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Tristes reflexões

Posted by on 13/07/2014

O aumento no comércio entre a China e a Alemanha na última década – e particularmente o aumento das exportações da Alemanha à China – superaram todas as expectativas. A Alemanha é o maior parceiro comercial da China na União Europeia, e a China é o principal destino dos investimentos estrangeiros das empresas alemãs

Artigo do Conselho Europeu de Relações Internacionais

Déficit de exportação da indústria avança para ser o pior da história

Manchete do jornal O Estado de São Paulo do dia 13 de julho

                         Prezados leitores, escrevo este artigo depois de encerrada a Copa do Mundo com a vitória da Alemanha sobre a Argentina. Pertenço àquele grupo de brasileiros que torceu por uma vitória europeia para que pelo menos nossa humilhação histórica no malfadado jogo de 8 de julho tenha como consolo o fato de termos perdido para os campeões do mundo. Também há um outro motivo pelo qual eu torci contra os hermanos. Não gosto da maneira pela qual os argentinos gostam de mostrar-se superiores a nós porque são 100% brancos de ascendência europeia, ao passo que nós somos o país negro demais para eles.

                   Os alemães, ao contrário dos argentinos, irremediavelmente presos à América Latina, não precisam provar nada para ninguém, e por isso aceitaram nossa diversidade de maneira relaxada e até entusiasmada, típica dos europeus que se maravilharam com o sol dos trópicos quando aqui chegaram nas caravelas. Dançaram ao som da Luz deTieta, torceram pelo Brasil e mostraram respeito pelo nosso patrimônio futebolístico, tanto que não fizeram tantos gols quanto poderiam ter feito contra aquele amontoado de gente que só o Felipão, o Parreira e talvez o Galvão Bueno, cada um deles com seus próprios interesses, consideravam capaz de ganhar a Copa do Mundo.

                      Em suma, torci pelos alemães porque foram perfeitos na organização, souberam se adaptar às condições do ambiente tropical, não ficaram reclamando dos desafios colocados pelo calor, não ficaram caindo em campo para cavar pênaltis e faltas, como tantos dos nossos jogadores fizeram a mando do professor Scolari, jogaram futebol, e quando nos massacraram no Mineirão não nos tripudiaram com dribles ou pedaladas, como provavelmente teríamos feito se tivéssemos estado na mesma situação. Como não admirar tamanha eficiência, seriedade, honestidade e grandiosidade? Por outro lado, é algo assustador para nós, sul-americanos, sob vários aspectos.

                     Esta é a primeira vez que uma seleção europeia ganha uma Copa do Mundo nas Américas. Se levarmos em conta que a última vez que os sul-americanos ganharam o torneio foi em 2002 com o Brasil, podemos talvez pensar que esteja havendo uma decadência do nosso outrora tão decantado futebol-arte. Como não pensar assim? Afinal será mera coincidência que em 2010 a campeã do mundo foi a Espanha, cuja base era o time do Barcelona, e que neste ano foi um time em que sete dos jogadores atuam no Bayern de Munique? Será coincidência que por mais que Argentina e Brasil, para falar das maiores forças sul-americanas, tenham nomes de qualidade, a falta de entrosamento de jogadores que atuam em todos os cantos do globo, menos em seus próprios países, torne as coisas difíceis? Tanto em um quanto no outro time, apenas três jogadores dos convocados atuavam em clubes brasileiros ou argentinos. Será coincidência que nossos campeonatos nacionais nem se comparem àqueles da Espanha e da Alemanha, os últimos campeões mundiais? Será coincidência que as potências atuais do mundo futebolístico não sejam exportadoras de talentos, como são nós e los hermanos?

                  Todos esses dados parecem mostrar que o futebol em 2014 é uma indústria global e os europeus souberam aprender conosco, reconhecendo a importância da técnica, e nos superar, aliando a técnica à força e à organização para cultivar talentos nacionais que formam a base das seleções. E o futebol hoje não é apenas uma indústria em si, que movimenta dinheiro com a venda de ingressos, de direitos de transmissão, de compra e venda de jogadores. Ele acaba tendo um efeito fora dos seus limites estreitos, criando valor de maneiras inesperadas. Dona Angela Merkel, a primeira-ministra da Alemanha, não estava presente no Maracanã para assistir à final simplesmente porque é fã de futebol e é pé quente, dando sorte ao time. O campo de futebol, a escola e o centro de treinamento deixados pela Federação Alemã de Futebol aos habitantes de Santa Cruz Cabrália projetam a imagem de um país que aceita a diversidade e traz benefícios às comunidades não brancas. A própria composição da seleção, formada de alguns jogadores de origem turca, serve para mostrar uma Alemanha muito distante daquela da Segunda Guerra Mundial que privilegiava a pureza do sangue ariano, que queria conquistar a Europa como um direito ao espaço vital de uma raça superior. Enfim, em um mundo em que os contatos entre os diversos povos estão cada vez mais frequentes, abraçar o multiculturalismo, patrociná-lo e exercê-lo na prática rende pontos. Para culminar esse esforço de soft power, os alemães vencedores imitaram a dança dos pataxós que viram na Bahia ao redor da taça de campeões do mundo.

                          Não admira que embuída de tal espírito de fazer frente aos desafios modernos a Alemanha tenha se dado muito bem com a globalização. Enquanto que para o Brasil a ascensão da China tem sido uma faca de dois gumes, pois de um lado tem causado nossa desindustrialização pela perda de competitividade e de outro aberto mercado para nossas commodities, para os alemães tem sido até agora um casamento perfeito: os chineses vão atrás da tecnologia alemã e os alemães vão atrás do grande mercado asiático.

                   Prezados leitores, por mais que eu admire a lição de eficiência e diplomacia dada pelos teutônicos, não posso deixar de entristecer-me com o fato de que nós brasileiros, que éramos os senhores absolutos do futebol, perdemos nossa competitividade e atualmente estejamos vivendo muito mais das lembranças do passado glorioso. Desde 1982, com a fatídica derrota ante os italianos, temo-nos dedicado a destruir nosso futebol e em 2014, nosso esforços foram recompensados. Tivemos a pior seleção da nossa história, porque não soubemos manter nossas qualidades e nos livrarmos dos nossos defeitos em matéria de organização fora do campo. Nossos competidores no futebol globalizado souberam adquirir novas qualidades edeixar para trás suas fragilidades. Esta Copa de 2014, em que tomamos dez gols em apenas dois jogos, certamente será um divisor de águas, pois solidifica uma impressão que já tínhamos tido quando o Santos sofreu o mesmo revés contra o Barcelona. A de que já não estamos nem entre os melhores do mundo no futebol e que em mais esse quesito a globalização nos pegou de calças curtas.

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