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A Salvação da Lavoura

Posted by on 23/03/2015

Nenhum governo permaneceria por um instante sequer se pudesse ser derrubado por algo tão solto e indefinido como um julgamento de ‘má conduta’. Aqueles que lideraram a Revolução não respaldaram a abdicação do Rei Jaime em um princípio tão leviano e incerto, eles o acusaram com nada menos do que a intenção, confirmada por uma série de atos abertamente ilícitos, de subverter a igreja protestante e o estado, e suas leis e liberdades fundamentais e inquestionáveis: eles o acusaram de ter violado o contrato original entre o rei e o povo. Isso era mais do que má conduta. Uma necessidade grave e imperiosa os obrigou a tomar a medida que tomaram, e o fizeram com extrema relutância, de acordo com a mais rigorosa de todas as leis.

Trecho retirado do livro “Reflexões sobre a Revolução na França”, de Edmund Burke (1729-1797), em que o autor compara a Revolução Gloriosa na Inglaterra com a Revolução Francesa

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição federal e, especialmente contra:

[…]

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

[…]

V – a probidade na administração

Trecho do artigo 85 da Constituição Federal do Brasil

     Prezados leitores, retomo o tema do Fora Dilma da semana passada porque tudo indica que está se formando um consenso no Brasil, ou pelo menos em uma parte dele, de que Dona Dilma é uma bananeira que já deu cacho, ou para ser mais sofisticado, estamos no período de ocaso da presidente, como definiu a Veja, uma de suas mais ferozes inimigas. A revista apresenta os fatos que corroboram tal tese: seis em cada dez brasileiros consideram o atual governo ruim ou péssimo, mais de um milhão de pessoas foi às ruas em São Paulo protestar, nas maiores manifestações desde as Diretas Já, para não falar do bafafá com o Ministro da Educação, Cid Gomes, que acusou os congressistas de serem achacadores e teve que enfiar o rabo entre as pernas e pedir para sair. A revista louva a liderança de Eduardo Cunha, que está fazendo com que o Parlamento retome a iniciativa perdida há décadas para o Executivo. Por fim, Gustavo Ioschpe, conclama a presidente a mostrar espírito público e renunciar.

    Sem dúvida, para aqueles que querem preservar as aparências, ou as instituições, como dizem, a renúncia seria o ideal. Os que querem ver Dilma pelas costas não poderiam ser acusados de golpistas e os trâmites democráticos seriam preservados, com Michel Temer, o Vice-Presidente, assumindo o cargo. Dois coelhos seriam mortos com uma cajadada só: poder-se-ia dizer que a democracia saía fortalecida, pois tudo teria sido feito de acordo com a lei, e melhor, as chances de Lula voltar ao poder seriam diminuídas porque seu partido estaria maculado pelo estigma de ser o partido da presidente que renunciou para não sofrer impeachment. Mas é difícil acreditar que a senhora Rousseff vá ser assim tão abnegada. A questão da presidente fora ou dentro é em última análise uma luta de facções rivais, em que as manifestações populares são ferramentas para enfraquecer a presidente, muito mais do que para renovar o modo de fazer política no Brasil. O toma lá dá cá continuará imperando entre os donos do poder, o que muda é o preço das transações.

     Caso os nossos congressistas decidam não mais fazer negócios com Dona Dilma, ou por acharem que ela não tem mais nada a oferecer, ou porque algum outro lhes oferecerá coisa melhor, o próximo passo será o processo de impeachment. Estaremos então no estágio em que o governo do PT terá se transformado em uma imensa canoa furada, e todos quererão saltar a tempo de não morrerem afogados no mar de lama da Operação Lava-Jato. O impeachment está previsto em nossa Constituição, como descrito na introdução deste artigo, e já fizemos uso dele em 1992 contra Fernando Collor de Mello e seu FIAT Elba, comprado com cheque frio. O artigo 85 relaciona sete hipóteses, mas não vou deter-me sobre todas elas, pois não são relevantes para o meu argumento, apenas sobre os incisos II e V.

     O inciso II parece ser o caso clássico defendido por Edmund Burke, o político e pensador irlandês para quem mudanças só eram bem-vindas quando preservassem os direitos que os cidadãos haviam conquistado. Para ele derrubar um governo deveria ser medida excepcional, a ser usada com muita cautela somente quando a confiança mútua entre governantes e governados fosse quebrada irremediavelmente, quando as cláusulas do contrato fossem violadas. Nesse sentido, atitudes do chefe do Executivo que prejudicassem o exercício dos outros Poderes feririam de morte a ideia de separação dos Poderes, que é pedra de toque do nosso regime político. Não me parece ser possível enquadrar Dilma nesse inciso, porque nada indica que ela tenha tentado atrapalhar a atuação do Ministério Público na persecução criminal dos acusados na Operação Lava Jato ou a atuação da Justiça Federal que mandou prender vários dos acusados do Petrolão. E quanto à Polícia Federal, responsável pelas investigações iniciais e subordinada ao Ministério da Justiça, ela foi até elogiada pelos manifestantes de 15 de março, que teceram loas aos delegados patriotas.

      É muito mais fácil enquadrá-la no inciso V da improbidade administrativa, em que caímos no terreno pantanoso da má conduta definida como Burke como base muito tênue para mandar um governante catar coquinhos na praia. De fato, improbidade administrativa, de acordo com a lei 8.429 de 1992, pode ser muita coisa: o artigo nove da lei relaciona doze hipóteses de atos de improbidade, o artigo dez relaciona quinze hipóteses, o artigo onze relaciona sete hipóteses. Improbidade pode significar roubar ou deixar roubar, ou mesmo não saber que estão roubando, mas ser incompetente o suficiente para não perceber que as maracutaias estão rolando soltas (o que em juridiquês significa omissão culposa). Não é difícil classificar a atuação de Dona Dilma na qualidade de membro do Conselho de Administração da Petrobrás quando da compra da refinaria de Pasadena como negligente. Alguns dirão que isso são águas passadas, já que ela ainda não era presidente. Mas se Maria das Graças Foster for implicada em algum dos esquemas de suborno na estatal, aquela que a escolheu como presidente da Petrobrás poderá ser acusada de má conduta pelo fato de que a ação de nomear a engenheira a presidente da maior empresa brasileira levou à perda patrimonial. Para não falar do dinheiro de propinas utilizado na campanha do PT para a presidência.

     Enfim, há argumentos de sobra para cassar o mandato de Dilma por improbidade administrativa. Mas, valendo-me das lições dos que buscavam conservar as instituições, como Burke, acho que isso seria um erro. Se queremos nos livrar de governos incompetentes e corruptos de maneira rápida, então o melhor a fazer é convocarmos um referendo e estabelecermos o parlamentarismo e o instituto do voto de confiança. No nosso atual regime presidencialista, aplicar o instituto do impeachment ao presidente por improbidade administrativa é simplesmente corroborar o papel menor do Parlamento brasileiro como grande chantagista que tem enormes poderes de destruição e sabe usá-los quando convém aos interesses de seus membros, mas que se abstém de usar seus poderes de construção, na forma de elaboração de leis, porque se omite e não quer assumir responsabilidades.

    Prezados leitores, Veja em sua carta ao leitor de 25 de março diz “Fora das Instituições não há salvação”. Pois eu humildemente digo: se queremos preservar nossas frágeis instituições, a única salvação é institucionalizar o toma lá dá cá, torná-lo parte da formação do governo e não fingir que ele não existe como certos congressistas têm feito e depois indignarem-se quando alguém fala a verdade. Para mim a salvação da lavoura brasileira passa pelo parlamentarismo já.

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