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Wikileaks

Posted by on 26/11/2012

        Eu costumava assistir ao Manhattan Connection na época em que o Paulo Francis estrelava o programa. Era divertido vê-lo se digladiar com o Caio Blinder, vê-lo vociferar contra a esquerda, o que não me impedia de lamentar que o discurso liberalizante dele tenha sido muitas vezes usado pelos órgãos para os quais trabalhava, como a Globo, para justificar o mais acabado reacionarismo.

        De qualquer forma havia debate. Atualmente, a equipe é composta de Ricardo Amorim, Caio Blinder e Diogo Mainardi. Continua a ser um programa analítico, mas a polêmica já não é seu forte, pois todos rezam pela mesma cartilha subliminarmente transmitida, em voga em toda a imprensa: a veiculação da ideia de que o domínio econômico, político e social de uma elite financeira que faz tudo se organizar em torno de seus interesses é natural, é algo inevitável, e a única coisa a fazer é nos adaptar. Adaptar significa, por exemplo, deixar de agir como crianças mimadas e se acostumar com uma vida frugal representada por mais anos de trabalho, menos benéficios previdenciários. O Ricardo Amorim falava outro dia: os países ricos mais cedo ou mais tarde vão ter que cair na real, a vida boa acabou! Quanto ao Diogo Mainardi nem é preciso falar muita coisa, afinal ele é o porta voz da visão equilibrada da Veja a respeito de segurança pública, política econômica, etc…

        Seria possível achar que tal ponto de vista distorcido é um problema da nossa imprensa, daquilo que o trágico Lima Barreto identificava como o mal do Brasil. “Todos se guiam por ideias feitas, receitas de julgamentos, e nunca se aventuram a examinar por si qualquer questão, preferindo resolvê-las por generalizações quase sempre recebidas de segunda ou terceira mão”. Mas o fato é que essa premissa do caráter inevitável do estado de coisas é compartilhada por órgãos de imprensa muito menos maniqueístas do que nossa querida Veja.

        Na semana passada eu estava lendo um artigo na revista inglesa The Economist sobre a crise do euro. Falavam sobre a Irlanda, que cortará drasticamente os gastos do governo, leia-se gastos sociais, para poder cumprir as metas acordadas com a Comissão Européia e o FMI, que lhe emprestaram dinheiro. Há um momento no texto em que se admite que o governo irlandês não precisava ter garantido 100% dos depósitos e títulos aos investidores, pois isso representava um ônus muito grande para o orçamento público. Mas o tom geral é de concordância com o mantra do poder financeiro: não importa que os bancos tenham ganhado muito nos tempos da bonança, eles nunca podem deixar de ganhar porque se tiverem perdas deixarão de investir, por isso é preciso que outro pague a conta, o povo palhaço, que sofrerá com o desemprego, com a piora dos serviços públicos. O autor do artigo considera que o fato de Angela Merkel ter proposto que no futuro os detentores de títulos compartilhem as perdas com o Estado no caso de insolvência foi criticado pois uma ameaça vaga como essa deixa os investidores nervosos.

        Essa unanimidade que se construiu ao longo do tempo é um sintoma da falta de desafios ao capitalismo. Quando havia o bloco soviético era necessário contrabalançar a predominância do capital sobre o trabalho pela concessão de direitos sociais, pois do contrário as idéias socialistas poderiam frutificar e colocar o sistema abaixo. Hoje não há nenhum poder constituído que seja capaz de fazer frente ao capitalismo. Os únicos poderes emergentes são Índia e China que juntas têm um contingente colossal de mão de obra que ainda não entrou no mercado de trabalho e que está louco para se juntar à economia de mercado. Vê-se a falta de alternativas quando governos ditos socialistas como o de José Luis Zapatero, na Espanha, não fazem nada de diferente em termos de política pública do que um governo de direita: mesmo arrocho social, mesmos benefícios injustos dados a especuladores.

        Por isso vejo o barulho que o Wikileaks e seu líder o australiano Julian Assange com alegria. As revelações sobre as relações diplomáticas dos EUA com o resto do mundo têm sido reveladas em jornais respeitados como o Le Monde, que mesmo publicando-as faz censura prévia, limitando-se o mais das vezes a divulgar fofocas como a preocupação de Hillary Clinton com os problemas intestinais de Nestor Kischner que o levavam a ser irritadiço ou a influência da popularidade de Carla Bruni no Brasil sobre as relações amistosas entre Sarkozy e o Lula. Mas há também coisas mais sérias, como o desejo dos EUA que abrigássemos presos de Guantánamo, a negociação em curso sobre a compra de aviões Rafale da França em troca de transferência de tecnologia. Para não falar da podridão correndo solta no Afeganistão e no Iraque.

        Muitas acusações estão sendo feitas a Julian Assuange, mas ninguém o acusou de ser mentiroso. Para os donos do poder que querem continuar fazendo tudo que lhes beneficia na surdina, para os pagadores do pato não perceberem e continuarem sendo patos, suas revelações prejudicam o trabalho da diplomacia, afetando a segurança dos Estados, para os cínicos ele quer aparecer às custas dos verdadeiros heróis que se arriscam lhe passando informações. O interessante é que a reação imediata e robusta mostra que verdades estão sendo ditas. O site do Wikileaks foi tirado do Amazon, por pressão dos EUA, a primeira-ministra da Austrália, Julia Gillard mandou-lhe avisar que ele é persona non grata no país, e uma acusação na Suécia de estupro que havia sido retirada foi novamente feita coincidentemente neste momento e o Sr. Julian tem mandado de prisão decretado pelo governo sueco. Ele aparentemente está em algum lugar na Inglaterra e só não foi preso porque o mandado tinha um erro técnico. Seu crime foi ao estar transando com uma mulher e ela notar que ele não tinha camisinha não ter parado quando ela o pediu. Quem garante que essa mulher não está a soldo do Mossad ou da CIA?

        Pode até ser que as revelações do Wikileaks atrapalhem o modus operandi diplomático. Bem, terão que conjecturar novos meios de trabalhar. Um valor maior está aqui em jogo, nosso direito a ter uma visão alternativa das coisas, mais herética, menos ligada a uma premissa de que invadir países que não agrediram ninguém, de que dar bilhões de dólares do dinheiro do povo a banqueiros que usam o dinheiro para se darem fartos bônus é natural e inevitável. Assuange promete agora divulgar documentos sobre corporações financeiras e se algo acontecer com ele em suas próprias palavras “Os arquivos foram espalhados juntamente com material significativo dos Estados Unidos e outros países para mais de 100.000 pessoas em forma de código.” Se atualmente não temos força para nos contrapor ao capitalismo financeiro feito de bombs and bail-outs” ao menos podemos ver a verdade atrás da máscara. É de esperar que a História agradeça ao Wikileaks pelas contribuições.

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