminação for um mito? E se a eleição de um partido político em vez de outro para controlar o Congresso muda somente as aparências? […] E se o verdadeiro objetivo daqueles que elegemos para o Congresso não é o de ser representantes da autodeterminação ou mesmo preservar nossos direitos fundamentais, mas o de permanecer no poder pela reeleição?

Trecho do artigo intitulado “E se realmente nós não governamos nós mesmos?” publicado em 20 de abril do juiz aposentado americano Andrew Napolitano

A democracia é um ônibus do qual você salta quando ele chega no ponto.

Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, que acaba de conseguir uma ampliação dos seus poderes por meio de um referendo realizado em 16 de abril

Nós tínhamos uma dívida de 239 bilhões em 1979, que hoje está em dois trilhões e 179 bilhões. Nesse entretempo, nós pagamos um trilhão e 400 bilhões de juros. Pedimos emprestado para pagar os juros da dívida. O dinheiro não é investido no desenvolvimento, mas em um sistema de bancos cassinos que mantêm entre si esse esquema.

Trecho de entrevista dada por Jacques Cheminade, candidato a presidente da França em 2017 ao jornal francês “La Voix du Nord”

    Prezados leitores, as eleições presidenciais na França realizam-se no dia 23 de abril. Há 11 candidatos e tive a paciência e o interesse de assistir a um programa em que cada um deles teve 15 minutos para responder a perguntas-padrão dos jornalistas e apresentar suas propostas. Ao final tiveram dois minutos e trinta segundos para uma mensagem final. Entre tudo o que foi dito pelos nove homens e duas mulheres, incluindo a necessidade de reformar a União Europeia, o que fazer em relação à guerra na Síria, o que fazer em relação ao desemprego etc., chamou minha atenção uma proposta de um modesto candidato, François Asselineau, do partido União Popular Republicana.

    Em suas considerações finais François considerou como tema prioritário que nas eleições os votos em branco sejam considerados como um voto à parte, um voto para um candidato, ou melhor, para um não candidato, e que se os votos brancos forem maioria em um determinado escrutínio que ele seja invalidado e que os candidatos que concorreram sejam proibidos de candidatar-se novamente, afinal, foram claramente rejeitados pelos eleitores. A ideia é que o sistema democrático possibilite que haja escolhas reais, por meio do “recall” das velhas raposas que perdem para os votos brancos. É claro que François não tem a mínima chance de eleger-se, mesmo porque provavelmente nem os franceses o conhecem e ele deve ter tido pouquíssima oportunidade de acesso aos grandes veículos da mídia, pois é considerado um candidato anão, irrelevante.

    Eu se fosse francesa votaria nele pelo seu conjunto de propostas, que incluem a saída da França do euro e da OTAN, a volta do franco, e “a retirada da economia, dos serviços públicos e da mídia do domínio do feudalismo privado”, de acordo com seu site na internet. Mas no perfil dele no Wikipedia ele é considerado um adepto de teorias conspiratórias (particularmente a influência da CIA no cenário político europeu), em suma um aloprado, diríamos nós aqui no Brasil, digo nós os grandes veículos como a VEJA quando querem estigmatizar candidatos que apresentam visões alternativas e falam certas verdades. Independentemente dos problemas por que passa a França é salutar que eles tenham um número razoável de candidatos “aloprados” que abordam os assuntos de maneira nova. Entre eles poderia citar também Nathalie Arthaud, do partido “Luta Trabalhadora” que quando questionada sobre o terrorismo teve a coragem de apontar que os países ocidentais, capitaneados pelos Estados Unidos, têm uma grande responsabilidade na criação dos monstros, como o Estado Islâmico, que agora lhes escapa do controle. Além de Jacques Cheminade, do partido “Solidariedade e Progresso”, citado na abertura deste artigo, que propõe uma reforma do sistema financeiro internacional para estimular o investimento na economia física e suprimir a especulação financeira.

    No Brasil infelizmente há poucos aloprados, ou melhor, vê-se claramente que aloprados como Levy Fidelix e Everaldo Pereira, candidatos nas últimas eleições presidenciais, querem é marcar presença na mídia sem preocuparem-se com alguma mensagem alternativa sobre a maneira de arranjar as coisas por aqui. A exceção talvez tenha sido Luciana Genro, do PSOL, partido que é uma dissidência do PT. Considerando que enfrentamos muitos dos problemas enfrentados por um país como a França, claro, guardadas as devidas proporções, talvez fosse o caso de nós importamos algumas dessas novas abordagens.

    Afinal, quem duvida que nas próximas eleições em 2018 haverá um grande número de votos brancos, nulos e abstenções? Se todos os principais políticos estavam na folha de pagamentos da Odebrecht em quem votar? No Brasil votar em branco ou nulo em eleições majoritárias é votar para o candidato que está em primeiro lugar. Portanto, a proposta de François Asselineau de considerar que o voto branco é uma manifestação válida da opinião do eleitor é pertinente aqui também. Talvez ainda mais pertinente, considerando a quantidade de eleitores que se negam a votar para representantes do Legislativo em nosso país. Será que anulando o escrutínio não obrigaríamos os brasileiros a votar de maneira mais consciente, até porque outras opções lhe seriam oferecidas? Ou será que nós definitivamente não temos uma cultura democrática, e portanto não temos o mínimo interesse em participar da vida política, em discutir, em ter influência sobre as decisões? Será que no fundo para nós a democracia é um instrumento que pode ser jogado fora a qualquer momento, como o presidente da Turquia refere-se à democracia, de maneira depreciativa?

    O valor que damos ou não à democracia é uma questão premente, considerando que a a Operação Lava-Jato, com os vazamentos das delações premiadas, com a fogueira das vaidades entre os membros do Ministério Público e do Judiciário, com as revelações escabrosas sobre o valor das propinas e sobre os beneficiários delas, e sobre as prisões realizadas pela Polícia Federal, transformou-se em uma novela mexicana acompanhada pelo povo pelas manchetes nos grandes veículos de mídia. Como sou partidária do grupo dos que creem em conspirações, considero que não é mera coincidência que enquanto ficamos fissurados nos próximos capítulos do drama, nosso Congresso comporta-se tal como o Congresso Americano denunciado por Andrew Napolitano em seu artigo: seus membros atendem interesses especiais, interesses esses que lhes garantem a eleição. No nosso caso específico, a grande questão que precisa ser resolvida urgentemente é a tal da dívida pública (aliás como na França, tão bem apontado por Jacques Cheminade), alguém precisa pagar o pato para que ela possa ser rolada ad infinitum, para que o Estado brasileiro possa ter condições de continuar pagando juros sobre juros. E resolver urgentemente significar passar o rodo em nós trabalhadores que não temos lobistas no Congresso e não conseguimos pagar propinas. Em suma, ao mesmo tempo que achamos que nossa democracia está sendo depurada pela Operação Lava-Jato, ela está novamente sendo sequestrada por interesses que têm voz ativa no Legislativo, mas que não são os interesses da maioria do povo brasileiro.

    Qual a solução para nossa cambaleante democracia? Que se vayan todos! É a nossa resposta mais óbvia. Mas quem virá no lugar? Um Erdogan que saltou do ônibus? Tudo depende de quantos capítulos terá a novela mexicana e do seu desfecho. Aguardemos.

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O mundo caiu

Mas a elite tem sua própria cultura de achar ter direitos adquiridos. Seus membros acham que porque estudaram literatura inglesa em Durham eles entendem o mundo melhor do que o encanador de Croydon. Eles se acham superiores e por isso sua visão deve prevalecer. Eles também acham que são moralmente superiores porque eles se mantêm fiéis às opiniões que lhes foi dita que são virtuosas. […] Eles são virtuosos. Eles sabem melhor. Eles são os escolhidos. Eles somente acreditam simbolicamente na democracia. Eles esperam e querem prevalecer.

Trecho do artigo de James Bartholomew intitulado “Foram ensinados a serem burros” publicado em 7 de janeiro de 2017

Deveríamos ficar longe da Síria, os “rebeldes” são tão ruins quanto o regime atual. O QUE VAMOS CONSEGUIR EM TROCA DAS NOSSAS VIDAS E DOS NOSSOS BILHÕES? ZERO

Tweet de Donald Trump em 15 de junho de 2013, o mesmo Donald Trump que ordenou na semana passada o lançamento de 59 mísseis para destruir as pistas da base militar de onde os aviões de Assad, o presidente da Síria, decolavam

    Prezados leitores, depois de uma ausência de mais de um mês por motivos profissionais, volto com o coração apertado. Há muitos motivos para tanto e todos eles dizem respeito à maneira pela qual a democracia nos países ocidentais tornou-se totalmente incapaz de responder aos anseios do cidadão médio. Na semana passada, literalmente na calada da noite, o Congresso Nacional, que supostamente é a caixa de ressonância da sociedade, aprovou uma lei da terceirização que na prática rasga a CLT sem ter a coragem de fazê-lo às claras. Os especialistas nos dizem que a terceirização “é um fenômeno mundial, não uma invenção nacional” (Domingos Fortunato, sócio do Mattos Filho Advogados, citado por VEJA na sua edição de 29 de março). Em suma, um fato natural com o qual é preciso concordar e não há nada a ser feito, a não ser reconhecê-la formalmente e dar-lhe um verniz de respeitabilidade que até agora não teve sob a camisa de força da vilipendiada CLT.

    De fato, os imbecis ou ignorantes é que não veem que é preciso aceitá-la e degustá-la, independentemente do risco de na prática ela criar atravessadores de mão de obra, as tais das empresas terceirizadas, ou cooperativas, que vão servir de anteparo entre os trabalhadores e as empresas que precisam dos serviços, garantindo o lucro da contratante e da contratada por meio da diminuição dos direitos do trabalhador. É um tipo de operação similar àquele que ocorria no Brasil nos séculos XVI e XVII, quando nossos engenhos de açúcar eram a ponta mais fraca do comércio colonial, vendendo o açúcar aos portugueses, que os repassavam aos holandeses, os verdadeiros donos do negócio, porque controlavam as redes de distribuição na Europa e, portanto, ficavam com a parte do leão dos lucros. Enfim, nada de novo sob o sol tropical, mas o grande empresariado que pressionou nosso presidente democraticamente eleito promete que empregos serão gerados pela limitação dos direitos trabalhistas. Vejamos se o nivelamento por baixo será compensado pela reversão da taxa de desemprego.

    Do lado da reforma da previdência, na prática o pato será pago pelos trabalhadores da iniciativa privada, que não têm lobby no Congresso para garantir privilégios por meio da pressão, como o caso dos militares, dos policiais, dos funcionários públicos. Mas também é uma outra área em que devemos nos submeter à opinião dos especialistas, como o ex-Ministro da Fazenda, Maílson da Nobrega, que diz que sem a reforma da Previdência haverá uma grave crise inflacionária e os pobres serão os grandes perdedores. O recado é: eleitores, aceitem fazer sacrifícios para purgar os pecados dos seus conterrâneos que tinham e têm poder de barganha para garantir para si mesmos polpudas aposentadorias pagas por todos, para garantir imunidades tributárias e para dar-se ao luxo de sonegar contribuições previdenciárias e depois receber anistias. Se não quiserem sacrificar sua aposentadoria para consertar as burradas feitas antes, em prol dos privilegiados, pior para vocês, porque os privilegiados já têm onde se abrigar da tormenta que será causada pela implosão do sistema de seguridade social brasileira com o envelhecimento da população, enquanto vocês estarão sempre à míngua, debaixo de chuva e tiritando de frio. Curvem-se à realidade seus idiotas!

    O pior, no entanto, em virtude da repercussão para a paz no mundo, foi o desmanche de Donald Trump. Sim, não há outra palavra a utilizar, eu que me manifestei neste meu humilde espaço a favor da sua eleição como meio de evitar a guerra nuclear. E o fiz com base nos princípios de política externa que ele propôs na campanha, em oposição à retórica de Hillary Clinton de confrontação com Vladimir Putin a respeito da Síria e da Ucrânia. Trump em seus lendários tweets, um deles reproduzido na abertura deste artigo, propunha que os Estados Unidos parassem de gastar dinheiro em guerras pelo mundo afora que só causam mais instabilidade e fazem os americanos mais pobres pela necessidade de financiar o complexo industrial-militar. O candidato que seria eleito pelos deploráveis propunha trabalhar em parceria com a Rússia para colocar um fim na guerra na Síria, propunha foco na reconstrução da infraestrutura dos Estados Unidos para gerar empregos, enfim, expressava ao anseio de uma parcela do povo americano para quem a presença militar do Tio Sam nos quatro cantos do globo já se tornou há muito um fardo pesado demais para ser carregado.

    E vejam só, que em menos de 100 dias de governo Trump já rendeu-se aos neocons, àqueles que querem que os Estados Unidos sejam a eterna polícia do mundo. O ataque aéreo à Síria sob a justificativa de um suposto uso de armas químicas contra crianças pelo presidente Assad é uma óbvia capitulação do Donald Trump eleito pelo povo americano. Quais as razões? Apagar as suspeitas de que o famigerado Vlad teria ordenado a invasão dos computadores dos democratas para revelar os podres de Hillary e ajudar Donald Trump, seu pau mandado?

    O fato é que o recém-eleito presidente dos Estados foi acusado de ser espião do monstro de Moscou desde o primeiro dia de seu governo. Histórias sobre a ligação de membros da equipe de Trump com a Rússia sempre vazaram para a grande imprensa, e foram tomadas como verdade, independentemente de confirmação de algum órgão oficial de investigação. Quando Trump acusou Obama de ter grampeado a Trump Tower e Obama negou por meio de assessor, os bem pensantes acreditaram em Obama e acusaram Trump de mentir, isso em um país em que o Foreign Intelligence Surveillance Act dá poderes totais ao comandante supremo da nação de mandar espionar aqueles considerados suspeitos de atentar contra a segurança nacional, por exemplo, agentes de potências estrangeiras. A revelação da conversa do General Flynn, indicado por Trump para chefiar o Conselho de Segurança Nacional, com o embaixador russo em dezembro, prometendo-lhe que as sanções contra a Rússia seriam revertidas no novo governo, mostram que de fato a equipe de Trump estava sendo vigiada sob os auspícios da lei de espionagem e essas informações de segurança nacional, confidenciais por natureza, foram vazadas para a imprensa e causaram o devido estrago na reputação do defensor dos deploráveis.

    Foi muita pressão sobre o Aprendiz, tachado de traidor da pátria, de racista, xenófobo, louco, marionete de Putin e ele não aguentou, provou ser mais fraco do que os esperançosos acreditavam. Primeiro demitiu Flynn, acusado de conspiração com o inimigo por ter tido essa conversa com o embaixador russo, e agora decide mandar mísseis contra Assad, voltando atrás sobre tudo o que prometera durante a campanha. Hillary Clinton teria feito a mesma coisa na Síria, aliás ela já havia divulgado seu plano em um dos debates, e claro os especialistas na grande imprensa e na academia aplaudem a tomada de posição firme do presidente americano contra o envenenador de criancinhas. Às favas o povo americano que escolheu Trump para frear a sanha imperialista e enfocar os problemas comezinhos da falta de emprego e da queda da renda.

    Prezados leitores, qual será o futuro da democracia no Ocidente, que faz ouvidos de mercador ao que o povo expressa nas urnas? Aparentemente, se nem os populistas conseguem fazer a ponte entre a elite e as necessidades do povo, qual o futuro reservado para nós? Resignarmo-nos a sermos governados pelos especialistas que alegam saber o que é melhor para a sociedade? Ou a implosão social? Enquanto o desfecho não acontece, torçamos para que o Oriente Médio não seja o estopim da guerra nuclear.

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Os especialistas

É inútil ignorar a tragédia do desemprego. No mundo, os desempregados superam o patamar dos 250 milhões. No Djibuti, Congo, Quênia, ultrapassam a marca dos 40%. Na mesma situação está a Bósnia-Herzegovina. Com taxas acima de 20%, temos cerca de 20 outros, como a Espanha, África do Sul, Angola. As maiores vítimas são jovens, de 14 a 24 anos. […] O que se faz necessário é adaptar a CLT ao mundo globalizado, dominado pela informatização e terceirização. Gerar desenvolvimento e fomentar a criação de empregos, sobretudo para os jovens, é a maior responsabilidade do Estado moderno.

Trecho retirado do artigo escrito por Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST publicado no Jornal do Advogado de outubro de 2016

Você veja, pelo que eu posso perceber, no futuro empregos com remuneração decente serão tão absurdamente escassos que se você não conseguir colocar seus filhos em um estágio nas férias, terá que aceitar que eles farão parte da classe dos desfavorecidos. Mas como você vai conseguir colocar seus filhos nesse tipo de estágio, se como meu filho, eles não têm certeza do que realmente querem fazer da vida?

Trecho retirado do artigo “Meu pobre filho. Ele vai terminar exatamente como eu” do jornalista inglês James Delingpole

    Prezados leitores, o grande Sócrates, o grego, não nosso craque do futebol, deu uma explicação sobre o papel dos especialistas em um regime democrático como o de Atenas. Para ele, os construtores de navios, os sapateiros, os ferreiros, os mercadores eram especialistas no sentido de que dominavam uma técnica de trabalho que lhes permitia obter resultados previsíveis, ou seja, um navio que não afundava, sapatos cuja sola não furava facilmente, facas que cortavam bem e assim por diante. Quando nas assembleias da ágora tratava-se de um assunto técnico nesse sentido não cabia aos cidadãos dar palpites, bastava chamar um especialista e ele seria a pessoa mais bem habilitada a dar conselhos, ou seja, a dizer qual era a melhor forma de conseguir algo.

    Por outro lado, quando a questão era decidir sobre que rumo tomar, quando se tratava das ações humanas e de prever como outros seres humanos, por exemplo, inimigos de Atenas, agiriam, de nada adiantava chamar especialistas. Porque no campo do comportamento humano as variáveis são tantas que prever resultados é mero exercício de adivinhação. Nesse caso, os cidadãos de Atenas, antes de decidir o que fazer, deveriam consultar os oráculos e os augúrios, pois é absurdo esperar que haja pessoas capazes de prever com exatidão como as interações entre os seres humanos ocorrerão na prática.

    É uma pena que nas democracias modernas façamos frequentemente o exato oposto do que preconizou o homem mais sábio na Terra, como Sócrates ele mesmo definiu-se. Nós confiamos nos especialistas para decidir sobre tudo. Em minha infância, passada na época da hiperinflação, os grandes detentores do saber eram os economistas, os geniais formuladores dos planos ortodoxos, heterodoxos e quejandos de combate à inflação. Atualmente, os desafios são outros, a alta dos preços não é nem de longe a obsessão nacional que era na década de 80. O que importa agora são as tais das reformas estruturais, trabalhista, previdenciária, tributária que permitam ao país diminuir o custo Brasil e nos habilite a participar do mundo globalizado mais bem preparados, já que a concorrência é feroz. Para fazer reformas estruturais é preciso mudar as leis, portanto os especialistas a serem chamados são os advogados. Um deles apareceu na semana passada no programa Roda Viva, Almir Pazzianotto, que conforme, citação na abertura deste artigo, é amplamente favorável a uma desconstrução da CLT, lei considerada obsoleta que atrapalha o aumento da eficiência e da produtividade.

    O raciocínio do excelentíssimo advogado trabalhista que vira e mexe é citado em jornais e revistas como autoridade na questão, pode ser resumido no seguinte: contratar pessoas seguindo todas as formalidades da lei criada em 1943 fica muito caro para o empresário, que ainda por cima precisa lidar com o risco oculto representado por ações trabalhistas que podem ser instauradas pelo funcionário tempos depois de ter saído da empresa. Caso a CLT seja modificada para ser mais fácil contratar e demitir pessoas, ou em outras palavras, caso o custo da mão de obra seja diminuído, os capitalistas brasileiros terão mais incentivo para investir e criar empregos, gerando riqueza.

    Estou longe de ser uma especialista e seguindo a lição do mestre peripatético, considero que o comportamento humano depende de um infinito número de fatores incontroláveis. A decisão sobre investir ou não investir em um novo ou já consolidado empreendimento depende de coisas tais como a taxa de poupança do pais, a taxa de juros cobrada pelos bancos para empréstimos, o grau de empreendedorismo da economia do país, a possibilidade que o empresário vê de poder vender sua produção no mercado, a taxa de câmbio que influencia nossa capacidade de exportação e de importação. Presumir que haverá maior oferta de empregos em números absolutos simplesmente porque será mais barato ter funcionários já que a lei não estabelecerá tantos direitos quanto faz a CLT, é um exercício de futurologia e não pode se basear em um conhecimento confiável do resultado dessa modificação na lei. Pode ser que realmente consigamos nos livrar da incômoda cifra de 12 milhões de desempregados, mas se alguns desses fatores que arrolei acima estiverem presentes, as previsões otimistas poderão naufragar.

    Com efeito, não podemos nos esquecer que o Brasil sofre há algum tempo da doença holandesa, isto é, do fato de sermos globalmente competitivos na produção de algumas commodities. Conforme noticiado no jornal O Estado de São Paulo de 5 de março, houve recentemente uma recuperação nos preços dos produtos que respondem por 60% das vendas externas do país. Isso significa entrada de moeda forte no Brasil, o que leva à apreciação do real. Para a indústria, a grande geradora de empregos, isso é algo ruim, porque facilita as importações e dificulta as importações. Aliada à alta taxa de juros que aqui prevalece, isso gera um círculo vicioso de mais entrada de dólares com fins especulativos, mais apreciação da moeda, menos capacidade da indústria de enfrentar a concorrência chinesa nos manufaturados. Será que a flexibilização da CLT será capaz de gerar empregos em tal cenário negativo? Ou o buraco é mais embaixo, pois múltiplos fatores, cuja solução é incerta, determinam o nível de ocupação da força de trabalho?

    E mesmo presumindo que menos obrigações trabalhistas estimulem os empresários a investir e criar empregos, fica uma dúvida. Será que no final das contas só os jovens serão beneficiados, isto é, aqueles que não tinham emprego terão uma chance de trabalho, o que é indubitavelmente uma melhora, mas aqueles que antes gozavam da CLT ficarão ostracizados? Será que as empresas contratarão os “velhinhos” que foram obrigados a descer das nuvens e perder seus direitos garantidos pela famigerada lei de 1943? Uma das regras de um departamento de RH é contratar pessoas por um salário que seja maior do que aquele de que gozavam antes e evitar contratar pessoas por um salário menor do que aquele que ganhavam antes, pois presume-se que faltará motivação a esses infelizes expulsos do paraíso da CLT. Pode ser que as empresas ofereçam uma remuneração que incorpore uma parte daquilo que ia para o governo em termos de encargos sociais e nesse sentido será mais dinheiro no bolso do empregado.

    Novamente, isso dependerá de muitos fatores, tais como a capacidade de negociação dos trabalhadores, o tipo de profissional de que o mercado precisará e quão escassas são as habilidades do empregado. Em suma, para os que antes beneficiavam-se da CLT, poderá haver uma seleção natural em que os mais fortes continuarão gozando de direitos tão sólidos quanto gozavam antes, enquanto os mais fracos, desprotegidos pela lei, não serão jovens o suficiente para obter alguma vantagem dos “novos empregos pós CLT” e não serão capazes ou especiais o suficiente para atrair o interesse das empresas a despeito de seu custo mais alto do que os dos jovens em busca do primeiro emprego.

    Prezados leitores, a depender da conjunção de fatores da economia brasileira, uma reforma trabalhista pode ser simplesmente uma distribuição de renda dos trabalhadores, que perderão direitos, e do governo, que perderá arrecadação, para os empresários, que terão menos custos, mas não necessariamente investirão o excedente. Se o Brasil seguir essa toada de ser uma economia baseada em commodities, que agrega pouco valor, a reforma trabalhista será um mero dumping social. Daí porque considero que um assunto desse tipo deve ser resolvido pelos métodos democráticos e ser retirado das mãos dos especialistas. Em uma última análise, é um cabo de guerra entre os jovens e os não tão jovens desempregados de um lado e os “velhinhos” celetistas de outro. Que nos deixem resolver a disputa pelo voto, por audiências públicas no Congresso de que participem os interessados, por um referendo popular sobre a reforma trabalhista. Mas, por favor, não deixem que os especialistas controlem o debate pretendendo saber o que vai acontecer no futuro. Isso não dá para engolir. Afinal, como Sócrates nos alertou, cada macaco em seu galho.

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