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Leis, para que as queremos?

Posted by on 01/12/2014

O deputado acredita que a sanção da nova lei vai permitir um avanço nas relações familiares. “Vai avançar porque, hoje em dia, os filhos são usados como massa de manobra. Além disso, o pai vai ter suas responsabilidades com o filho.”

Deputado Arnaldo Faria de Sá, autor do projeto de lei 117 de 2013, que estabelece a guarda compartilhada como regra em casos de divórcio de casais com filhos menores

Lei Fiscal não vai ser cumprida por 17 estados

Manchete do jornal O Globo de 30 de novembro de artigo sobre os Estados brasileiros em que os gastos com pessoal estão acima do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal

Ante a avalanche de demandas que trava o Judiciário – cerca de 100 milhões de processos em curso no País – , o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu o uso maciço do recurso da conciliação. Invocando tese de doutorado ele pregou mobilização geral, até “pastores, padres, sacerdotes”.

Trecho retirado do artigo “A Grande Mensagem de Lewandowski” do jornalista Fausto macedo, sobre palestra dada pelo ministro sobre os Desafios e Perspectivas do Judiciário

        Prezados leitores, tenho uma boa notícia para contar-lhes, ou melhor para comentar, porque com certeza vocês já sabem dela. Falo do projeto de lei que logo logo será sancionado pela Presidente Dilma a respeito da guarda compartilhada, que tornar-se-á obrigatória para casais divorciados. Finalmente nosso legislador encontrou uma solução para o problema da separação dos pais que muitas vezes tantos transtornos causa aos filhos. Basta publicar uma lei e usar um conceito mágico, a guarda compartilhada, em substituição à velha guarda unilateral, pela qual tanto o pai quanto a mãe tomarão em conjunto decisões sobre a educação do rebento e dividirão as despesas do sustento.

         Nada melhor para refletir os novos tempos do que introduzir um conceito brilhante que cristaliza a ascensão da mulher no mercado de trabalho, as novas relações de igualdade entre homem e mulher e bingo, tudo em prol do melhor interesse do filho, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei terá o efeito espetacular de introduzir nas relações entre homem e mulher que se separam respeito e amizade, de forma que possam chegar sempre a um acordo sobre os destinos da criança após discussões razoáveis. Tudo funcionará harmoniosamente: o pimpolho fica às terças e quintas na casa do pai, que terá um quarto pronto para o filho, e às segundas e quartas na casa da mãe, sendo que nos finais de semana a custódia será alternada entre o genitor e a genitora.  Uma pena que tal guarda compartilhada não tenha sido obrigatória desde a entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro em 2002. Teria evitado muitos dissabores advindos da ruptura do casamento.

        Desculpem, mas acho que as palavras do deputado Arnaldo Faria de Sá são por demais otimistas em relação à eficácia dessa nova lei. Para funcionar ela depende de uma série de circunstâncias que nem sempre estão presentes na realidade das famílias no Brasil. Depende que haja uma certa igualdade econômica entre homem e mulher de forma que possam de fato dividir meio a meio as responsabilidades; depende que não haja rancores mútuos de seres humanos que muitas vezes foram traídos, que traíram, que mentiram para o companheiro ou companheira, de forma que as relações não tenham se envenenado a ponto de os filhos serem utilizados como “massa de manobra” – para tomar emprestada a expressão usada pelo deputado autor do projeto de lei – para vinganças pessoais; depende que haja condições econômicas e logísticas de deslocar o menor constantemente entre a casa do pai e da mãe, o que em grandes cidades com engarrafamentos constantes como Rio de Janeiro e São Paulo é no mínimo trabalhoso. Em suma, essa nova lei só vai funcionar nos casos em que os divorciantes sejam pessoas bem resolvidas emocionalmente e economicamente, do contrário ela será mais uma fonte de disputas, por impor uma obrigação com a qual na prática será difícil arcar.

        Esse exemplo da nova lei sobre Direito de Família serve para ilustar um ponto que já abordei neste meu humilde espaço. Somos fascinados por leis no Brasil, achamos que as palavras de um texto legal tem um efeito mágico de induzir comportamentos corretos nas pessoas. Quem não se lembra da louvação à Lei Complementar 101 de 2000, conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”? Diziam-nos que a tal disciplina imposta pela lei, incluindo sanções como a proibição de repasses da União e a intervenção nos Estados que não a cumprissem, seria a salvação da lavoura do Orçamento Nacional. De fato, a LRF parece ter induzido um melhor comportamento dos membros do Executivo em termos de controle de gastos, o que permitiu o sucesso da estabilização monetária. O sonho da austeridade fiscal durou por algum tempo. Hoje parece que as exortações da lei não mais surtem efeito e na maioria dos Estados as despesas entraram na chamada zona de risco, em que a folha de pagamento já ultrapassou 49% da receita líquida do Estado. Para não falar do mau exemplo dado pelo governo federal que propôs projeto de lei que amplia os descontos na meta do superávit primário de 2014, o que na prática significa uma manobra contábil para esconder o descontrole dos gastos.

         Nesse sentido, ao mesmo tempo que somos fascinados pela lei, somos também mestres em fazer pouco caso dela, especialmente quando não nos beneficia. O presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski diz que a única maneira de resolver a enxurrada de processos na Justiça brasileira é recorrer a outras instâncias de resolução de conflitos. E por que há tantos conflitos, de maneira que temos hoje praticamente um processo para cada dois brasileiros? Será que é porque temos mais consciência dos nossos direitos? Ou simplesmente porque não nos conformamos em ter que cumprir a lei quando ela nos desfavorece e quando perdemos sempre recorremos ou entramos com processo como uma maneira de defender-nos de meu oponente antes que ele próprio ataque-me iniciando uma ação? Parece haver no Brasil uma mistura de tudo isso. A democracia, consolidada ao menos formalmente pela Constituição de 1988, fez com que ficássemos atentos ao nossos direitos, entronizados na Carta, mas de uma maneira unilateral, como se a justiça no mundo se resumisse à satisfação das minhas prerrogativas individuais à custa de todo o resto. Se está na lei e eu tenho direito nada mais natural do que eu defendê-lo com unhas e dentes. E se alguém tem um direito contra mim, nada mais natural do que compensar invocando minhas próprias demandas em relação a esse indivíduo, recorrendo sempre por agravos, apelações, embargos, recursos inominados e por aí vai. E assim caminhamos, sendo que no ano passado os processos aumentaram 1,8%.

          Prezados leitores, oxalá um dia o Brasil chegue a uma visão mais serena das leis, que deixe de considerá-la capaz de produzir revoluções comportamentais, sociais e econômicas e ao mesmo tempo deixe de considerá-la um empecilho a ser flexibilizado por meio de disputas infindas no judiciário quando ela não nos é favorável.

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