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Mais uma jaboticaba

Posted by on 25/10/2016

Os planos de saúde populares resolvem o problema da área privada que está perdendo clientela, já que boa parte da população está desempregada e com pouco dinheiro para manter seus planos de saúde nos moldes atuais. Já ao congelar investimentos, o governo sinaliza ao mercado que os recursos da União serão usados para garantir o pagamento dos juros da dívida pública, o que certamente contará com os aplausos do mercado.

Trecho de entrevista dada por Sônia Fleury, professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV) à revista CAASP edição 25

O governo despendeu no ano passado 397 bilhões de reais com o pagamento de juros da dívida pública, quase o equivalente ao valor gasto com benefícios previdenciários (436 bilhões de reais). Por que não reduzir esse montante em vez de congelar o Orçamento? Seria necessário baixar as taxas de juros para que esse gasto também diminuísse, mas isso só será possível quando a inflação começar a ceder.

Trecho de artigo “Congelar para crescer” publicado na revista Veja de 19 de outubro

    Prezados leitores, acabamos de inventar mias uma versão da jaboticaba, produto genuinamente nacional. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional 241, a chamada PEC do Teto que acaba de ser aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados em Brasília e que pretende congelar os gastos públicos por um prazo de 20 anos. Ela tem características frutíferas porque, de acordo com estudo do FMI, a proposta de imposição de limite às despesas governamentais prevista na PEC do Teto é diferente de outras medidas adotadas alhures pelo mundo.

    Meu objetivo aqui é explicar aos meus leitores o objetivo da PEC, sem ataques pessoais à coitada como têm feito alguns sindicatos como a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação e a CUT, que lhe deram a alcunha de PEC da Morte. Dilma Rousseff, a presidente defenestrada, em entrevista à rádio Guaíba no dia 13 de outubro, chamou-lhe de PEC do mal, PEC contra os pobres e no dia 24 de outubro em evento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disse que a PEC 241 é grave. Paixões à parte, é possível determinar as metas pretendidas pelo governo e prever seus possíveis efeitos independentemente de inclinações à esquerda e à direita, com base no problema identificado pelas autoridades.

    O problema já foi tratado neste meu humilde espaço inúmeras vezes: o descalabro das contas públicas. O rombo (isto é, saldo negativo de receitas menos despesas) atualmente é de 170 bilhões de reais, e a dívida corresponde a 70% do PIB. O saldo primário, que é o resultado de todas as receitas menos despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros, ficou em -0,57% do PIB em 2014 e em -1,88% do PIB em 2015, que foi o pior resultado da história. Prevê-se que em 2016 o déficit primário fique um pouco menor, em -1,7%, de acordo com o FMI, que considera que só voltaremos a ter superávit primário em 2020. Trocando em miúdos, não ter um saldo positivo nessa conta significa que não estamos economizando o suficiente para termos uma reserva que nos permita pagar os juros da dívida pública, e esse é o ponto fundamental nessa celeuma toda.

    É o ponto fundamental porque o governo coloca como meta para controlar o crescimento das despesas a um ritmo maior do que as receitas que em 2036 consigamos ter um superávit primário de 4,4% do PIB, portanto uma total reversão do quadro atual. De acordo com as projeções dos economistas José Márcio Camargo e André Gamerman, se não houver esse congelamento dos gastos proposto pela PEC 241, em 2036 teremos um déficit primário de -2,7% o que nos faria bater recorde atrás de recorde nesse quesito. Gerando um robusto saldo positivo estabilizaríamos a dívida em 81,9% do PIB em 2036, ao passo que se mantermos essa tendência de incapacidade de pouparmos para pagar os juros da dívida a relação desta com o PIB dispararia para 166% do PIB. A lógica por trás da PEC é a seguinte: se não fizermos reservas não teremos condições de pagar juros, se não pagarmos os juros teremos que contratar novos empréstimos para cobrir os juros não pagos em condições cada vez mais draconianas impostas pelos credores, leia-se, com juros cada vez mais altos. Fazendo a reserva, isto é, gerando superávits primários, poderemos pagar em dia os juros, e com o tempo conseguiremos melhorar o perfil da dívida, diminuindo-lhe o montante pela incidência de juros menores, já que teremos adquirido a confiança dos credores.

    O que distingue a PEC como uma genuína jaboticaba é o fato de que a proposta do governo não coloca limites à evolução da despesa nominal (que consiste na soma do resultado primário descrito acima e do resultado financeiro do governo, que inclui despesas com juros da dívida). A justificativa é que se houvesse tal limite poderia haver o não pagamento de juros quando tal pagamento acarretasse estouro do teto de resultado nominal. Não pagar juros é quebra de contrato e quebra de contrato aumenta a inflação e os juros cobrados pelos credores daqueles que dão calote. Portanto, coloca-se um torniquete no orçamento do governo para garantir que possamos honrar os pagamentos de nossas obrigações financeiras, mas tal torniquete, por sua própria natureza, implicará que à parte os credores da dívida não haverá garantia nenhuma de que outros serão contemplados com dinheiro do orçamento federal.

    Aí é que mora o perigo. Considerando que há os privilegiados de sempre, que têm direitos adquiridos, será que a corda não arrebentará do lado daqueles que não têm poder de pressão porque dependem da capacidade do governo de investir? De acordo com o jornal O Globo de 23 de outubro, 13.790 juízes brasileiros recebem acima do teto constitucional de R$33.763 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso é conseguido por meio de indenizações, gratificações e outros estratagemas, todos perfeitamente legais, porque não ferem a letra da lei, e todos absolutamente imorais, porque ferem o espírito do artigo 37, inciso XI da Constituição.

    Nosso Congresso mostrou-se rápido em aprovar essa PEC para dar tranquilidade ao mercado, leia-se ao mercado financeiro. Terão nosso deputados e senadores coragem para coibir esses abusos dos privilegiados com direitos adquiridos? Considerando o desprezo velado que os membros do Judiciário claramente demonstram pelos membros do Legislativo, como a mostra a ilustríssima Cármen Lúcia recusando-se a encontrar com o Presidente do Senado Renan Calheiros, e o poder dos magistrados de mandar os congressistas para a cadeia, será que podemos ter esperança de que o Legislativo conseguirá convencer o Judiciário a dar sua parcela de contribuição ao esforço de economia? Isso para não falar dos privilégios dos próprios legisladores, para não ficarmos só no Judiciário.

    Prezados leitores, a PEC 241 tem boas intenções, mas na prática, ela corre o risco de resolver um descalabro e criar outro. Controlaremos o crescimento da dívida pública à custa de fazermos com que a atuação do Estado limite-se à realização das despesas obrigatórias. Na prática, as despesas discricionárias, cujo volume mostra a capacidade de investimento público em infraestrutura, no sentido amplo do termo, isto é física e imaterial, serão jogadas aos leões, no coliseu povoado pelos empresários das PPPs, pelas operadoras de planos que terão um papel cada vez maior e não necessariamente melhor na prestação de serviços de saúde, pelas universidades particulares que conseguem um mercado cativo de clientes por meio do FIES independentemente da qualidade do diploma que oferecem.

    A PEC 241 seria uma ótima ideia se houvesse um pacto social em que os diferentes grupos cedessem um pouco e chegassem a um consenso. Se ela for aprovada e incorporada à Constituição Federal sem que os beneficiários de direitos adquiridos e aqueles que têm poder econômico para influenciar políticas públicas sejam chamados à ordem, ela significará na prática a renúncia do Estado brasileiro de ter algum papel no estímulo ao nosso desenvolvimento.

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