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Utopias perdidas

Posted by on 22/06/2015

O homem será libertado e não mais será o joguete de forças além de seu controle – a natureza implacável ou as consequências de sua própria ignorância, loucura ou vício; […] essa primavera do homem virá depois que os obstáculos, naturais e humanos, forem superados. Então, por fim os homens deixarão de lutar entre si, unirão suas forças e cooperarão para adaptar a natureza às suas necessidades (como advogaram os pensadores materialistas, de Epicuro a Marx), ou para adaptar suas necessidades à natureza (como os estóicos e os modernos ambientalistas prescreveram)

Trecho retirado do livro de Isaiah Berlin (1909-1997) Limites da Utopia

Atenas cruza as linhas vermelhas

Manchete do site de notícia Courrier International sobre o acordo proposto pelo governo grego aos seus credores em 22 de junho

Para Lula PT perdeu a utopia e petistas só pensam em cargos

Manchete do site de notícias UOL em artigo sobre o seminários “Novos desafios da democracia” realizado no Instituto Lula com a presença do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González

    Prezados leitores, há algum tempo, à época da eleição do partido Syriza para o governo da Grécia, mostrei meu entusiasmo em ver um grupo político tentando propor novas ideias para tirar o país do atoleiro em que se encontrava, formado por dívidas impagáveis, desemprego e recessão. Pois bem, parece que como invarialvemente ocorre com partidos de esquerda que chegam ao poder, o sonho virou pó. É verdade que o apoio popular ao Syriza nunca foi muito grande, eleito com apenas 36% dos votos, o que diminui bastante sua capacidade de impor uma determinada agenda. Para piorar, o lado de lá é extremamente forte porque unido: FMI, Banco Central Europeu, União Europeia, Comissão Europeia, Alemanha, França individualmente como os países mais fortes e até os pobrecitos do Club Med europeu como Portugal e Espanha, que querem que a Grécia não seja poupada de nenhum dos sofrimentos pelos quais portugueses e espanhóis têm passado para honrar suas dívidas. De qualquer forma é decepcionante ver que mais uma vez os sonhos se espatifaram.

    Digo isso em vista das notícias de que Alex Tsipras a fim de chegar a um acordo para a rolagem da dívida grega resolveu ceder em relação a pontos que eram considerados inegociáveis: concordou em aumentar o imposto sobre o valor agregado em 23% e o imposto sobre rendimentos de mais de 30.000 euros por ano. Não consegui obter mais detalhes se tal proposta, que aparentemente agradou os credores, inclui as privatizações tão recomendadas pelo FMI. De qualquer forma, o fato de Tsipras nem falar em saída da Grécia do euro, o que reflete o desejo dos gregos de permanecerem na UE, enfraquece sua posição, porque não permite que ele acene com o espectro do calote e do retorno à dracma para arrancar concessões dos defensores dos interesses dos bancos alemães e holandeses que não querem levar uma banana dos gregos.

    Numa situação como essa, a única saída para q ue a esquerda grega pudesse fazer jus a suas promessas seria que o povo mudasse de ideia e passasse a considerar seriamente a possibilidade de sair do clube Europa cujas mensalidades estão ficando caras demais. Afinal uma andorinha sozinha não faz verão: para enfrentar Christine Lagarde, Angela Merkel, Jean-Claude Juncker só mesmo Tsipras tendo atrás de si o povo grego ameaçando quebrar tudo se novas medidas de austeridade forem impostas. Afinal força se enfrenta com força, não esperanças de que a outra parte será condescendente com o infortúnio alheio. Até o momento isso está longe de acontecer.

    No domingo dia 21 houve protestos em frente ao parlamento grego, mas reuniram somente sete mil pessoas. A resignação e o fatalismo parecem ter tomado conta de tudo e os gregos estão prontos a serem imolados novamente para que o país fique em dia com os pagamentos do baú da felicidade. Mas claro, se o acordo que Tsipras está prestes a firmar trouxer algum benefício para a população em termos de melhora da qualidade de vida vou calar minha boca e dizer que em vez de ser um iludido ou ilusionista que se rendeu às duras realidades da vida, direi que se trata de um político sensato e pragmático que conquistou o que antes considerava-se impossível: a volta do crescimento econômico e do emprego na Grécia.

    Ou talvez eu nunca tenha condições de chegar a um julgamento definitivo sobre a experiência de Alex Tsipras no governo grego, mesmo porque não consigo chegar a uma conclusão nem sobre o nosso próprio líder de esquerda, Lula, que hoje fez um mea culpa meia-boca acusando os membros do partido de terem sido picados pela mosca azul do poder. Será que ele está passando por uma crise existencial e dando-se conta de que as utopias sobre justiça social, distribuição de renda, prosperidade para todos não resistiram à dura realidade do exercício do poder em um país cujo regime político fica a meio caminho entre parlamentarismo e presidencialismo? Ou será que é tudo um jogo de cena para transferir as culpas pelos vícios aos outros, e assim blindar-se para as próximas eleições presidenciais? Em suma, será Lula um iludido que pensou que com seu carisma poderia mudar o Brasil ou um ilusionista que manipula as carências de determinadas partes da população para conquistar o poder? Será que Lula deixará um legado de longo prazo à sociedade brasileira em termos de uma melhora sustentável para a parcela da população brasileira beneficiada por seus programas sociais?

    Prezados leitores, como já deixei claro anteriormente neste meu humilde espaço, eu me identifico com pensadores como Hobbes, Burke, De Maistre que enfatizavam a emoção, o instinto, as tradições e os valores profundos de um povo para explicar os acontecimentos históricos, e nutro uma antipatia natural por otimistas como Rousseau, Robespierre, Marx, Trotsky que achavam que a natureza humana pode ser moldada e aprimorada à luz da razão para felicidade de todos no longo prazo. Isso não significa dizer que proponho que devamos ficar inertes em face dos desmandos, da prepotência, da desfaçatez, mas simplesmente que tenhamos consciência de que todos nós, sem exceção, por melhores que sejam nossas intenções, cometeremos erros e não conseguiremos realizar grande parte daquilo que havíamos nos proposto. Talvez a reflexão de Lula, se for verdadeira e não for simplesmente oportunista, e o cruzamento da linha vermelha por parte de Alex Tsipras sejam fruto dessa constatação.

    A esquerda, que ao longo da história, tem tido o monopólio das utopias, tem por isso mesmo a maior propensão a decepcionar e a causar um movimento contrário dos realistas de direita. Napoleão e suas guerras sem fim foram uma reação aos desvarios da Revolução Francesa na época do Terror, a ditadura de 1964 no Brasil foi uma reação às boas e ineficazes intenções de Jango Goulart. Será que estamos entrando em uma época pós-Lula de reação às utopias perdidas? Será que gregos e brasileiros pagarão o preço dos sonhos desfeitos ou das pedaladas fiscais num e noutro país (não sei o nome que na Grécia dá-se ao excesso de gastos do governo)? Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos.

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