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Sobre cachorros, grandes e mortos

Posted by on 30/03/2014

Parabéns, militares – 31 de março de 1964. Graças a vocês, o Brasil não é Cuba.

Faixa de propaganda aérea de autoria do deputado federal Jair Bolsonaro

Países grandes e com ambições precisam se definir

Comentário de Thomas Shannon, conselheiro do Departamento de Estado dos EUA, sobre a omissão do Brasil na Crimeia

 

                Prezados leitores, estamos em pleno período de celebrações oulamentações, a depender da visão de mundo de cada um, do 31 de março de 1964 que nos deu o golpe e a ditadura militar. Houve cadernos especiais nos jornais, nas revistas semanais, programas na TV. Eu, como não tenho experiência pessoal dos acontecimentos daquela época, só posso conhecê-los por meio de relatos de outros, o que limita bastante meu entendimento. Mas isso é inevitável e no final das contas cada um adota uma posição a favor ou contra de acordo com os valores que considera fundamentais.

              Há quem, como o tão execrado Jair Bolsonaro, considere queo mérito do militares esteve em ter evitado que o Brasil caísse nas garras da União Soviética, que àquela época dedicava-se à missão apostólica de evangelização dos povos acerca dos benefícios do coletivismo,e se transformasse em uma ditadura tropical comunista como a Ilha de Fidel Castro, decrépita e anacrônica.Outros, como a maioria dos acadêmicos de universidade, muitos deles tendo sofrido na pele a repressão nos anos de chumbo, lamentam que o golpe tenha atrasado durante décadas o desenvolvimento de nossa tão frágil democracia, tenha fomentado a corrupção, a desigualdade social e tenha colocado o Brasil nas garras do capitalismo internacional, capitaneado pelos Estados Unidos, que àquela época igualmente dedicava-se a uma missão apostólica de evangelização acerca dos benefícios do livre mercado.A esta altura a pergunta automaticamente surge: considerando o que se desenrolou no Brasil de 1964 a 2014, qual teria sido a melhor opção?Teria sido melhor ter participado da Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade ou ter estado presente no famoso Comício de Jango Goulart na Central do Brasil?

                 Minha resposta para esse dilemaparecerá a alguns uma saída pela tangente. Não, não vou dizer que ambas as opções, o populismo de Jango ou os milicos, tinham suas vantagens e desvantagens. Isso é óbvio, e eu não ofenderia a inteligência de ninguém adotando a posição em cima do muro. Simplesmente direi que a tragédia está no fato de que fomos colocados entre a cruz e a calderinha, isto é, em uma situação em que tínhamos que optar por duas posições que eram representadas como radicais. E fomos colocados nessa posição devido à conjuntura internacional da época em que Estados Unidos e União Soviética se digladiavam na Guerra Fria, uma época em que os países, todosmenos poderosos do que os dois pesos-pesados,tinham que fazer a opção entre um e outro, opção essa que implicava de um lado conseguir amigos fiéis e de outro lado fazer inimigos mortais. E considero isso uma tragédia porque países relativamente fracos, que precisam escolher de que lado ficarão na luta, normalmente se vêem na situação de fazerem opções econômicas e sociais que não refletem necessariamente seus interesses nacionais, mas apenas aquilo que é mais conveniente no esquema das coisas estabelecido pelos cachorros grandes. Em 1964 o Brasil, ou melhor, aqueles que tinham o poderno Brasil, escolheram abrir-nos para os investimentos estrangeiros, para o crescimento econômico à custa de endividamento externo, sem que houvesse muita preocupação com justiça social, afinal justiça social era coisa de comunistas comedores de criancinhas.

             Trago essas duras escolhas à tona porque acredito que a história está se repetindo. Estamos em um momento de turbulência internacional talvez como nunca antes visto no pós Segunda Guerra: estagnação econômica na Europa, uma crise financeira ainda não totalmente superada em todo o mundo, os Estados Unidos intervindo militarmente – de maneira aberta ou camuflada –com a missão de combate ao terrorismo no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Paquistão, Iêmen, Somália, Líbano e ameaçando países como Venezuela e Irã de sanções e no caso do último as aplicando, se não entrarem na linha.Do outro lado do ringue, por enquanto, está a Rússia, sentindo-se ameaçada, anexando a Crimeia como resposta a essas ameaças. Não vou aqui falar da crise na Ucrânia, da qual falei há duas semanas, ressaltando apenas como a postura de superioridade moral do Estados Unidos tem lá seus pontos fracos. Meu ponto é que parece que estamos em mais uma dessas encruzilhadas da história, em que os pequenininhos, e não nos iludamos com as palavras de Thomas Shannon, o Brasil é um piccolino em termos geopolíticos, têm que tomar partido, independentemente de suas reais prioridades nacionais: Atenas ou Pérsia, Atenas ou Esparta, Estados Unidos ou Rússia.

             Afinal, por que agora parece estar sendo criado um consenso de que o Brasil está em péssima situação fiscal? O que houve de novo? Nossa política econômica é a mesma desde os tempos de FHC, há quase 20 anos: criar supéravits primários para pagamento de dívida, o que nos leva a ter pouca margem de manobra para investimentos. Essa receita não inclui fazer reforma profunda nenhuma, afinal é preciso cooptar apoios para a tal da “governabilidade” e reformas são sempre polêmicas. Por que agora a Standard and Poor’s abaixou nossa classificação? Será que é apenas uma questão de grau e o que era medíocre transformou-se em desastroso, ou o que era maravilhoso tornou-se de repente trágico? Até há pouco tempo éramos louvados porque pagávamos nossas dívidas em dia, ao contrário da Argentina, porque seguíamos um curso esperado de política monetária e fiscal. Agora aqui e alhures lamenta-se o fato de que o Brasil perdeu a oportunidade de fazer as reformas necessárias que nos garantiria crescimento econômico mais sustentável. Dilma foi eleita com a fama de ser gerente eficaz, e agora é acusada de ser responsável pelo fato de as ações da Petrobrás terem caído de 100 para 37 reais. Será que ela sempre foi incompetente e estávamos todos iludidos com a propaganda petista, ou de repente ela tornou-se incompetente em um momento em que é preciso fazer escolhas, escolhas a respeito de quem apoiar na Venezuela – Maduro ou Capriles -, de quem é preciso apoiar na Ucrânia, Estados Unidos e União Europeia ou Rússia.

              Prezados leitores, torço para que minhas suspeitas sejam infundadas e que não estejamos sendo pressionados para escolhermos um lado. Talvez seja pura paranóia da minha parte e não estejamos à beira de um grande conflito mundial. E mais importante, torço para que Dilma Rousseff, independentemente dos seus defeitos e qualidades, não seja transformada em cachorro morto que leva pancada de todos os lados. Em suma, que os 50 anos do golpe de 1964 não sejam revividos como farsa.

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