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O ópio do povo

Posted by on 13/10/2013

Em junho de 2013, 5% dos empréstimos ao consumidor no Brasil estavam atrasados por mais de 90 dias, o dobro da taxa na Índia, e mais do que no México, África do Sul e Rússia, de acordo com a Fitch Ratings

Tirado de um artigo no site de noticias www.zeroedge.com sobre a bolha de consumo no Brasil

 

                Tenho uma amiga de 45 anos que está em plena crise existencial. Separou-se de fato do marido no ano passado, entre outras razões pelo fato de que ele não a ajudava nas despesas da casa. Ela quer mudar de carreira, deixar de trabalhar de maneira autônoma e conseguir um emprego com carteira assinada, para ter mais estabilidade, mas depois de alguns mesesainda não encontrou nada. Isso a enche de angústia porque ela tem uma filha de 14 anos para sustentar e o ex,depois de outras carreiras infrutíferas, agora é corretor de imóveis de uma grande empresa em São Paulo. Isso não significa um emprego no sentido clássico do termo, porque o corretor é obrigado a estar sempre de terno, na estica, e em troca ganha uma cadeira e uma mesa em um estande de vendas, o direito de disparar eletronicamente aos incautos, entre eles essa que vos fala, anúncios de apartamentos comercializados pela corretora, e principalmente a obrigação de assinar um termo em que afirma não ter vínculo empregatício com a dita cuja. Minha amiga vive na esperança das comissões que ele recebe de tempos em tempos para ter alguma ajuda nas despesas com a filha. No entrementes vai à terapeuta e desabafa com as amigas, entre elas eu, que empresto meus pacientes ouvidos gratuitamente.

                Pois bem. Qual foi minha surpresa quando recebi um e-mail dela neste domingo contando-me que vai para Nova York no dia 22! Digo surpresa porque para uma mulher que está com a corda no pescoço e que acaba de pagar o carro adquirido por alienação fiduciária viajar para Nova York à base do cartão de crédito é um passo ousado, para usar um eufemismo. Considerando que ela vai gastar muito na meca do consumo (os brasileiros são os turistas que mais gastam na Big Apple), afinal não há como resistir a preços tão mais baratos do que o que pagamos aqui, fazer uma viagem ao exterior na situação dela é enfiar o pé na jaca. No e-mail ela me disse que “surtou” e que quando pensa no que vai gastar “passa até mal”. Mas talvez seja a sina denós brasileiros, gastarmos.

                Isso é um clichê batido, masnão deixa de ser verdade. O consumo é um poderoso “afogador” de mágoas. Uma poderosa cena que captura a imaginação das mulheres é a fúria de consumo de Julia Roberts no filme “Uma Linda Mulher”, em que a musa ganha um cartão de crédito do bonitão Richard Gere ese dá um banho de loja: de prostituta de rua transforma-se em Julia Roberts, melhor seria dizer, sem exagero, que ela renasce. Uma das grandes manifestações do novo status  das mulheres na era pós-feminista, em que somos donas do nosso próprio nariz, é nosso poder de consumir, de gastarmos quanto queremos, pelo simples prazer de nos “darmos um presente”. Consumir é como que um passaporte para uma existência plena: se você está deprimida, carente ou perdida, vá ao cabeleireiro, compre roupas, fique bonita e você vai levantar sua auto-estima, sentir-se poderosa, dona do seu destino.

                O sexo também age como um poderoso “consolador” em nossa sociedade em que o fracasso, a perda são pouco tolerados. Fazer sexo é também um indicativo de que você está vivendo e quem fica muito tempo sem sexo é considerado um fracassado, alguém que está perdendo tempo de vida. Daí este fenômeno contemporâneo das “pegadas”, dos “rolos”, que permitem que você marque pontos e seja considerado alguém que vive plenamente. Um beijo, um amasso já é suficiente, não precisa necessariamente haver sexo, basta que vivenciemos alguma experiência.

              Lula, que como todo líder carismático, tem um conhecimento instintivo da psiquê humana e se utiliza dele a seu favor, percebeu muito bem como conquistar o voto dos brasileiros explorando nossa necessidade de consumir como meio de definirmos nossa identidade. O Bolsa Família, os aumentos reais no salário mínimo, o Programa Minha Casa Minha Vida, os empréstimos dados pelos bancos públicos para a aquisição de carros (entre 2004 e 2010 eles triplicaram, e hoje chegam a 70 bilhões de dólares por ano) tudo isso permitiu aos brasileiros consumirem. Isso nos dá uma sensação de conforto existencial muito grande, um otimismo: enquanto estivermos consumindo, comprando aquilo que nos permite participar da sociedade enos sentir incluídos, nenhuma notícia econômica ruim vai nos abalar. Podemos ouvir falar da crise nos países desenvolvidos, podemos saber mais ou menos que a fatura da Copa e das Olimpíadas será alta, mas enquanto estivermos consumindo sentiremo-nos razoavelmente tranquilos, como minha amiga que vai deixar seus problemas de lado por uma semana e se esbaldar em Nova York.

              Daí a dificuldade de a oposição no Brasil, isto é, aquelespartidos que não têm cargos no governo, articularem alguma ideia coerente sobre o que anda mal em nosso país. Eduardo Campos, o neto de Miguel Arraes que será candidato a presidente ou a vice-presidente, caso ele ceda o lugar a Marina, fala em “melhorar a qualidade de vida, o transporte, a saúde, a educação”. Claro, é o mais óbvio caminho para pegar carona nos protestos ocorridos em junho. Mas será que essas preocupações realmente calam fundo na alma dos brasileiros para fazerem-nos mexer no time que está ganhando? Os problemas que o país enfrenta – a falta de infraestrutura, a falta de perspectivas de crescimento sustentável, as deficiências nos serviços públicos – serão suficientes para nos demover da ideia de que está tudo bem?Porque afinal, apesar de algumas nuvens carregadas aqui e ali, a inflação querendo ameaçar de novo,a perspectiva de um calote monumental no Minha Casa Minha Vida, os brasileiros que decidem as eleições, aqueles que adquiriram o direito de consumir e portanto de existir, continuam comprando a TV de LCD, o carro popular em prestações a perder de vista, o material de construção para ampliar a casa. O que há de errado no Brasil sob o ponto de vista dessas pessoas? Nada, o céu é de brigadeiro.

                Prezados leitores, posso estar redondamente enganada e dou-lhes o direito de cobrar-me sobre minha previsão, mas Marina Silva, Eduardo Campos, Aécio Neves não tocarão a alma dos brasileiros, porque Lula e sua fórmula mágica de garantir o consumo da classe C já tocou. E tocou de uma maneira que os deixa anestesiados, curtindo seu nirvana. Enquanto for possível manter essas pessoas na “nóia”, seja confiscando o FGTS, seja pela inflação, seja pelo aumento de impostos, não há nada que a oposição possa fazer para tirar o time que está ganhando de campo.

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