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Uberizando-se

Posted by on 02/12/2015

O trabalho que produz commodities é trabalho despido de qualquer qualidade. A individualidade do trabalho é perdida, e as formas específicas do trabalho são perdidas quando da sua abstração e transformação em dinheiro. O trabalho que produz commodities é o trabalho que cria valor de troca em vez do valor de uso para o trabalhador.

Trecho retirado do livro “Alienation and Central Planning in Marx escrito pelo economista americano Paul Craig Roberts

Antigamente a indústria da prostituição na Grécia era dominada pelas mulheres da Europa Central e do Leste Europeu, mas seis anos de austeridade financeira asfixiante forçaram as mulheres gregas a exercer uma profissão na qual agora elas oferecem alguns dos preços mais baixos do continente. A deprimente competição levou meninas e estudantes a cortar drasticamente os preços e oferecer encontros sexuais em troca de algo para comer.

Trecho de artigo publicado na versão eletrônica do jornal londrino The Times em 27 de novembro

    Prezados leitores, vocês sabem qual o valor de mercado da empresa americana Uber, fundada na Califórnia em 2009? 51 bilhões de dólares. A Uber revolucionou o transporte urbano de passageiros introduzindo o conceito de e-hailing que permite chamar um táxi pelo smartphone e pagar pela corrida usando informações do cartão de crédito armazenadas no próprio dispositivo móvel. Para o usuário, fica mais rápido e fácil ter acesso a um meio de transporte confortável na hora que quiser, e para a empresa que oferece o serviço o custo da operação é muito baixo, pois não é preciso montar uma estrutura física de recebimento de pedidos de táxi pelo telefone. Além disso, a alocação dos carros é muito mais eficiente, pois o usuário sempre tem acesso àquele que está mais perto, por meio da localização pelo GPS. Sem dúvida uma maravilhosa criação mercadológica.

    Maravilhosa para uns, infernal para outros. Pensem nas telefonistas que trabalham ou trabalhavam em empresas de rádio-taxi, pensem nos taxistas que pagam taxas de licenciamento à prefeitura e ficam esperando o cliente parados no ponto ou rodando pelas ruas às vezes ficando horas sem conseguir um passageiro. Para estes dois grupos o UBER é a besta do apocalipse, pois os tira do mercado oferecendo o mesmo produto a um preço infinitamente menor. Os taxistas estão lutando bravamente, tendo conseguido em São Paulo que fosse aprovada uma lei proibindo aplicativos para o transporte individual de passageiros em carros particulares. Recentemente em Porto Alegre, a mesma vedação foi aprovada pelos vereadores, enquanto no Rio de Janeiro a justiça suspendeu em outubro a lei proibidora que havia sido aprovada, e a coisa está indefinida na Cidade Maravilhosa. Mas sabemos que tais vitórias são pírricas, o jeito UBER de oferecer serviços de transporte irá comendo pelas beiradas até que a realidade seja tão gritante que o lobby do sindicato dos taxistas será inócuo.

    O objetivo de eu falar sobre a briga entre os representantes da velha guarda e os revolucionários motoristas particulares é que ela já deu ensejo a um conceito que retrata os dramas da vida no século XXI, a uberização. Se alguém perguntar-lhe: “você já se uberizou?” não se assuste e responda tranquilamente depois de analisar sua situação profissional. Uberizar-se é transformar-se em um produto ou mercadoria que pode ser oferecido a um preço menor alhures. Os taxistas foram uberizados por um aplicativo no smartphone, assim como os hotéis foram uberizados pelo Airbnb, “serviço online comunitário para as pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações”, conforme informado na Wikipedia. A Airbnb é outra empresa californiana como a Uber, fundada em 2008 que revolucionou o serviço de hospedagem porque é capaz de oferecer um lugar limpo, seguro e confortável para ficar a preços infinitamente melhores do que o de hotéis. Eu mesma já fiquei hospedada em apartamentos ofertados no airbnb.com na Itália, Espanha, Grécia e Argentina, e nunca tive nenhum grande problema: o que foi prometido foi cumprido, o que permitiu a mim, pobre trabalhadora que ganha em reais, a economizar dinheiro não só na hospedagem como na comida, já que eu podia prepará-la em “casa” utilizando ingredientes comprados no Lidl, o supermercado frequentado pela plebe europeia. O airbnb também tem provocado reações, como era de se esperar, o procurador-geral de Nova York Eric Schneidermann classificou as acomodações airbnb como hotéis ilegais, porque são alugadas por menos de trinta dias enquanto os donos não estão ali. Enfim, fica difícil imaginar como alguns tipos de hospedagem poderão sobreviver à concorrência do airbnb, porque a lógica da uberização é implacável: o vencedor é aquele que oferece a melhor relação custo-benefício. Portanto rezemos uma missa de réquiem para os donos de modestas pousadas e hóteis de até três estrelas, pois seu serviço transformou-se em uma commodity: algo que não tem nada de especial, que não agrega valor, e a única maneira de ganhar dinheiro acaba sendo pela oferta de grandes volumes a preços baixos.

    Uber e Airbnb são só dois exemplos dessa commoditização, que também foi obtida pela Amazon, com suas vendas de livros on-line. Quem ainda visita livrarias para folhear as páginas e escolher nas prateleiras de madeira o que comprar? O que um estabelecimento físico oferece a mais do que uma loja eletrônica? Conselhos do livreiro? Por acaso o Amazon não dá estrelas aos livros de acordo com a crítica de pessoas que já o compraram? Por acaso os softwares de CRM não oferecem produtos aos clientes que se encaixam à perfeição nos seus gostos, cujo padrão foi obtido pela análise do histórico de compras? Para que ter uma pessoa no balcão dando palpites e conselhos sobre o que o cliente deveria ler se algoritmos leem nossa mente? Não posso também deixar de citar as farmácias on-line, em que basta anexar a receita do médico e pode-se comprar vários tipos de remédios ao clique do mouse. Em um país como o Brasil, em que o papel do farmacêutico sempre foi surrupiado pelo médico, o advento do comércio eletrônico de remédios pode ser a pá de cal na possibilidade de os “boticários” terem alguma relevância para a saúde dos brasileiros.

    Os gurus da administração e da economia dizem que a extinção de atividades não importa, o que importa é a capacidade de gerar novas funções. O conselho padrão é que se você passou pelo processo de uberização, mexa-se, adquira novos conhecimentos para agregar valor ao seu trabalho e assim voltar a tornar-se comercializável no mercado, afinal o velho Marx nos ensinou que o que distingue o capitalismo dos outros sistemas econômicos é que a produção sempre visa atender a necessidade dos invisíveis participantes da entidade chamada mercado. Portanto, aprender filosofia pode até aumentar o conhecimento do indivíduo, mas só vai torná-lo um produto comercializável se houver agentes dispostos a oferecer um preço por esse ser filosofante. Marco Rubio, pré-candidato republicano às eleições presidenciais americanas de 2016, resumiu bem esse imperativo ao dizer no quarto debate dos que disputarão as primárias a partir de fevereiro que “Os soldadores ganham mais dinheiro do que os filósofos. Precisamos de mais soldadores e menos filósofos.” O senador da Flórida quis dizer com isso que o ensino técnico deveria ser estimulado para que as pessoas pudessem ter um ofício demandável que lhes permita arranjar um emprego.

    O fato é que o fantasma da uberização está à espreita de todos e os políticos sempre oferecem uma solução mágica para garantir que as pessoas possam continuar tendo valor de troca: investimento em educação, diminuição da carga tributária, simplificação da burocracia para criação de empregos, etc. No final das contas, não há um método infalível. Quem haveria de imaginar que a Grécia, que investiu pesadamente na infraestrutura para sediar os Jogos Olímpicos em 2004 (pude andar no metrô de Atenas e garanto que é novíssimo em folha) e é membro da União Europeia está em uma tal situação que as estudantes mulheres estão vendendo seu corpo? A prostituição pode ser considerada o paroxismo da commoditização, já que qualquer um pode dedicar-se a ela, independentemente de qualquer habilidade intelectual ou qualidade física. E no entanto, assim está acontecendo no berço da civilização ocidental em pleno século XXI.

    Prezados leitores, uberizar-se talvez seja uma questão de sobrevivência, mas não exageremos. Desejo-lhes que se isso acontecer com vocês, livrem-se logo da maldição e transmutem-se em uma nova marca no mercado que atraia os consumidores.

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