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Justiça com as próprias mãos

Posted by on 22/09/2013

Não existe entre os gregos uma classe de juristas e não existe um treinamento jurídico, escolas de juristas, ensino do direito como técnica especial. (…) Em Atenas, no período clássico, não havendo carreira burocrática e não existindo juristas profissionais, a argumentação dita forense voltava-se para leigos, como num tribunal do júri.

Retirado do livro “O Direito na História”, de José Reinaldo de Lima Lopes

                Prezados leitores, como não deixar de falar da decisão de quarta-feira proferida pelo Supremo Tribunal Federal? Celso de Mello deu o voto de desempate da contenda sobre se os mensaleiros teriam ou não direito aos embargos infringentes e estabeleceu que eles tinham e que, portanto, o julgamento ainda não é definitivo. Alguns dirão que o decano do STF foi comprado pelos mensaleiros, mas a questão não é tão simples assim, porque sua escolha tem fundamentação legal, posso até lhes dar o número da lei e do artigo: lei 8.038 sobre os Processos perante o STJ e o STF, de 28 de maio de 1990. O artigo 12 do capítulo I, que trata da Ação Penal Originária, em bom português a ação penal interposta em primeiro lugar no STJ ou no STF, diz o seguinte: Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno (…). Como a essa altura todos os brasileiros que vêm acompanhando a saga já sabem, o regimento do STF prevê embargos infringentes, portanto, nada mais lógico do que permitir tal recurso na ação penal 470.

                Acresça-se a esse embasamento interno o embasamento no Direito Internacional, na Convenção Americana de Direitos Humanos, que estabelece o direito dos réus de recorrerem de uma decisão desfavorável, o tal do grupo grau de jurisdição, e a decisão do cidadão mais famoso de Tatuí torna-se impoluta: José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha são todos seres humanos e Celso de Mello é um membro do STF imparcial que não cede a pressões e decide de acordo com a melhor técnica jurídica. Sob essa perspectiva, deveríamos nos vangloriar de termos em nossa mais alta corte pessoas que seguem a linha reta da lei e não se curvam à sanha popular por uma justiça célere, feita ao arrepio (advogados adoram esta palavrinha, arrepio) das garantias fundamentais do cidadão. E no entanto, estamos todos aqui reclamando da pizza, da marmelada, quando deveríamos parabenizar nossos juízes pelo seu profundo conhecimento dos princípios do direito penal, recursal e internacional!

                Por outro lado, diante do gosto amargo na boca que a protelação do veredito sobre o mensalão deixa em nós, brasileiros indignados com as pilantragens, coloca-se uma indagação: será que a profissionalização de certas instituições é necessariamente boa? Será que as instituições profissionalizadas não acabam desenvolvendo um esprit de corps que as leva a olharem muito para si mesmas, seus próprios critérios “objetivos”, e a esquecer o entorno? Porque se é verdade que pode ter havido erro na investigação sobre a formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e outros crimes examinados na ação penal 470, e que portanto os réus têm direito a uma condenação que não deixe margem à dúvida, também é verdade que elegemos esses indivíduos como bodes expiatórios. Sim,como não? Condená-los, mesmo que fossem menos culpados do que outros milhares de pilantras que já passaram pela Administração Pública e que roubaram muito mais e por muito mais tempo, lavaria nossa alma. E há determinados momentos históricos em que o povo precisa desse descarrego para inaugurar uma nova era.

                A história está cheia de exemplos de pessoas que foram pegas para Cristo, de maneira até certo ponto injusta. Vou falar de apenas um desses infelizes mártires, Luís XVI, rei da França no momento da Revolução que lhe custou a cabeça. Um homem bom, que se recusou a utilizar todos os meios possíveis para reprimir o movimento popular quando ele estava em seus primórdios e ainda podia ser debelado, justamente porque ele não queria ter as mãos sujas do sangue do povo. O resultado foi a ingratidão dos seus súditos que lhe cortaram a cabeça. Luís XVI acabou pagando pelos excesso de todos os seus antecessores, apesar de individualmente talvez ter sido um dos governantes mais éticos da França. Uma grande injustiça sem dúvida, mas necessária num momento em que os franceses precisavam virar a página da história: se Luís XVI tivesse sido julgado por um corpo de profissionais certamente teria tido acesso ao devido processo legal e talvez tivesse se livrado da guilhotina. Por outro lado, a falta de um evento dessa magnitude não teria canalizado as forças do país para as mudanças profundas que eram necessárias.

               Bem fazem os suíços, que não deixam certas coisas a cargo dos profissionais, mas chamam a responsabilidade para si. Neste domingo, dia 22 de setembro, houve um referendo sobre a continuidade do serviço militar obrigatório, proposto pelo Grupo por uma Suíça sem Exército, formado por socialistas, verdes e feministas. O resultado, de acordo com as estimativas de boca de urna, foi um enfático não ao fim do serviço militar obrigatório (73%). Os helvéticos parecem achar que um exército formado pelos cidadãos, e não por profissionais, está mais bem capacitado para defender o país dos seus inimigos sejam internos ou externos. Alguns poderão achar um absurdo, mas pensem em quantas guerras inúteis, custosas e deletérias os Estados Unidos se envolveram desde que profissionalizaram o Exército após o fiasco no Vietnã. O exército americano é hoje formado não pelos cidadãos como um todo, mas por um grupo de soldados que zelam primordialmente pela sua carreira, pelos seus interesses corporativos, que na maior parte das vezes não coincidem com os interesses do país que lhes paga o soldo.

                Pois é, nós brasileiros, perdemos a oportunidade de termos nosso pequeno momento de vingança. Fomos vencidos, ou melhor, nos deixamos vencer pelos argumentos técnicos dos profissionais da lei. A lição que fica é que se quisermos que o Brasil realmente melhore teremos que chamarmos a responsibilidade para nós mesmos, e não confiarmos, cômoda ou covardemente, nos homens imparciais que em última análise, como toda burocracia, olham primordialmente para o próprio umbigo. Qual a solução: guilhotina, justiça da ágora grega, referendos contínuos à la Suíça? Torço para que um dia consigamos encontrar uma solução tropical.

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