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Morte às diferenças!

Posted by on 29/06/2014

(…) o primeiro tipo de legislador levava em conta os diferentes tipos de cidadãos e os combinava em uma única comunidade, o outro tipo, os legisladores metafísicos e alquimistas,seguia o caminho exatamente oposto. Eles tentarammisturar todos os tipos de cidadãos, da melhor maneira que podiam, em uma massa homogênea.

Edmund Burke (1729-1797) em “Reflexões sobre a Revolução na França”

                Prezados leitores, a Copa do Mundo está se desenrolando no Brasil,proporcionando grandes emoções aos espectadores, com reviravoltas inesperadas, grande ansiedade para nós brasileiros, eternos sofredores diante desta seleção canarinhopara lá de medíocre montada pelo retranqueiro e maquiavélico Felipão, para quem o fim de vencer justifica os meios, e a influência talvez não decisiva mas considerável do calor na eliminação de pesos-pesados do futebol como Itália e Inglaterra. Com tantas manchetes espetaculares, a mídia brasileira tem deixado de lado muito do que acontece na cena internacional. Mas o fato é que há coisas muito importantes se desenrolando lá fora que podem afetar a vida de todos nós.

                Talvez a mais significativa para o futuro da humanidade seja a crise na Ucrânia. Nenhuma negociação chegou a bom termo, e o último passo foi dado pela União Europeia, que deu um ultimato à Rússia para que esta reprima as manifestações separatistas que estão ocorrendo no sul e leste da Ucrânia, sob pena de serem impostas sanções aos russos. O que Putin vai fazer? Ceder à pressão dos Estados Unidos por meio de suas marionetes europeias ou partir para o conflito escancarado, cortando o fornecimento de gás à Europa, ou mesmo lançando um míssel nuclear? A posição dos americanos é clara: eles querem que a Rússia ceda a todas as exigências americanas e que ela aceitena sua fronteira um governo totalmente hostil pró OTAN e pró União Europeia, com a qual acaba de assinar um acordo comercial.Provavelmente, por ora Putin espera que os europeus se convençam que é melhor negociar, cada uma das partes cedendo, mas se os líderes da Europa continuarem defendendo os interesses americanos e se esquecendo dos seus poderemos ter uma guerra nuclear.

                A crise da dívida da Argentina, sobre a qual falei neste espaço na semana passada, está se desenrolando e resta saber se a Argentina conseguirá efetuar o pagamento dos credores que aceitaram a reestruturação da dívida em Nova York. Será que as partes chegarão a um acordo de cavalheiros ou a Argentina conseguirá pagá-los em outra jurisdição, por exemplo na Europa? Será que os Estados Unidos colocarão obstáculos a tal alternativa? Essa pergunta é pertinente se levarmos em conta outro episódio que está se desenrolando juridicamente e que mistura política externa e indústria financeira. O banco francês BNP Paribas, um dos maiores bancos europeus, está sendo processado criminalmente em Nova Yorque acusado de violar as leis americanas por realizar transações com Cuba, Irã e Sudão, países do “eixo do mal”, por meio de suas filiais americanas. A multa está colocada em 10 bilhões de dólares. Recentemente, quando da comemoração do desembarque na Normandia na Segunda Guerra Mundial,Hollande pediu a Obama que houvesse certa proporcionalidade, mas Obama esquivou-se dizendo que não tem influência nenhuma sobre o Judiciário, o que é altamente questionável, considerando o quanto o Judicário americano tem ajudado o Executivo na sua luta contra o “terror”, em vista do tratamento dado a Bradley Manning e a Julian Assange.

                Por fim, não posso deixar de lembrar de outro evento geopolítico momentoso, a desintegração do Iraque cujas fronteiras foram estabelecidas artificialmente pela França e pela Inglaterra em 1916 pelo tratado secreto Sykes-Picot. A derrubada de Saddam Hussein, que mantinha o país unido na marra, levou à abertura de uma caixa de Pandora, e atualmente, em vez da democracia que os Estados Unidos prometeram levar aos iraquianos, tem-se uma guerra fraticida, em que uma parte do norte e do oeste do país está nas mãos dos sunitas, o sul, incluindo a capital Bagdá, está nas mãos dos shiitas e há ainda uma terceira região que os curdos pretendem que brevemente seja o Curdistão.O caos que se instalou no Iraque está servindo como uma desculpa para os Estados Unidos estarem considerandointervir de novo. Quem sabe dessa vez eles acertam e estabeleçam um governo estável que traga a prosperidade e a paz aos infelizes iraquianos? Afinal, as intenções são as melhores possíveis, levar os valores ocidentais para os países muçulmanos…

                Prezados leitores, tendo mencionado esses três exemplos de crises que se desenrolam no mundo enquanto cá estamos no Brasil totalmente focados na Copa do Mundo, volto ao filósofo Edmund Burke, minha leitura atual. Para ele uma das condições da instalação de um governo tirânico é a deliberada negligência das diferenças entre as pessoas e a tentativa de imposição de um modelo único, elocubrado na mente dos filósofos que queriam um novo homem, que se comportasse da maneira tal que as ideias dos “sofistas” sobre progresso pudessem ser concretizadas. Não é difícil verificar no nosso mundo tão conturbado como essa lição é de difícil aprendizado. A Argentina colocou-se em uma situação delicada do ponto de vista financeiro,em virtude de decisões erradas dos seus governantes que importaram soluções econômicas mágicas – paridade cambial, Consenso de Washington–as quais acabaram levando ao calote de 2001 e desde então a um sofrido caminho de pagamento de suas dívidas, negociadas e renegociadas em condições draconianas para o país, que permitiram que a Argentina fosse enquadrada por um juiz americano como está sendo agora. Os Estados Unidos interveio no Iraque, país em que as fidelidades religiosas são muito maisimportantes do que qualquer ideal abstrato de liberdade e democracia, e o resultado está aí para todo o mundo ver. E agora querem enquadrar no molde da OTAN-UE a parte da Ucrânia que tem uma maioria étnica russa eque na maior parte da sua história pertenceu à Rússia. Para tanto, é preciso diabolizar Vladimir Putin, com base não no que ele realmente fez, mas no que o vilão criado no Ocidente diz que ele faz. A Crimeia foi anexada depois que sua população decidiu em referendo voltar a ser parte da Rússia e no entanto, somos informados que Putin invadiu a Crimeiae que o referendo é fajuto. Presume-se que as informações dadas pela maior parte da imprensa “democrática” do Ocidente são verdadeiras e que tudo que a Russia Today, o canal de notícias financiado pelo governo russo, mostra seja falso, fruto da guerra de propaganda do ditador Putin, afinal consideramos que a imprensa nas mãos da iniciativa privada é necessariamente livre. E no entanto, Obama tem uma aprovação de 41% nos Estados Unidos, Vladimir Putiné aprovado por 76% de sua população de acordo com a Public Opinion Research Center. Mas claro, a pesquisa é falsa, encomendada pelo monstro perseguidor de homossexuais, opressor dos ucranianos.

                Tudo isso para dizer que vivemos em um mundo global em que precisamos nos enquadrar em certos moldes impostos por certos grupos que são os primeiros a se beneficiarem da padronização. Precisamos ser contra o “terror”, que parece muito mais uma justificativa para intervenção militar em todos os cantos do planeta, a favor de uma certa ideia de democracia que se assemelha muito mais a uma oligarquia, a favor de uma versão do capitalismo que premia as finanças em detrimento da produção. Resta saber qual será o resultado final de mais uma tentativa de padronização na história humana.

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