Carta aberta a Dona Cármen Lúcia

Tomemos como exemplo o famoso julgamento do Tribunal de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial. Um dos dilemas enfrentados pelos juízes estava no fato de que não havia normas superiores de Direito Internacional Penal que, à época, tipificassem o genocídio como crime, sendo, no entanto, aceito o princípio nullum poena sine lege (não há crime nem pena sem prévia lei). Como então responsabilizar os criminosos nazistas? […] O Tribunal definiu o genocídio como crime contra a humanidade e, para escapar ao princípio nullum crimen, invoca-se a existência de certas exigências fundamentais de vida na sociedade internacional que implicariam a responsabilidade penal individual dos governantes e dos que executam suas determinações.

Trecho retirado do livro “Introdução ao Estudo do Direito” de Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Levantamento mostra que 14 dos 17 integrantes do CNJ [órgão responsável pela fiscalização da própria magistratura e o aperfeiçoamento do sistema judiciário brasileiro] receberam em 2017 rendimento líquido acima do teto constitucional, de R$ 33,7 mil; eles dizem que pagamentos têm amparo legal

Trecho do artigo “Maioria dos integrantes do CNJ recebeu acima do teto” publicado no jornal O Estado de São Paulo em 18 de fevereiro

    Dona Cármen Lúcia, permita-se apresentar-me. Sou Maria Elisa Bittencourt, meto-me a escrever sobre o que me dá na telha se meu cérebro e meu tempo dão-me a oportunidade   e dirijo-me à senhora nesta semana na certeza de que esta carta não chegará aos seus olhos na tela do seu laptop. Independentemente disso, escolhi a senhora como destinatária porque quando iniciou seu mandato como presidente do Supremo Tribunal Federal em 12 de setembro de 2016 muita confiança foi depositada na sua seriedade, na sua sisudez e na sua condição de doutora mulher ou mulher doutora. Os bem-pensantes do Brasil acharam que a senhora seria bússola moral da nação, quando estávamos ainda fazendo o rescaldo do impeachment de Dona Dilma Rousseff em 31 de agosto daquele ano.

    Desculpe Dona Cármen, mas de mulher para mulher, passado um pouco mais de um ano e meio, a impressão que a senhora deixou em mim até o momento é que lhe falta pulso para exercer a presidência e administrar a fogueira das vaidades que é o Supremo Tribunal Federal, uma corte em que cada Ministro decide individualmente como quer e quando quer. Nas cruas palavras de Luís Roberto Barroso “O Supremo está virando um Tribunal de cada um por si.” Os números mostram isso. Em 2016 o STF tomou 14.529 decisões colegiadas e 70.091 decisões monocráticas, isto é, individuais (números publicados na Revista da CAASP na edição de maio de 2017). A senhora não fez nada para mudar esse estado de coisas, como demonstram as brigas de galo entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que trocaram insultos em 26 de outubro de 2017.

    Caso a senhora tenha esquecido desse tragicômico episódio, faço questão de lembrá-la: Mendes ironizou o fato de Barroso ter tomado o Rio de Janeiro como exemplo de administração e de ter soltado José Dirceu. Barroso, encrespado com os ataques ao seu Estado natal, acusou Gilmar de mentiroso e de leniência com os crimes de colarinho branco. Dona Cármen, a senhora pediu com muita fineza e educação que os dois parassem de se digladiar no Coliseu de Brasília, mas a senhora não pode negar que eles a ignoraram solertemente, talvez porque sua voz não seja tonitruante como a de Gilmar ou porque a senhora não consiga levantá-la nunca, quiçá resquício do seu tempo de interna no Colégio Sacre-Coeur.   Talvez naquele momento em que os níveis de testosterona estavam altos no plenário a senhora não pudesse ter feito nada, mas com certeza deveria ter chamado os dois excelentíssimos ministros depois de encerrada a sessão para passar-lhes uma descompostura. Se o fez nunca saberemos, mas sabemos que o efeito foi nulo. Em 19 de dezembro, eles voltaram a trocar farpas dessa vez por causa do trabalho de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República, Barroso defendendo-o e Mendes o atacando. Em suma, um dia o Ministro Marco Aurélio disse que o STF é formado por 11 ilhas. A senhora ainda não fez nada de relevante para mudar essa situação, que parece piorar a cada dia, levando ao descrédito do órgão máximo do Judiciário brasileiro.

    Dona Cármen, ainda há tempo de a senhora fazer jus às esperanças que foram depositadas na sua pessoa. A chance será em março quando o plenário deverá discutir, caso a senhor a marque a data do julgamento, as liminares (sempre elas!) dadas pelo Ministro Luiz Fux em setembro de 2014 assegurando o direito ao auxílio-moradia a todos os juízes em atividade no Brasil.  Sabemos da situação atual: o teto constitucional é desrespeitado por gambiarras legais que levam os magistrados a receber verbas indenizatórias como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, ajuda de custo, antecipação de 13º e outros benefícios. Desse modo, há juízes como o Sr. Aloysio Corrêa da Veiga, cujo subsídio base de 32.075 reais depois dos penduricalhos vira um gordo rendimento líquido de 110.332 por mês, pagos a um indivíduo que goza de duas férias por ano e que não paga imposto de renda sobre o que excede o básico, pois indenização não é considerada renda.

    Dona Cármen, sou formada em Direito como a senhora e sei que todas essas verbas adicionais nos termos do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 47 de 2005, são tecnicamente consideradas de natureza indenizatória, e portanto, diferentes das “vantagens pessoais de qualquer natureza” que o inciso XI, do artigo 37 da Constituição Federal inclui no limite do teto constitucional. Mas convenhamos: como a senhora quer que o povo brasileiro entenda essas filigranas jurídicas? Porque na prática, apesar de haver o “amparo legal” o resultado é o seguinte: colocou-se na Carta Magna um dispositivo para evitar os super-salários e os magistrados conseguiram passar ao largo dessa limitação pleiteando e conquistando com base na Constituição auxílio-moradia mesmo quando eles não têm que sair da cidade onde moram para trabalhar.

    Aliás, antes de continuar, peço desculpas pelo termo um tanto informal demais que usei, de “gambiarra”, mas é sabido com bases em entrevistas de membros de associações de juízes publicadas nos grandes jornais que essas alterações na Constituição foram fruto de um toma lá dá cá em que os magistrados não conseguiram reajuste salarial, mas conseguiram incrementos nos subsídios de maneira enviesada. Em bom português, foi na base do jeitinho brasileiro, o mesmo empregado pelo ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva para conseguir financiar as campanhas eleitorais do PT. A senhora pode achar que estou comparando bananas com maçãs, mas quando os petistas justificam o comportamento de Lula aceitando jabaculês (desculpe novamente pela minha liberalidade linguística) de empreiteiras alegando que se ele não fizesse assim não teria dinheiro para disputar eleições e não poderia participar do jogo democrático, a mim me parece estar ouvindo os juízes dizerem que sem esses estratagemas (a palavra é melhor agora, não?) eles ficariam com salários defasados por anos e não conseguiriam exercer suas funções de maneira digna.

    Enfim, Dona Cármen, mesmo que a senhora não concorde que os magistrados estejam no mesmo nível dos réus da Lava-Jato, a senhora há de concordar que o efeito sobre o povo é o mesmo: uma constatação de que cada grupo aqui no Brasil cuida dos seus próprios interesses, com o agravante de que os juízes fazem tudo dentro da lei, ao contrário do Lula, que cometeu alguns crimes tipificados no Código Penal. Agravante porque se é feito dentro da lei fica difícil acionar o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para resolver a situação, como foi feito com alguns políticos, empresários e funcionários públicos de carreira. Permita-me então lhe sugerir uma solução jurídica que puxei da lembrança das minhas aulas de Filosofia do Direito. Os nazistas que torturaram, mataram e exterminaram judeus, ciganos e homossexuais foram condenados em Nuremberg não porque desobedeceram a lei em vigor no país, mas porque violaram princípios universais de direitos humanos que mesmo que não estejam escritos em uma Constituição, são válidos em qualquer tempo. Essa é minha humilde contribuição Dona Cármen que ofereço sem ter sido solicitada a fazê-lo: vote contra os penduricalhos indenizatórios por eles serem imorais em um país em que se pedem sacrifícios à população ameaçando o apocalipse da falta de dinheiro para pagar aposentadorias no futuro, enquanto há dinheiro de sobra para pagar 100.000 reais por mês a um juiz.

    Sem mais para o momento despeço-me, com a tênue esperança de que a senhora não será mais uma Marina Silva que depois de fulgurante desempenho nas eleições presidenciais despontou para o anonimato.

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Novo Dicionário Amoroso do Brasil

Se olharmos para 2050, a população economicamente ativa brasileira vai crescer algo em torno de 0,6% ao ano, e a população idosa algo em torno de 4,2% ao ano. Ou seja, há uma diferença de 3,6 ponto percentuais entre os potenciais beneficiários e os potenciais contribuintes. Isso é alarmante”, afirma o economista Luís Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e especialista no tema. “Se o Brasil ainda hoje é um país relativamente jovem temos um ritmo de envelhecimento mais acelerado que o dos países europeus no passado. Isso nos obriga a tomar medidas mais rápidas, alerta.

Trecho do artigo “Ainda não será desta vez” publicado na Revista da CAASP de fevereiro de 2018

Com apenas 50% de índice de coleta de esgoto e 42% de tratamento, o Brasil tem redes com ociosidade. […] Os motivos são variados. Alguns não querem pagar a tarifa do serviço, outros são resistentes a mexer na estrutura da casa e também há quem reclame da falta de dinheiro para fazer a conexão.

Trecho do artigo “Esquecidas, redes de esgoto estão sem uso”, publicado no jornal o Estado de São Paulo em 11 de fevereiro

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), estão em operação no país 82 usinas de energia solar com capacidade instalada total de 965.325 quilowatts (kW), que representam 0,61% da matriz energética do país.

Trecho retirado do artigo “Alternativa caseira” publicado no jornal O Globo em 11 de fevereiro

Luxúria tropical em São Paulo – foto da autora

    Prezados leitores, na semana passada propus algumas perguntas e ofereci para cada uma delas quatro respostas. Nesta semana, proponho perguntas abertas a respeito de temas gerais que deverão – ou deveriam – ser tratados nas eleições presidenciais de outubro deste ano e sobre os quais seria recomendável que os candidatos tivessem, se não um plano detalhado de como tratá-los, ao menos as linhas gerais.

    Supondo que a reforma da Previdência intentada pelo presidente Michel Temer seja aprovada neste ano antes das eleições, quais medidas serão tomadas para que o aumento na idade mínima de aposentadoria possa realmente ser praticado? Haverá políticas do Ministério da Saúde visando um aumento do cuidado preventivo com a saúde da população para que o tempo de vida útil do trabalhador aumente? Será que no frigir dos ovos a reforma da Previdência simplesmente aumentará o número de casos de aposentadoria por invalidez como uma “gambiarra” para o trabalhador conseguir garantir uma renda para si quando estiver incapaz fisicamente de continuar trilhando o longo caminho traçado pela reforma rumos aos proventos da inatividade? Haverá políticas do Ministério do Trabalho de reciclagem de trabalhadores que exerciam ofício manual e que para continuar contribuindo para a Previdência teriam que trocar de profissão de modo a exigir menos esforço físico do corpo já afetado pelo desgaste da idade? Será que os formuladores da reforma da Previdência têm alguma visão estratégica sobre como o Brasil vai enfrentar o imenso desafio do nosso envelhecimento acelerado ou simplesmente quiseram propor alguns remendos para garantir aos credores da dívida pública que o déficit da Previdência poderá ser manejado ao longo dos próximos anos para que não deixemos de honrar nossas obrigações financeiras? Será que quando o projeto virar lei haverá um esforço coordenado das várias áreas do governo para que a reforma não seja um mero expediente fiscal e transforme-se em uma política social visando o aumento da expectativa de vida e das condições de saúde dos brasileiros? Considerando o quanto a qualidade de vida na terceira idade é afetada pelo ambiente em que o indivíduo vive, será justo estabelecer uma idade igual para todos os brasileiros aposentar-se sem levar em conta as dificuldades que os menos abastados terão para conseguir ser longevos?

    Já que a reforma da Previdência requer, para que dê certo, políticas de saúde, é pertinente perguntar: quando começaremos a tratar o saneamento básico como questão de saúde pública? Será que vamos aceitar de braços cruzados a dengue, a chikungunya, a zika e a febre amarela como fatos inevitáveis do ambiente tropical ou vamos tratar os investimentos na coleta e tratamento de esgoto com a devida seriedade? Será que veremos versões mais letais da dengue aparecer nas cidades brasileiras a cada verão e simplesmente colocaremos nossas esperanças em alguma vacina criada na Fundação Manguinhos ou na Fundação Bill e Melinda Gates?  Ou vamos sair por aí matando os últimos macacos da Mata Atlântica para livrarmo-nos da febre amarela? O que temos de tão imediatista em nossa cultura que nos fez aceitar os investimentos na construção de estádios para a Copa do Mundo e da Vila Olímpica no Rio de Janeiro sem que cobrássemos uma solução para o flagelo ambiental, epidemiológico e social que é a falta de saneamento básico no Brasil? Será que só lembraremos dos nossos problemas de saúde pública quando tivermos surtos de doenças relacionadas à sujeira e teremos que correr aos postes de saúde?

    Nossa primeira imperatriz reclamava dos mosquitos do Rio de Janeiro, mosquitos que até hoje causam-nos dissabores ao transmitir as doenças citadas acima. Mas os trópicos têm sol o ano todo. Quando começaremos a aproveitar de fato nosso potencial de geração de energia solar? Quando começará a fazer parte das políticas de governo incentivar a instalação de equipamentos de captação da radiação solar? Por que não há oferta de crédito a juros subsidiados a pessoas físicas que queiram transformar sua residência em geradora de energia? Não seria uma questão de segurança nacional termos esse tipo de fonte energética acessível? Será que há interesses velados que impedem que possa ser dada a devida prioridade a uma matriz energética de tão óbvia utilização em um país “abençoado por Deus e bonito por natureza”? Por que os investimentos em termoelétricas poluentes são maiores do que aqueles em usinas de energia solar? Por que ainda insistimos em executar soluções importadas de fora sem levarmos em contas peculiaridades e potencialidades do nosso meio tropical? Será que podemos estar certos de que nunca mais haverá choque do petróleo como houve na década de 1970?

    Prezados leitores, já seria alvissareiro se ao menos uma parte desses temas fosse tratada em outubro. Infelizmente, pelo andar da carruagem das disputas entre as diferentes tribos que compõem este país, tudo ficará resumido a um embate entre os populistas que querem usar o Estado para fazer justiça social e os proponentes do realismo fiscal, que querem que priorizemos o corte das despesas públicas para manter a inflação sob controle e garantir nossa solvência, impedindo assim que a nota do Brasil seja rebaixada pelas agências de risco. Será que algum candidato será capaz de evitar essas armadilhas à esquerda e à direita e oferecer uma visão estratégica de aonde devemos caminhar nas próximas décadas? Ou será que só teremos candidatos cuja única estratégia será a de falar as coisas certas para agradar determinados grupos de eleitores sem tratar do que realmente importa para o Brasil como um todo? Será que só teremos apagadores de incêndio com visão de curto prazo sobre o que fazer para evitarmos catástrofes, como fuga de capitais, quebradeira dos governos estaduais, inflação ou desemprego ou teremos algum candidato que pensa no Brasil de 2050? Será que o nosso presidencialismo de coalizão, feito pela busca de uma acomodação dos interesses conflitantes, permite que o líder do Executivo tenha outra atitude que não a de contentar-se simplesmente em conseguir nomear ministros na base do toma lá dá cá? Enfim, será que teremos mais uma luta livre entre os defensores e os detratores do carnaval, os detratores e defensores da Lava-Jato, os defensores e detratores do legado de Lula? Aguardemos as respostas ou a falta delas a partir do início da campanha eleitoral.

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Questionário Amoroso do Brasil

No entanto, como o Brasil é gentil, esperto e inteligente, como ele é muito eloquente e como a dialética é seu ponto forte, atualmente ele é considerado um dos únicos lugares do mundo que tem a receita para que os homens de todas as cores se amem em vez de se odiarem. Essa reputação não faz sentido. Somente o ingênuo Stefan Zweig acreditou que o racismo misteriosamente parava nas fronteiras do Brasil

Trecho retirado do livro “Dictionnaire amoureux du Brésil” escrito pelo jornalista francês Gilles Lapouge, correspondente do jornal O Estado de São Paulo na França

[…] o Brasil é um país magnífico e ameno [posteriormente Leopoldina em carta para a família, já no Brasil, diria que o país seria o paraíso, se não fosse o calor infernal e os mosquitos], terra abençoada que tem habitantes honestos e bondosos […]

Trecho de carta de Maria Leopoldina Carolina Josefa de Habsburgo-Lorena (1797-1826), primeira imperatriz do Brasil, a sua irmã, Maria Luísa, escrita antes de vir para cá e reproduzida no livro de Paulo Rezzutti “D. Leopoldina, a história não contada”

Publicado pela editora francesa Plon, em 2011

    Prezados leitores, hoje proponho-lhes um questionário sobre os temas mais polêmicos do momento no país, a ser respondido de acordo com as convicções pessoais de cada um. Não sou adepta dos testes de múltipla escolha para a avaliação do conhecimento, porque eles normalmente ignoram as nuances típicas das ciências humanas, mas como não proponho que haja respostas certas, o meu intuito é mostrar os diferentes aspectos de cada um dos tópicos. Vejamos:

1. Na sua opinião, o julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, pelo juiz Sérgio Moro:

a. Representou um marco histórico na luta contra o toma-lá-dá-cá que prevalece há séculos entre os políticos brasileiros

b. Deveria ser anulado em recurso especial ao STJ porque o juiz Sérgio Moro violou o princípio constitucional da paridade de armas: não permitiu ao réu produzir provas do seu interesse e só permitiu que a acusação produzisse provas, a mais forte delas sendo o depoimento de Léo Pinheiro

c. Quebrou paradigmas ao usar a delação premiada como fundamento da condenação, aproximando o Direito Penal Brasileiro dos sistemas jurídicos de outros países do mundo, o que nos permite estar em sintonia com a comunidade internacional na luta global contra a corrupção

d. Um circo midiático de cartas marcadas que permitiu às elites oferecer Lula como bode expiatório para aplacar a sede de sangue do povo, farto dos desmandos da nossa classe política

2. Na sua opinião, o órgão colegiado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reunido durante todo o dia 24 de janeiro, que confirmou a sentença de Moro e ainda aumentou a pena infligida a Lula:

a. Exauriu a questão sobre a culpabilidade de Lula, respondendo detalhadamente aos questionamentos colocados pelo advogado de defesa em sua apelação, mostrando que vivemos em um Estado de Direito em que a justiça é para todos, doa quem doer

b. Caracterizou-se pela prolixidade dos seus membros desembargadores, que exageraram nos prolegômenos e não fizeram mais do que parafrasear os argumentos de Moro, sem de fato rebater as críticas feitas pela defesa a respeito da falta de isonomia do juiz de primeira instância no tratamento do réu e do peso exagerado dado ao testemunho do ex-diretor da OAS para tornar os indícios obtidos pela acusação suficientes para uma condenação criminal

c. Um exemplo de profissionalismo, pela observância estrita dos ritos processuais, pela calma com que os desembargadores expuseram as razões dos respectivos votos, pela profusão de explicações que deram para justificar a condenação de um ex-presidente da República: um viva às nossas instituições!

d. Um cartel em que todos estavam mancomunados com Moro para condenar Lula, independentemente das falhas da sentença dada em Curitiba

3. Na sua opinião, o juiz Sérgio Moro é:

a. Um herói revolucionário que estabeleceu um novo padrão de como aplicar o Direito Penal no Brasil, mais eficaz e mais célere

b. Um juiz que errou feio quando divulgou o áudio das conversas telefônicas entre Lula e Dilma, mas que está dando uma grande contribuição à luta contra a impunidade dos malfeitores no Brasil

c. Um juiz que obviamente não gosta de Lula e que já tinha sua opinião formada mesmo antes de o processo começar, opinião esta fartamente expressa no seu perfil no Facebook

d. Um deslumbrado com a celebridade que conquistou ganhando prêmios nos Estados Unidos, sendo capa de inúmeras publicações e que mais cedo ou mais tarde vai lançar-se na política como paladino da honestidade

4. Na sua opinião, Lula:

a. Sabia de tudo o que seus asseclas faziam para arrecadar dinheiro para as campanhas do PT e fingia não ver para manter a pose de estadista

b. É um líder carismático cujo perfil conciliador, se por um lado colocou a esquerda na cama com o que há de mais retrógrado na política brasileira, por outro permitiu uma distribuição de renda que na Venezuela foi feita à custa de muito sangue e muito caos

c. É um mentiroso, psicopata, manipulador, narcisista cujo projeto pessoal de poder afundou o PT e a esquerda no Brasil

d. Um sujeito objeto de ódio patológico por todos os moradores da casa grande que acham que Lula acostumou mal a senzala

5. Na sua opinião, a eleição presidencial de 2018 sem Lula, o candidato inelegível, ou o inelegível candidato:

a. Será uma fraude, porque privará o povo humilde brasileiro de votar pelo único presidenciável que zela pelos seus interesses, o que tornará a democracia no país uma farsa

b. Estará envenenada pela sombra daquele que era sem nunca ter sido, em relação ao qual todos os candidatos permitidos terão que se posicionar, em virtude da liderança de Lula nas pesquisas eleitorais

c. Transcorrerá em uma fase amadurecida do país, pós-Lula, em que o populismo será neutralizado de vez e um candidato pró-mercado e pró-disciplina fiscal será eleito

d. Será a vitória da visão futebolística da política, insuflada pelas trocas de insultos nas redes sociais, em que o grupo dos vencedores do pleito tripudiará sobre os perdedores

6. Na sua opinião, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso é:

a. Um hipócrita, em cujo governo roubou-se tanto quanto na época do PT no poder, mas que não tinha a Polícia Federal nem o Ministério Público em seu encalço porque ele nunca lhes deu condições de trabalho

b. Uma ilha de racionalidade no clima quente em que as eleições ocorrerão no Brasil, cujas orientações servirão para que nos livremos do radicalismo de esquerda, representado por Lula, e do de direita, representado por Bolsonaro

c. Um indivíduo fino, que fala bem, gente como a gente, e que portanto, pode ter fundação e pode dar apartamento a sua namorada, que tem idade para ser sua filha, sem que ninguém desconfie da origem do dinheiro

d. Um instrumento útil aos donos do poder no Brasil para inventar um candidato a presidente em 2018 suficientemente novo na política para agradar ao povo e suficientemente seguro para agradar os investidores

    Prezados leitores, Leopoldina, aos 19 anos tinha uma visão inocente do Brasil, fruto da idade tenra, da esperança de encontrar a felicidade com seu futuro esposo, Dom Pedro, e de leituras de descrições de europeus alimentadas pelos mitos sobre o Éden e sobre o Eldorado. Gilles Lapouge em 2011, quando escreveu seu dicionário com verbetes sobre o Brasil, já conhecia o país há sessenta anos e estava mais bem preparado para uma visão desapaixonada dos nosso defeitos e virtudes, o que não o impede de continuar amando a terra do pau-brasil. É isso que eu lhes peço ao marcar suas respostas no meu pequeno questionário. Mãos à obra!

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O monge e os nerds

Lutero era tão utópico quanto os pioneiros do Vale do Silício na nossa própria época. Na sua cabeça, a Reforma criaria uma nova e poderosa rede de cristãos piedosos, todos com capacidade de ler a Bíblia no vernáculo e estabelecer relações mais diretas com Deus do que as indiretas mediadas por uma hierarquia eclesiástica corrupta. A visão de São Pedro de uma “fraternidade de todos os crentes” seria finalmente colocada em prática. Mas a consequência verdadeira da Reforma não foi harmonia, mas polarização e conflito. Nem todo mundo inspirou-se pela mensagem de Lutero. Alguns tentaram ir mais além. Outros reagiram violentamente contra as reformas propostas. A Contrarreforma adotou as novas técnicas de propaganda dos protestantes e as utilizou contra os hereges.

Trecho do artigo Tecnologia x Trump do jornalista Niall Ferguson, publicado em 14 de outubro de 2017

Que os olhos de todos os trabalhadores devem mirar a integridade do trabalho é o único meio de tornar o trabalho bom em si mesmo e assim bom para a humanidade.

Trecho retirado do livro “The Mind of the Maker” da escritora e tradutora inglesa Dorothy Sayers (1893-1957)

Martinho Lutero retratado por Lucas Cranach (1472-1553)

     Meus prezados dois leitores, vocês devem ter notado meu sumiço prolongado, fruto em parte de circunstâncias alheias à minha vontade, leia-se falta de tempo, mas também de uma decisão da minha parte de permanecer calada. Meu desânimo em escrever foi parcialmente mitigado pelas lições que tirei do livro que menciono acima. Segundo Dorothy Sayers, todo ser humano deveria ver seu trabalho, independentemente de ser manual ou intelectual, como um ato de criação em que o autor expressa sua ideia em um meio material e obtém assim algo concreto, seja um livro escrito, um carro produzido ou uma joia feita. O trabalhador precisa ver o fruto do seu trabalho completo, apto a ter um efeito sobre os outros indivíduos. Com a tênue esperança de que um artigo que desenvolve uma argumentação possa ser aproveitado de alguma forma por aquele que o lê, eu resolvi voltar à labuta, mas menos excitada a respeito do maravilhoso mundo novo proporcionado pela internet.

     O jornalista Niall Ferguson em seu artigo traça um paralelo entre os ideais de Lutero (1483-1546), o pai da Reforma Protestante que acabou com a hegemonia da Igreja Católica no Ocidente, e os ideais daqueles que foram os primeiros a dedicar-se a desenvolver a internet, que acabou com a hegemonia da mídia tradicional, isto é, rádio, TV e jornais, sobre a veiculação de informações e opiniões sobre os fatos correntes. Tanto o monge agostiniano de Wittenberg quanto os engenheiros nerds da Califórnia vislumbravam a possibilidade de os seres humanos livrarem-se dos donos do poder e das explicações, que haviam se corrompido até a medula, e discutirem entre si livremente de acordo com sua consciência individual.

     Lutero sonhava com um mundo em que a popularização da Bíblia pela tradução para as línguas nacionais e sua impressão em massa levaria os cristãos a cultivar a verdadeira fé, baseada no contato direto com a letra do Evangelho. Na prática, a história mostrou que nossa semelhança genética com os gorilas fez aflorar o instinto tribal nas guerras entre católicos e protestantes que duraram mais de século. As discussões filosóficas dos intelectuais que foram a vanguarda da contestação dos dogmas católicos logo descambaram para uma disputa com base em fidelidades de classe e de país. Os huguenotes na França eram normalmente burgueses bem-sucedidos, os países que permaneceram ortodoxamente católicos, como a Espanha e Portugal, eram frequentemente aqueles em que a iniciativa individual, fomentada pelo Protestantismo, era menos desenvolvida.

     Pior, ou melhor, a depender da convicção religiosa de cada um, o Protestantismo, ao deixar por conta do indivíduo isolado gerenciar sua relação com Deus, permitiu um certo relaxamento. Longe dos olhos dos padres confessores,  o cristão pôde estabelecer seu próprio código de conduta,  de acordo com suas próprias convicções  e ao cabo dos séculos,  por que não dizer? isso levou a uma diminuição radical no número de pessoas adeptas dos preceitos religiosos. Daí à descrença total foi um passo. O Ocidente atual é decidida e irremediavelmente um mundo pós-cristão. Talvez Lutero, se visse as igrejas vazias na Europa, o secularismo da sociedade, que aboliu totalmente a religião para o seu balizamento moral, substituindo os padres por médicos, psicólogos e outros letrados, ficaria horrorizado com a caixa de Pandora que ele ajudou a abrir com sua crítica à venda de indulgências pela Igreja Católica.

     Nesse sentido, se levarmos adiante o paralelismo traçado por Niall Ferguson entre a Reforma e a internet, não há como deixar de inquirir a respeito de quais serão as consequências de longo prazo de as pessoas não mais se informarem lendo artigos em respeitáveis jornais ou revistas, mas compartilhando vídeos, memes e twitters pelo smartphone. Atualmente, fica claro que o acesso de todos a uma plataforma digital onde podem trocar figurinhas não aprimorou o debate de ideias. Ao contrário, a possibilidade e a necessidade de trocas instantâneas fez com que perdêssemos a capacidade de medir as palavras. Trocamos insultos o tempo todo,  fazemos ataques pessoais àqueles com os quais não concordamos, tratamos de assuntos da mais alta relevância na sociedade fazendo piada. A internet transformou-se em um ringue de MMA em cada grupo de internautas fecha-se em si mesmo, pronto para a luta contra os outros, imune a argumentos contrários, para deleitar-se com a própria certeza de ter as ideias corretas.

     É neste ponto que cabe a pergunta: se não há possibilidade de os diferentes grupos debaterem suas ideias, como podemos  exercer a democracia sem que ela se transforme em uma eterna sucessão de vencedores e perdedores do jogo eleitoral? Se não somos capazes de esclarecer nossos termos de referência, constatarmos nossas diferenças e buscar pontos em comum, como construiremos consensos a respeito da gestão dos destinos da sociedade? Será que a internet veio para tornar a prática da democracia um exercício ainda mais delicado do que já é em um país como o Brasil, considerando nossas desigualdades históricas?

     Ao tempo em que Dorothy Sayers escreveu seu livro sobre qual deveria ser a natureza do trabalho humano, em 1941, ela mostrava-se preocupada com a crescente incapacidade das pessoas de distinguir o que era propaganda do que era uma declaração de fato. A solução para a autora era uma volta à educação tal como ministrada na Idade Média: o ensino da gramática, isto é, da arte de escrever e falar corretamente, da dialética, isto é, da arte de elaborar argumentos lógicos e colocá-los à prova pelo debate, e da retórica, isto é, da arte de escrever e falar elegante e persuasivamente. A instantaneidade e a acessibilidade da era digital leva-nos a falar qualquer coisa, o tempo todo, sem nos importarmos em fundamentar nada, no afã de darmos nossa opinião na plataforma acessível a todos que é a internet. O resultado é o diálogo dos surdos e o monólogo das tribos que escutam o eco da própria voz propagada nas fotos, nas montagens, nas charges.

     Prezados leitores, em 1517 Lutero publicou suas 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg e em 1648 os países europeus assinaram  a Paz de Westfália, que marcou o fim das disputas entre católicos e protestantes pela aceitação do princípio da soberania dos Estados Nacionais para escolherem sua própria religião. Oxalá que o faroeste que atualmente é a internet transforme-se em um local mais pacífico, mas não às custas da democracia.

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As Valquírias

A coragem física dela parecia não conhecer limites. Em 1942, ela sofreu um acidente no protótipo de avião a jato que ela estava testando; mas a despeito de ter fraturado a coluna em vários lugares, e ter tido seu nariz arrancado do rosto, ela voltou a voar depois de um ano. Foi a primeira mulher alemã a tornar-se Capitã da Aeronáutica, a primeira a receber a Cruz de Ferro, primeira classe. ‘Ela era a única e insubstituível Hanna Reitsch’, afirmou um dos seus colegas homens, ‘um símbolo da mulher alemã e ídolo da aviação alemã’.

Trecho de uma crítica do livro: As Mulheres que Voaram para Hitler: A Verdadeira História das Valquírias de Hitler, escrito por Claire Mulley

As mulheres no geral estão mais “abertas aos sentimentos e à estética em vez de ideias,” “têm um interesse maior nas pessoas do que nas coisas, em relação aos homens,” de maneira que elas acabam trabalhando atendendo o público e não elaborando códigos de computador, o autor do memorando argumenta. As mulheres também demonstram “uma extroversão que se expressa como inclinação para a sociabilidade ao invés da assertividade,” portanto, são mais “agradáveis,” e consequentemente, as “mulheres normalmente têm mais dificuldade para negociar salários, pedir aumento, expressar sua opinião de maneira pública e enfática e para liderar,” de acordo com o memorando.

Trecho de um artigo intitulado “A diferença de gêneros é natural, afirma um funcionário da Google em um memorando de 10 páginas que viralizou internamente”

    Prezados leitores, devo confessar-lhes que nunca havia ouvido falar de Hanna Reistch (1912-1979), cujas façanhas são parcialmente descritas no parágrafo introdutório deste meu humilde artigo. Ela até esteve no Rio de Janeiro, voando em um planador em 1934. Também não sabia quem era Melitta Schiller (1903-1945), engenheira aeronáutica e pilota de testes, cujas pesquisas permitiram o aprimoramento da tecnologia empregada para voos noturnos. Judia por parte de pai nascida na Polônia, Melitta participou da conspiração para assassinar Hitler em 1944 e foi a segunda mulher a ser agraciada com a Cruz de Ferro, primeira classe, condecoração militar instituída no Reino da Prússia em 1813. Mulheres excepcionais, que se sobressaíram em áreas dominadas por homens, e o detalhe mais importante é que foram os homens que as reconheceram num momento da história da Alemanha em que os nazistas enfatizavam o papel das mulheres como procriadoras sob o famoso slogan Kinder, Kuche, Kirche (filhos, cozinha, igreja), condecorando com a Cruz de Honra da Mulher Alemã as mulheres que tinham mais de quatro filhos.

    Portanto, se Hanna e Melitta foram portadoras da Cruz de Ferro em seu peito, o mérito é indiscutível, elas devem ser aplaudidas de pé, independentemente de terem servido o regime nazista, porque na minha modesta opinião é uma leviandade julgarmos moralmente o comportamento e as atitudes que as pessoas tiveram no passado, submetidas a determinadas circunstâncias que nós no presente não temos como reproduzir para verificar se era possível ou não agir de outra forma. Por outro lado, nada mais natural e necessário do que fazer julgamentos morais no presente, porque precisamos fazer opções ao longo da vida que envolvem a escolha de certos valores que determinam as decisões sobre com quem casar, onde e em que trabalhar, em quem votar. Infelizmente, no mundo ocidental desenvolvido, e aqui refiro-me aos países da Europa e da América do Norte, em que supostamente o direito à livre manifestação das opiniões está consolidado, há certos valores que simplesmente não podem ser professados, pois são considerados heréticos. Violam a religião dominante que é aquela que professa a igualdade de gêneros, isto é, a ideia de que homens e mulheres têm direito às mesmas oportunidades de desenvolvimento profissional e à mesma remuneração. Essa ideia vai além e postula que não há muitas mulheres engenheiras, matemáticas, aviadoras simplesmente porque sofrem discriminação dos homens, que não querem largar sua posição de privilégio.

    Assim, em prol da realização prática da igualdade de gêneros é preciso estabelecer cotas para as mulheres, de forma que os homens sejam obrigados a “engolir” as mulheres nos laboratórios de pesquisa, nas empresas de tecnologia, no exército, enfim em qualquer área em que há a predominância do sexo masculino, pois tal predominância é artificial e fruto simplesmente do preconceito e machismo. Quem quer que postule que certas diferenças entre homens e mulheres são inatas é considerado um troglodita, um ser desprezível, indigno de habitar a civilização avançada do Ocidente que caminha a passos céleres rumo ao mundo ideal em que machos e fêmeas realizarão as mesmas atividades e serão recompensados da mesma forma por isso.

    A mais recente manifestação de intolerância ocorreu nos Estados Unidos, onde um engenheiro da Google, James Damore, doutor em Harvard, escreveu um memorando intitulado “A Câmara Acústica Ideológica da Google” em que expressava a opinião de que a discriminação positiva para conseguir a igualdade de representação de homens e mulheres no trabalho é injusta, polêmica e ruim para os negócios. Quando se descobriu a identidade do autor, a Vice-Presidente de Diversidade, Integridade e Governança, Danielle Brown, exigiu do CEO da Google, Sundar Pichai, que demitisse James, o que o indiano fez sob a justificativa de que o agora ex-funcionário “promoveu perigosos estereótipos sobre gênero no ambiente de trabalho”. Para quem não sabe, de acordo com a religião da igualdade de gênero, um discurso como o de Damore, que usa expressões como “no geral”, “normalmente”, e portanto, refere-se à média das mulheres, e não a cada uma das mulheres individualmente existentes no planeta Terra, é um pecado porque veicula uma ideia pré-concebida do sexo feminino. Não importa que a realidade corrobore as assertivas do engenheiro, o que importa é que é preciso promover a igualdade simplesmente suprimindo os fatos em campo do universo mental das pessoas. Para os adeptos dessa religião, essa sanitização mental permitirá que um dia haja tantas mulheres aficionadas por programação de computadores e matemática, quanto há homens.

    Prezados leitores, fiz questão de associar a religião da igualdade de gêneros aos países desenvolvidos porque fica mais fácil demonstrar o disparate das suas premissas em países em que as pessoas têm acesso à educação de maneira muito mais fácil. Afinal, se Lawrence Summers, o ex-reitor de Harvard, pôde constatar, e foi crucificado por isso com a perda do cargo, que não há muitas mulheres cientistas ou engenheiras no país mais rico do mundo, isso significa, como ele próprio concluiu, que às mulheres falta aptidão para essas áreas, não sendo um problema de discriminação. Essa religião já chegou ao Brasil e já tem muitos adeptos, mas não seria justo tirar as mesmas conclusões que Summers tirou, com base em sua experiência acadêmica estadunidense, em um país como o nosso, em que somente 8% dos brasileiros têm diploma de ensino superior, de acordo com o IBGE. O Brasil é um país em que o ser humano, masculino e feminino, vale pouco, tão pouco que ele é o primeiro a ser sacrificado quando a coisa aperta, como demonstra a reforma trabalhista que acaba de ser aprovada. Não há como argumentar que nós mulheres brasileiras temos a oportunidade de provar nosso valor nas áreas dominadas pelos homens e falhamos.

    Em suma, para mim é bom saber que as valquírias de Hitler existiram, foram mulheres de carne e osso, e detalhe, não eram feministas, talvez porque elas mesmas soubessem que fugiam do padrão.  Por outro lado, sei perfeitamente que eu correspondo à média das mulheres, e por isso escolhi uma profissão ligada à língua e não aos números. Uma pena que nos dias de hoje falar de tendências gerais seja visto como instrumento de opressão feminina.

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