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Priscas eras

Posted by on 22/12/2013

Under WASP hegemony, corruption, scandal and incompetence in high places weren’t, as now, regular features of public life. Under WASP rule, stability, solidity, gravity and a certain weight and aura of seriousness suffused public life. As a ruling class, today’s new meritocracy has failed to provide the positive qualities that older generations of WASPs provided.

Retirado de um ensaio de Joseph Epstein (1937-), escritor americano, publicado no Wall Street Journal em 21 de dezembro

            Prezados leitores, mais de uma vez já defini-me neste espaço como uma reacionária, isto é, alguém que acha que o passado era melhor. Não pretendo convencer ninguém dessa verdade, mesmo porque ela é inverificável: o passado nos chega por meio de relatos e para que eu pudesse estabelecer de uma vez por todas o que é melhor, o que já foi ou o que está sendo, eu teria que ter uma máquina do tempo e viver em outras eras. Como isso não é possível, só me resta resignar-me com o fato de que minha veia reacionária é simplesmente um estado de espírito, uma postura filosófica que não pode ser nem refutada nem corroborada absolutamente. Isso não é motivo para abandoná-la, mesmo porque é ela quem me dá meu ponto de vista sobre o mundo.

            Sob esse ponto de vista, literal e metaforicamente, eu acho, e pelos motivos expostos acima eu não posso ser mais taxativa do que o uso dessa palavra mostra, que estamos passando por uma crise de valores sociais. Tudo aquilo que sustentava a civilização ocidental, noções sobre a família, sobre a ética, a moral, os bons costumes, está ruindo e o que está sobrando em seu lugar é um solipsismo, que é vendido pela mídia e por todos os formadores de opinião como um direito natural à liberdade e à livre escolha: o que é certo e o que é errado é em última análise uma escolha individual e ninguém tem direito a se imiscuir na escolha da pessoa, porque afinal a minha opção é tão válida ou tão inválida como a sua.

            Esse culto a celebridades, esse olhar para o próprio umbigo proporcionado pelo Facebook, em que as pessoas não se cansam de falar delas, das suas escolhas, das suas preferências, das suas experiências, da sua dor e da sua felicidade, é a face mais benigna do solipsismo que domina as mentes deste início do século XXI. A face mais maligna, e que afeta todos, mesmo os que não leem Caras nem ti-ti-ti, e não têm um milhão de amigos nas redes sociais, é a delinquência que vemos em todas as esferas da vida pública. Nós no Brasil sempre estivemos acostumados com comportamentos desregrados das nossas elites, fruto do nosso passado de escravismo, como bem nos ensinaram aqueles que pensaram o Brasil, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarquede Hollanda, Machado de Assis. Mas tínhamos como modelo as democracias ocidentais e os brasileiros bem-pensantes esperavam que um dia conseguíssemos chegar ao nível de desenvolvimento de países centrais da América do Norte e da Europa. Não creio que hoje em dia possamos tomar como exemplo ético o que ocorre ao Norte do Equador.

            Para fundamentar minha opinião, eu cito como abertura do meu artigo o trecho de “The Late, Great American WASP”, em que o jornalista lamenta o fato de os Estados Unidos não serem mais dirigidos pelos anglo-saxões, gente como os Rockfeller, cujos ideais eram imitados por novos-ricos como os Kennedy, imigrantes irlandeses que nuncas chegaram a ser WASPS porque um verdadeiro membro da elite não realizaria contrabando de bebidas como Joseph Kennedy fez, não teria amigos na máfia e não correria atrás de mulheres da maneira acintosa e patológica como o ex-presidente John Kennedy corria. Epstein considera que as novas elites que dominam o país são inferiores às de antanho porque mesmo havendo a meritocracia, isto é, mesmo que os membros dessa nova classe dominante tenham frequentado as melhores escolas, Harvard, Yale, Princeton, a educação que recebem só serve seus próprios interesses egoístas de sucesso e não tem nenhum fundamento moral em noções de bem comum, sacrifício pessoal. Ao contrário, os que ocupam cargos públicos hoje amanhã estão trabalhando como lobistas de grupos de interesse. O ensaísta americano é tão saudosista que chega a dizer que os banqueiros WASPS não teriam feito esta lambança com hedge funds e títulos hipotecários podres que deu na crise de 2008, da qual o mundo ainda não se recuperou, afinal eles não eram “porcos gananciosos” como são os banqueiros modernos e tudo o que faziam pautava-se por uma consideração sobre os efeitos sobre a sociedade como um todo.

            Prezados leitores, minha alma reacionária não pode deixar de assinar embaixo de todas as críticas que Joseph Epstein faz às novas elites americanas.Será que Franklin Delano Roosevelt, um WASP da gema, teria ficado rindo e se divertindo tirando fotos ao lado de uma loira como Obama fez na cerimônia fúnebre em homenagem a Nelson Mandela? Alguns dirão que FDR provalvemente se distraía, mas não havia fotógrafos com lentes poderossíssimas como há hoje e não havia I-phone para servir de arma contra compromissos oficiais enfadonhos. Talvez isso seja verdade, e se hoje mitificamos o passado é porque ele está encoberto pelas brumas do desconhecimento da sua verdadeira face. Por outro lado, uma tal discussão é inútil porque a própria capacidade que temos hoje em dia de perscrutar a vida dos poderosos em seus mínimos detalhes faz com que não consigamos mais acreditar que eles possam ser nobres, e nossas baixas expectativas os eximem de obrigar-se a manter-se na linha. O círculo virtuoso de priscas eras, em que o público não tinha acesso a todas as informações dos governantes permitia manter-lhes a aura,estabelecendo padrões altos de conduta para que o mito pudesse ser alimentado. Hoje em dia temos um círculo vicioso: quanto mais podres sabemos dos nossos líderes, menos acreditamos neles, menos esperamos deles, e eles não se sentem mais embuídos da responsabilidade moral de corresponder a expectativas que evaporaram no ar.

            Para terminar com uma tropicalização das ideias aqui desenvolvidas, lanço-lhes uma pergunta: alguém acha que entre o Barão de Mauá, nosso primeiro grande empresário, que construiu ferrovias, fundições, estaleiros, foi à falência e morreu pobre, e Eike Batista, o empresário-celebridade ou a celebridade-empresária, que ao que parece criou apenas uma pirâmide da felicidade em queo último é que apague a luz,há umadiferença de qualidade? Quem acha que há concorda em parte com minha saudade de priscas eras.

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