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Sob o sol da…

Posted by on 15/02/2016

“As águas são esmeraldas, o pôr do sol, alaranjado; as terras, azuis.”

Comentário do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) sobre a região da Provença, no sul da França

“Tínhamos sol, água e terra. Hoje temos sol demais, água de menos, terra poluída.”

Resposta do economista Edmar Bacha à pergunta “O Brasil tem jeito?” posta pelo jornalista Ancelmo Gois na edição de domingo, 14 de fevereiro do jornal O Globo.

“Estamos em 1776. Os hábitos de higiene no Rio de Janeiro são precários. Precaríssimos. A cidade é uma fedentina só. As pessoas estão acostumadas a fazer necessidades num balde, depois esvaziado na janela. As residências não possuem banheiros nem equipamentos sanitários.”

Trecho extraído do livro “A História do Brasil são outros 500” de Cláudio Vieira

    Prezados leitores, há duas semanas, os que me acompanham neste humilde espaço hão de lembrar que pedi aos ratos e urubus que largassem minha fantasia, o que foi uma maneira metafórica de torcer para que o vírus da zika não me pegasse em minhas férias carnavalescas. Com a ajuda da eficientíssima icaridina, passei incólume, posso dar-me por satisfeita: entrei em Maceió, nas Alagoas como turista e saí como turista e aqui falarei sob a perspectiva de uma turista que sai à cata de beleza em algum lugar do mundo.

    Com isso quero dizer que a experiência do turista deve seguir um roteiro esperado: o deleite com as coisas boas e o não contato com as coisas ruins. Quem vai para o Nordeste vai em busca do sol esplêndido que dá os vários tons de azul e verde da água do mar, o contraste do amarelo da areia e do vermelho das falésias com o Oceano Atlântico a perder de vista. Ficar ali, observando as ilhas cheias de árvores, as ondas ao longe batendo fez-me ter inveja dos índios que antes do trágico encontro com os europeus tinham tudo aquilo para si. Claro que seria ingênuo acreditar que o Brasil era o paraíso terrestre descrito por Pero Vaz de Caminha ao chegar à ilha de Vera Cruz. Afinal, os habitantes destas plagas precisavam conseguir o que comer e do que viver e para isso precisavam plantar, caçar, pescar e guerrear entre si.

    De qualquer forma, fazer tudo isso sob um sol resplandecente que dá beleza a tudo o que toca alegra a alma. Não é à toa que Van Gogh pintou alguns dos seus melhores quadros, como A Casa Amarela, O Café à Noite na Praça Lamartine e Quarto em Arles, quando esteve na região da França onde produziu mais de 300 obras, inspirado que foi pelas mais de 2.500 horas de sol anuais. Não estou aqui a comparar-me com o gênio holandês, pois o máximo que conseguirei produzir sobre o sol de Maceió será este opúsculo. Meu objetivo é simplesmente apontar que mesmo para um homem que sofria de depressão como ele o sol teve claros efeitos benéficos.

    Sim, minha alma lagarteou lânguida sob a luz do Nordeste. E no entanto, meu deslumbramento à la Pero Vaz de Caminha e Van Gogh conviveu nos cinco dias em que estive na capital do Estado de Alagoas com meu espanto ao constatar como tudo é sujo! No primeiro dia de minha jornada caminhei pela orla da Praia da Pajuçara, onde estava hospedada, até Cruz das Almas, e não deixei de ver o esgoto fluindo para o mar em nenhum dos locais por que passei. Pior, uma medida básica de colocar cestos de lixo se não na areia ao menos na fronteira entre ela e a calçada não é tomada nem pelo prefeito nem pelo governador, o que faz com que nos deparemos com latas de cerveja, copos de plástico e outras cositas más tanto em terra firme quanto no mar. E isso não foi só na cidade, mas também nas praias distantes alguns quilômetros de Maceió. Onde quer que se olhe há entulho, esgoto, sujeira. Reclamei desse estado de coisas com o recepcionista do hotel e ele repetiu o velho bordão de que é preciso educar o povo. Aos nativos com quem almocei na capital alagoana fui mais cautelosa na crítica, para não ferir susceptibilidades, mas, por serem pessoas esclarecidas, concordaram que há emporcalhamento demais em um local turístico que deveria estar brilhando de limpo.

    Não sei qual a solução para voltarmos às priscas eras em que a natureza era imaculada e nem estou aqui a dizer que São Paulo, onde moro, é um exemplo de limpeza comparado a Alagoas. Mas ficar esbarrando em objetos ao nadar e sentir cheiros nauseabundos quando estamos a flanar é mais chocante em um local que quer vender-se como belo e atraente. E realmente Alagoas precisa dos turistas. As crianças maltrapilhas vêm aos bandos nos pedir comida, os taxistas nos dizem que lá só há fazendas de coco e turismo como atividade econômica. De fato, o setor de serviços respondeu por 72% do PIB do Estado em 2013 e a agricultura por 10% do PIB de acordo com a publicação “Alagoas em Números” divulgada pela Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio. Para terem uma ideia do que estou falando a respeito da sujeira predominante, vou dar-lhes mais um número da terra de Graciliano Ramos: a rede de esgoto atendia em 2013 581.619 pessoas de um total no Estado de 3.340.932 em 2015, ou seja, mais ou menos (o cálculo não é exato porque o ano de referência é diferente) 20% dos alagoanos têm acesso ao saneamento básico. Governador José Renan Calheiros Filho, cuide das latrinas do seu povo que os turistas do Sul Maravilha com certeza acharão Alagoas uma beleza!

    Prezados leitores, não há como deixar de concordar com a opinião de Edmar Bacha sobre o que nós brasileiros fizemos com a terra onde se plantando tudo dá e onde os índios banhavam-se até dez vezes ao dia, na profusão de rios límpidos que aqui corriam. Não mais jogamos as águas servidas pela janela, mas num momento em que o mosquito da dengue, da zika e da chikungunya está manchando nossa reputação aos olhos do mundo, o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, intitulada “Casa Comum, Nossa Responsabilidade” vem bem a calhar. Caso não sigamos os conselhos da CNBB, o turista das regiões mais prósperas do Brasil trocará definitivamente o sol do Nordeste pelo sol da Provença e de outros lugares mais salubres.

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