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Convite à fogueira

Posted by on 25/11/2015

Além dos conflitos religiosos, é óbvio que o conjunto do sistema político e social da região é determinado e fragilizado pela concentração de recursos petrolíferos em pequenos territórios despovoados. Examinando a zona que vai do Egito ao Irã, passando pela Síria, Iraque e Península Arábica, o que totaliza mais ou menos 300 milhões de habitantes, constata-se que as monarquias petrolíferas respondem por 60 % a 70 % do PIB regional e têm menos de 10 % da população, o que faz da região [Oriente Médio] a mais desigual do planeta.

Trecho retirado do artigo “A ênfase total na segurança não será suficiente” publicado na edição eletrônica do jornal Le Monde de 24 de novembro e de autoria do economista francês Thomas Piketty

Uma vez mais assistimos a uma tentativa revoltante de aterrorizar civis inocentes. Este não é um ataque somente a Paris, não somente ao povo francês, mas um ataque a toda a humanidade e aos valores que compartilhamos.

Declaração do Presidente Barack Obama sobre o s atentados terroristas ocorridos em Paris em 13 de novembro

    Prezados leitores, vocês sabem qual a origem da expressão “fogueira das vaidades”? Se hoje ela é metafórica, no ano de 1497 ele teve um sentido muito literal em Florença, no norte do que hoje é a Itália. Naquela data, o pregador dominicano Girolamo Savonarola (1452-1498) convidou os florentinos, na época do carnaval, a regenerarem-se pela expiação dos seus pecados para que a terra dos Médici pudesse tornar-se a Cidade de Deus na Terra. Para tanto, Savonarola convidou todos à fogueira, isto é, incitou seus concidadãos a queimar tudo aquilo que fosse símbolo das fraquezas humanas, entre as quais uma das mais conspícuas era a vaidade. E assim foi feito: ornamentos pessoais, figuras libidinosas, cartas de baralho e tábuas de jogo foram queimados na grande fogueira montada por Savonarola, que acabou ele mesmo virando brasa depois de ser barbaramente torturado e enforcado um ano depois. Mas o destino de Savonarola e o porquê do seu fracasso não interessam aos propósitos deste artigo. Fiquemos com o fogo, pois meu propósito aqui é imitar o pregador e incitar meu pequeno séquito a lançar ao fogo certos símbolos dos pecados que assolam o espírito humano.

    Eu começaria humildemente colocando para queimar os grandes óculos modernos e escuros da jornalista Cláudia Cruz, mulher do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pois denotam tanto a ganância do casal, detentor de contas na Suíça, quanto a tendência a escamotear a realidade mostrada pela dupla, que se nega a enxergar a realidade: a realidade de que o mínimo de decência teria levado o deputado carioca a renunciar há muito tempo, quando a mentira deslavada que ele contou a respeito da não existência de dinheiro seu em terras helvéticas foi descoberta na Operação Lava-Jato. Cultivo a esperança de que se dona Cláudia jogasse esses óculos fora ela veria a luz e convenceria o marido a finalmente largar o osso. Mas temo que Cunha seja peça por demais importante para os partidários do impeachment a qualquer custo de forma que os indignados políticos que denunciam a improbidade administrativa de Dona Dilma estarão dispostos a fechar os olhos para as derrapadas daquele que é o instrumento para tirá-la do poder, o evangélico Cunha. Afinal, como ensinou (ou dizem que ensinou) um outro florentino famoso, Niccolò Machiavelli, “os fins justificam os meios”.

    Livrar-se da cupidez de “novos-ricos” e da cara de pau do primeiro-casal do Legislativo brasileiro seria um avanço, mas pretendo ir além. Convido o presidente americano a expiar sua sua bazófia e hipocrisia jogando na fogueira o seu Prêmio Nobel da Paz. Do alto da sua superioridade moral, o presidente-professor ou professor-presidente denuncia aqueles que não compartilham os tais dos valores ocidentais. Quais são eles? Será que ele quer dizer democracia? Mas então, se os Estados Unidos defendem a democracia no Oriente Médio, porque Mohamad Morsi eleito em 2012 pelo povo egípcio para o cargo de presidente foi defenestrado pelos militares em 2013, sem que os Estados Unidos intervisse? E por que os Estados Unidos apóiam incondicionalmente a Arábia Saudita que trata trabalhadores imigrantes e mulheres como semi-escravos? Será que para o Prêmio Nobel da Paz os valores ocidentais incluem a solução pacífica de conflitos? E por que os países ocidentais instigaram a guerra civil na Líbia para depor Muammar Al-Kaddafi em 2011, na Síria para depor Bashar Al-Assad e na Ucrânia para depor Viktor Yanukovytch em 2014? Por acaso esses países estão em uma situação melhor depois das intervenções benevolentes, tenham sido elas abertas, como na Líbia e Síria, ou pelo apoio a grupos internos como na Ucrânia? Será que a destruição do patrimônio cultural da Síria, um dos países mais antigos do mundo, de rica história, valeu a pena em nome da vitória final da democracia contra um ditador sanguinário? Será que a morte de 500.000 iraquianos desde a intervenção americana no país serviu para a defesa dos valores ocidentais?

   Em suma, admitindo que os ataques terroristas em Paris tenham sido autênticos e não, conforme é minha suspeita, trabalho de inocentes úteis manipulados sorrateiramente por forças de segurança que querem semear o medo para aumentar seu poder, faz sentido que os Estados Unidos e a própria França adotem essa postura de virgens impolutas diante dos bárbaros que querem destruir a civilização? Como mostra Thomas Piketty em seu artigo, o buraco no Oriente Médio é muito mais embaixo e descer o cacete nos terroristas islâmicos não vai contribuir para que o Oriente Médio tenha sociedades mais justas e prósperas que não levem homens jovens sem perspectivas a perseguir o sonho da jihad para preencher o vácuo existencial.

    Finalmente, proponho jogar na fogueira das vaidades todas essas revistas de negócios e economia que nos oferecem o modelo do capitalista do século XXI. Elas já haviam nos enfiado goela abaixo Eike Batista como paradigma de criador de riquezas e este André Esteves, que acaba de ser preso por participar de negociações escusas envolvendo a Petrobrás, é celebridade há anos. Afinal, o homem tem apenas 46 anos e já tem fortuna de 2 bilhões de dólares, e em 2012 foi considerado uma das 50 pessoas mais influentes pela agência de notícias Bloomberg. Mas que tipo de influência? Benigna ou maligna? A capacidade de fazer seu dinheiro multiplicar exponencialmente é necessariamente boa para a sociedade? Quantos empregos o senhor André Esteves criou ao longo de sua meteórica carreira? Quantos ele fez desaparecer? Será que ser banqueiro em um país como o Brasil, cujo governo é cronicamente deficitário e precisa tomar empréstimos sempre, requer tantas habilidades assim? Empresário por empresário prefiro o finado Antônio Ermírio, cuja Votorantim fazia parte do cartel do cimento, é verdade, mas que ao menos deixou obras concretas, como fábricas, escolas e hospitais. Entre o capitalismo industrial de um e o capitalismo financeiro do outro, prefiro o primeiro, pois o legado não são só algoritmos de computador que permitem transferências de dinheiro em tempo real. Não nego a perspicácia financeira, a capacidade de assumir riscos do senhor Esteves, mas como estamos vendo pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato, essas qualidades parecem estar sendo usadas para fins não muito dignos. Jogar todas essas publicações que tecem loas aos homens de negócio brasileiros no lixo é uma forma de expiar o pecado do açodamento destes jornalistas cujo único critério de avaliação parece ser o do tamanho da conta bancária do indivíduo, independentemente dos efeitos da sua atuação sobre a vida dos brasileiros comuns.

    Prezados leitores, o final de ano é uma época propícia a realizar uma queima total de estoques. Façam o mesmo que eu e joguem na fogueira tudo o que é inútil, vão e pernicioso. Se depois disso o Brasil não transformar-se na concretização do plano divino vislumbrado por Savonarola para sua Florença natal ao menos vocês terão desopilado o fígado.

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