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Merito, com o perdão da má palavra

Posted by on 29/11/2012

           Estamos às voltas no Brasil de 2012 com o problema do magro crescimento econômico. Há os culpados de sempre. O custo Brasil, a crise econômicas mundial, a diminuição da demanda chinesa por commodities, a valorização do real. Dona Dilma está tomando várias medidas para contornar a situação: diminuição do preço da energia elétrica, redução do IPI para certos produtos, proposta de alíquota única do ICMS, queda das taxas de juros. São esforços louváveis, paliativos é certo, mas é o que é possível ser feito em um país em que simplesmente não é possível fazer nenhuma grande reforma tributária, política, previdenciária, nada.

             Independentemente da absoluta falta de consenso sobre o conteúdo de tais mudanças, o fato é que há uma reforma ainda mais difícil e ainda mais profunda que é a mudança de mentalidade. É um clichê dizer que nossa cultura precisava mudar, mas não é menos válido porque vemos isso todos os dias: como nosso modo de ver as coisas determina nossa maior ou menor adesão a leis que pretendam modernizar o país. Quero compartilhar com vocês um aspecto da minha vivência estudantil, como aliás faço frequentemente no Montblatt que me mortifica: o solerte desprezo que nós brasileiros temos inconscientemente à ideia de mérito. Nossas relações de compadrio, de amizade, falam mais alto sempre, o que faz com que qualquer reforma que se proponha da educação (maiores salários aos professores, mais cotas, mais ProUni, mais dinheiro, mais merenda ou o que for)não terá nenhum efeito prático de melhoria da qualidade dos alunos.

          Nesta semana participei de um juri simulado na minha faculdade, organizado pelo meu professor de Processo Penal, que é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo (salário ao redor de 40.000 reais). O jugamento era o do caso real de um homem acusado de matar a facadaso marido da sua amante. A participação era facultativa, mas valia três pontos na média. Havia vários papéis: jurados, juiz, oficial de justiça, policial, promotor, advogado de defesa, organizador, réu, testemunha. Os mais espertos alunos entre aqueles que se dignaram a ir à aula em que seria feita a escolha, escolheram os papeis fáceis em que não era preciso prática nem habilidade. As pedreiras eram os cargos de promotor e advogado de defesa. Ninguém se prontificou. No final, eu e meu amigo nos oferecemos para sermos os advogados de Antonio Carlos Batista dos Santos, natural de Itambé, Bahia.

         Lemos 400 páginas de processo, preparamos a defesa e na quarta-feira estávamos lá a postos. Os espertos simplesmente de espectadores, quer como jurados, policiais, testemunhas (que só precisavam ler o depoimento dados pelas pessoas reais nos autos). Eu e o meu colega nos esfalfamos, rebatíamos os argumentos da promotoria, procurávamos detalhes nos autos. No momento dos debates orais fui eu a falar, e modéstia à parte falei muito bem, eu havia estudado bastante: a plateia prestou atenção em mim e no final privadamente o professor me elogiou. Eu perdi a causa, meu cliente, foi condenado, mas era um caso difícil, porque ele havia confessado na delegacia e quando interrogado durante o processo caiu em contradições. Além do mais, os jurados estavam contra nós, a promotora era mais conhecida das pessoas, apesar de não falar tão bem quanto eu, tem perfil no facebook e é estagiária do professor.

         Enfatizei a palavra privadamente porque quando a “sentença” foi proferida o professor agradeceu todos que tinham comparecido, mas o fez de maneira geral, como se todos tivessem contribuído da mesma forma, o que não era verdade. Acho que como educador ele deveria ter elogiado o esforço da acusação e da defesa que tinham ficado com o grosso do trabalho intelectual e físico. Mas não, como somos todos amigos, como somos apegados ao consenso, é melhor que todo mundo saia bem na fita. Fazer distinções entre o melhor e o pior é algo que não cabe porque gera discórdia e nós brasileiros temos horror à discórdia, não é mesmo? O importante é varrer as diferenças para debaixo do tapete e fingir que tudo é legal.

             Assim é o tempo todo, em nome do que os alunos dizem ser solidariedade franciscana. É preciso colar e principalmente dar cola, para os colegas que “não conseguiram estudar”. É preciso dar trabalhos feitos a aluno retardatário para ele entregar ao professor (hoje uma menina mandou um e-mail desesperado de ajuda com esse objetivo). O aluno estudioso tem a obrigação moral de ajudar todo mundo a se virar para conseguir o seu diploma, direito de todos consagrado na Lei Maior, como dizem os meus futuros colegas de profissão. Para os professores essa solidariedade também é muito conveniente, porque lhes permite ir levando na banguela. Isso significa por exemplo que sabendo ou pressupondo que pelo menos uns 30% dos alunos comprarão ou reciclarão o trabalho de conclusão de curso, nem se dão ao trabalho de orientar os franciscanos otários que se esforçam para escrevê-lo por eles mesmos.

            Isso tudo para dizer, meus caros leitores, que mérito é uma palavra que ainda não aderiu ao nosso DNA cultural, por razões que o grande Sérgio Buarque explicou em Raízes do Brasil. E na minha opinião, a solução de todo os nossos males passa por considerarmos o mérito um bem em si, algo a ser protegido e incentivado. A corrupção, o apagão da mão de obra, a baixa produtividade do nosso trabalhador, a falta de investimento, a falta de crescimento, o custo Brasil, tudo tem alguma relação direta ou indireta com a falta de cultivo do mérito em terras tropicais. Eu teria ficado muito feliz se o meu professor tivesse feito menção especial àqueles que queimaram neurônios, tivesse nos avaliado e reconhecido nossos pontos fortes e pontos fracos.

           Mas não me iludo, porque sei que aqui o mais importante para os que estudam em universidade pública não é mostrar desempenho, mas signos de status, de pertencer ao seleto grupo dos que vão herdar os privilégios de bons empregos. O maisimportante em suma é ser bom não porque almejou e conquistou o máximo, mas porque fez o mínimo necessário para se distanciar da ralé, dos que não pertencem, dos que não herdam as capitanias hereditárias. Com o perdão da má palavra: mérito, oh mérito, algum dia você desembarcará na Terra de Santa Cruz?

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