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Quem espera sempre alcança?

Posted by on 27/04/2014

É absolutamente necessário dizer aos brasileiros que eles estão lá para mostrar a beleza do país e sua paixão pelo futebol. Se eles puderem esperar um mês antes de fazerem protestos, isso será bom para o Brasil e para o mundo do futebol.

Declaração de Michel Platini, presidente da UEFA,em 25 de abril, em Paris ao ser interrogado por jornalistas sobre as manifestações sociais que têm sacudido o Brasil

A situação é muito preocupante. Essa antecipação das férias escolares, por conta da Copa, deixa as crianças desprotegidas.

Declaração da deputada federal pelo Rio de Janeiro Liliam Sá, relatora da CPI da Exploração Sexual Infantil

                Prezados leitores, na semana passada eu falei sobre um dos aspectos mais fascinantes e assustadores da globalização que é o fato de como a legislação internacional que ganha corpo por meio dos acordos de comércio está tornando as leis feitas localmenteirrelevantes e colocando corporações e Estados Nacionais em pé de igualdade do ponto de vista jurídico. Hoje tratarei de uma outra face da globalização, que é a dos cidadãos globais, aqueles indivíduos que não estão ligados a nenhum país especificamente, não por serem apátridas, mas por terem interesses econômicos e culturaisque os ligam a entidades internacionais, quer sejam elas organizações com representantes de centenas de países do mundo, como a ONU, a OMC e a FIFA, ou empresas multinacionais.

                A declaração de Michel Platini o faz um típico representante dessa classe de pessoas. Sua fidelidade é ao mundo do futebol e tudo deve ser colocado à disposição desse mundo para que ele funcione perfeitamente. O descontentamento que a população brasileira tem demonstrado com o nosso estado de coisas, às vezes de forma pacífica e às vezes de forma bárbara como vimos no Rio de Janeiro na semana passada, não pode atrapalhar a realização da Copa. O papel do povo brasileiro no mundo global do futebol é claro: devemos parecer ao público dos jogos felizes, sorridentes, dançando samba, comemorando as vitórias da seleção canarinho, tocando bumbo e cornetas, soprando apitos e realizando qualquer coisa que sirva para encantar os turistas reais que aqui aparecerem (estimam-se 600.000) e os turistas virtuais que assistirão ao espétaculo pela televisão ou pela internet. Devemos ser os figurantes acionados pelos organizadores do espetáculo para que estes possam entregar o produto que venderam a preço de ouro: uma Copa do Mundo radiante no país onde o futebol corre no sangue das pessoas. A jogada de marketing é essa, como fica óbvio por outra frase de Platini no mesma ocasião: “as pessoas vão ao Brasil para a Copa do Mundo, como os muçulmanos vão a Meca, como os judeus vão a Jerusalém e os cristãosa Roma…”

                Nada mais óbvio, não?No grande esquema das coisas há países que têm certas vantagens competitivas que lhes cabe explorar e naquilo em que não são tão bons devem ceder o lugar a outros países mais competentes. Futebol é com o Brasil, quanto a outras coisas, como competitividade econômica, altos indicadores sociais, devemos deixar tais assuntos com outros países que são melhores do que nós. Aliás, um outro cidadão global, Ronaldo o Fenômeno, membro do comitê organizador da Copa, deixou isso claro quando disse que não se fazem estádios com hospitais. Entre estádios e hospitais a escolha é clara para o Brasil: devemos ficar com os estádios, pois essa é a nossa vocação natural. Ronaldo pode ter passaporte brasileiro e ter nascido na Vila Cruzeiro, mas ele já há muito tempo ingressou para a turma dos globais, não só por ser comentarista na maior rede de televisão do Brasil, mas por se aliar aos interesses maiores do mundo do futebol ao qual as necessidades nacionais devem ser sacrificadas. Ronaldo ê tão global que ele vai até a Davos para o Fórum Econômico Mundial e ainda é chamado a opinar sobre questões econômicas.

                E quantos sacrifícios nós brasileiros faremos. No altar da Copa do Mundo estamos colocando as crianças e adolescentes de baixa renda e de famílias desestruturadas, que sem ter o que fazer na época das férias escolares, estarão mais disponíveis não só para assistir aos jogos, mas também para se prostituírem e serem prostituídos; estamos colocando também os moradores das regiões “pacificadas” à bala no Rio de Janeiro, submetidos às açõespoliciais ditadas pela ânsia de transformar a toque de caixa favelas em ilhas da fantasia; estamos colocando também os moradoresque foram desalojados de suas casas para dar lugar às obras das arenas; para não falar do sacríficio do dinheiro de todos os brasileiros a quem foi dito de má fé que a maior parte de tudo seria financiada pela iniciativa privada.

                Hoje à tarde estava tomando meu café e lendo o jornal como faço todos os domingos e não pude deixar deouvir a conversa de dois homens de meia idade. Um deles falava que queria que arquibancadas caíssem, houvesse apagão nos estádios e os turistas perdessem jogos por causa de atraso nos vôos. Para ele, o caos seria benéfico porque seria a única maneira de “derrubar o governo”. Tratava-se obviamente de alguém que quer ver Dilma pelas costas e torce para que o fracasso da organização da Copa seja motivo suficiente para convencer o povo a eleger um não petista. Não concordo com tal torcida pelo quanto pior melhor, porque a esta altura do campeonato se houver um grande desastre na Copa o maior prejudicado será o povo brasileiro como um todo. Afinal, o mal já está feito, já gastamos o dinheiro que deveria ter sido despendido com coisas mais prioritárias e menos globais. O melhor é que tudo saia a contento e que pelo menos temporariamente a economia brasileira aproveite o bônus do maior evento esportivo do planeta.

                Por outro lado, não posso concordar com MessieurPlatini, quando conclama nós brasileiros a esperarmos o fim da Copa do Mundo para reclamarmos sobre a violência que nos alflige, a precariedade dos serviços públicos,a alta dos preços. Diante da total incapacidade da nossas democracia de dar vazão aos anseios do povo, além do mínimo necessário para que os políticos possam se eleger, talvez o fato de que o Brasil estará sob os holofotes globais seja uma oportunidade única para que coloquemos pressão sobre nossos representantes. Se fosse possível que nossos protestos fossem pacíficos e não degenerassem em vandalismo e delinquência, ir às ruas em junho e julho é uma boa ideia para tentarmos mudar o que está aí. Mas talvez eu seja muito ingênua e as manifestações que porventura ocorrerem no Brasil serão dominadas pela turma dos que não tem compromissos com nenhum tipo de mudança consistente e querem apenas aproveitar-se da situação para dar vazão a seus interresses mesquinhos.

                De qualquer forma, cidadão globais, Platini e Ronaldo: vocês estão tentando nos convencer de que quem espera sempre alcança. E eu lhes respondo que depende de quemespera: neste nosso admirável mundo novo aqueles queservem os interesses globais sempre alcançam.

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