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O barco furado de todos nós

Posted by on 16/03/2018

Gastamos quatro bilhões para tirar do poder várias pessoas que, francamente, caso tivessem permanecido em seus lugares e se pudéssemos ter gasto aqueles 4 trilhões nos Estados Unidos para renovar as estradas, pontes e resolver todos os nossos outros problemas —teríamos ficado em uma situação muito melhor, eu afirmo isso categoricamente agora. Prestamos um grande desserviço à humanidade. As pessoas que foram assassinadas, as pessoas que sumiram do mapa — para quê? E não parece que tenhamos obtido uma vitória.

Uma confusão. O Oriente Médio está totalmente desestabilizado, uma confusão total e absoluta. Eu gostaria que tivéssemos os quatro ou cinco trilhões. Eu gostaria que tivessem sido gastos aqui nos Estados Unidos em escolas, hospitais, rodovias, aeroportos e todo o resto que está caindo aos pedaços!

Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016

Não sei quais as armas que serão usadas na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial serão usadas pedras e paus.

Atribuída a Albert Einstein (1879-1955)

Pôster de propaganda mostrando santo guerreiro da Revolução Russa vencendo o dragão do mal capitalista

    Prezados leitores, bem sei que no momento atual a ordem do dia é cada um decidir de que lado está: ao lado da Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, ou do coronel da Polícia Militar, Washington Lee Abe, que denunciou o fato de uma crítica feroz da atuação da PM nas favelas cariocas ter sido colocada como mártir quando há inúmeros policiais que morrem em ação. Meu único comentário a esse respeito é que a morte de Marielle teve o efeito positivo de ofuscar totalmente a greve dos juízes que correu no dia seguinte ao do crime. Infelizmente nossos magistrados não tiveram a atenção que suas causas mereciam.

    Deturpando a fala do poeta, eu diria que cessa tudo quanto a antiga musa canta, quando um valor mais alto se alevanta. Em minha modesta opinião, a cena internacional está muito quente para ser negligenciada. A cada dia fica mais claro que o Donald Trump da campanha eleitoral, que propunha uma política externa menos intervencionista do Império Americano, foi fagocitado pelo complexo industrial-militar. A mais recente indicação disso é a demissão do Secretário de Estado Rex Tillerson, que estava tentando salvar o acordo com o Irã pelo qual a “comunidade internacional” iria retirar as sanções econômicas impostas ao país em troca da permissão de que suas instalações nucleares fossem inspecionadas. O objetivo seria impedir que os iranianos adquiram expertise para fazer uma bomba atômica.

    O provável substituto a ser sabatinado pelo Congresso americano é Mike Pompeo, que já se manifestou ser totalmente contra o acordo nuclear com o Irã e considera que os Estados Unidos têm o direito de intervir militarmente no país mesmo que o Conselho de Segurança da ONU não dê o aval. Quanto às conversas vindouras com Kim Jong-Un, a ideia não é negociar de verdade, o que implicaria ceder em alguns pontos. A ideia é comunicar ao líder da Coreia do Norte aquilo que os Estados Unidos esperam dele e se ele não aceitar, bem, também poderá haver ações militares para dobrar a espinha de mais um membro do grupo do eixo do Mal. Kim Jong-Um não pode esperar conseguir uma garantia de que não será atacado, mesmo tenho mostrado sua capacidade atômica.

    Se essas mudanças no gabinete de Donald Trump não fossem suficientes, há outros sinais perturbadores. O último factóide para caracterizar Vladimir Putin como um autocrata assassino é a acusação de Theresa May de que a Rússia está por trás da tentativa de assassinato por envenenamento a gás de um ex-espião russo, Sergei Skripal e sua filha em Salisbury na Inglaterra. Quando a primeira-ministra britânica explicou o caso ao parlamento o líder da oposição, Jeremy Corbyn fez-lhe a singela pergunta sobre se a Sra. May tinha provas irrefutáveis de que o governo russo era o responsável, mas as vaias a ele foram grandes e não obteve resposta. Pudera, May recusou-se a fornecer amostras do gás que atingiu o ex-espião à Rússia, o que é exigido pela Convenção sobre Armas Químicas para que o país possa ter a oportunidade de provar sua inocência, o que na prática significa que não haverá uma investigação séria, a ser feita de acordo com as regras do direito internacional.

    O engraçado nessa história toda é que o Sr. Skripal esteve preso na Rússia, por traição, de 2006 a 2010. Se o governo do famigerado Vlad tivesse interesse em eliminá-lo, teria sido muito mais conveniente fazê-lo na Pátria-Mãe e não em território estrangeiro. De acordo com James O’Neill, advogado e analista geopolítico, coincidentemente, o Sr Skripal foi recrutado pelo MI6, o serviço de inteligência do Reino Unido, como agente duplo na década de 90. Àquela época, o homem do MI6 em Moscou, oficialmente diplomata, era Christopher Steele, a quem Skripal deve ter reportado quando tornou-se agente duplo. Christopher Steele é o homem encarregado de elaborar um dossier que mostrava as conexões de Trump e da turma de Trump com a Rússia. Essas informações colocadas no dossier foram usadas como justificativa por Barack Obama, nos termos do Foreign Intelligence Surveillance Act, para espionar as comunicações eletrônicas do cidadão americano Donald Trump sem que houvesse a necessidade de solicitação de autorização do Poder Judiciário estadunidense para a violação da sua privacidade.

    O resumo da ópera é que Skripal pode ter auxiliado Steele a elaborar o tal do dossier, o qual faz com que haja outros interessados em uma queima de arquivos, a saber aqueles que encomendaram o dossier que fundamenta toda a polêmica em torno do conluio entre Trump e os russos, conluio que não foi provado pelo procurador especialmente designado para essa investigação, Robert Muller. O fato é que nós pobres mortais nunca saberemos a verdade, porque não haverá investigação isenta, há interesses poderosos envolvidos. O que importa, e isso já foi conseguido, é criar mais um fato que corrobora a visão negativa do líder russo como um pária da comunidade internacional (leia-se Europa e Estados Unidos). Em menos de duas semanas, um assunto de tal complexidade, envolvendo espiões, vários países, vários interesses em jogo, foi sumariamente resolvido colocando-se a culpa sempre no monstro sanguinário Putin.

    Para que isso servirá veremos. Uma nova intervenção dos países ocidentais na Síria, em que a atuação russa foi fundamental para salvar o regime do líder sírio Bashar al-Assad, que de outro modo teria sido defenestrado como foi Muamar al-Gaddafi da Líbia o foi em 2011 e Saddam Hussein do Iraque em 2006. Uma preparação da opinião pública internacional, o que significa dizer aquela que se mantém informada com base nas notícias geradas pelos veículos de comunicação sob a órbita americana, para um ataque preventivo à Rússia ou a fomentação de uma revolução democrática na Rússia depois da reeleição de Vladimir Putin em 18 de março. Ou até um ataque à Coreia do Norte, protegida pela China e pela Rússia.

    De qualquer forma, todas essas histórias fantásticas sobre envenenamentos de espiões com gás ou material radioativo, derrubada de aviões, etc. produzidas sem cessar, aceitas prontamente por todos como fatos, só envenenam os espíritos de uma maneira nunca vista desde a crise dos mísseis em Cuba. Vladimir Putin, assim como Kim Jong-Un, não são heróis nem bandidos, são líderes de seus países, e agem para defender os seus respectivos interesses geopolíticos. A Coreia do Norte sofreu na década de 1950 com a guerra que devastou a península e teve a presença de tropas americanas. A Rússia, ao longo dos últimos 200 anos, foi objeto de invasões e intervenções de países ocidentais que lhe custaram milhões de mortos. Ela quer evitar isso e para tanto quer estabelecer uma distância segura em relação aos seus inimigos, já que não tem defesas naturais. A política americana de demonizar os países cujos interesses chocam com os do império tem tido efeitos nocivos que o candidato Trump apontou de maneira sensata durante a campanha, mas que por alguma razão, que também não saberemos, ele tem preferido esquecer.

    Prezados leitores, a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial empalidece todas as nossas preocupações locais. Se houver a hecatombe nuclear tanto os partidários da vereadora Marielle quanto do coronel Washington, os defensores e os detratores de Putin, Trump e Kim Jong-Un estarão no mesmo barco furado. Torçamos para que a sensatez prevaleça.

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