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Novos paradigmas

Posted by on 06/04/2018

Esse novo paradigma é um paradigma em que você não tem as mesmas preocupações formais do paradigma anterior, você muda o sistema de investigação das provas, você torna o processo mais voltado à denúncia, a obter digamos, os dados que possam fundamentar uma denúncia, você se perde menos nos detalhes, você abre menos brechas para que os advogados possam pedir nulidade a partir de questões processuais deslocando o foco da investigação e do julgamento

Trecho da entrevista dada por José Eduardo Faria, editorialista do jornal O Estado de São Paulo e professor titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito para a edição de abril da revista da CAASP

Quando se consegue convencer uma pessoa indiciada a se voltar contra seus antigos colegas em troca de um crime menos grave ou de uma pena mais leve, os procuradores conseguem fazer a festa. Essa é uma forma de propina — você nos conta no banco das testemunhas aquilo que queremos ouvir e vamos com calma com você — isso é permitido somente aos promotores e os tribunais toleram isso.

Trecho retirado do artigo “O que está procurando Robert Mueller?”, publicado em 5 de abril pelo juiz aposentado americano Andrew Napolitano a respeito das investigações sobre o Presidente Donald Trump

    Prezados leitores, com erros e acertos parece que o Brasil está definitivamente tomando novos rumos no Direito Penal. Esses nossos juristas que foram estudar nos Estados Unidos, entre eles Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, trouxeram novos conceitos e começaram a aplicá-los às atividades do Partido dos Trabalhadores enquanto esteve no poder entre 2002 e 2014. Para ser justa Joaquim Barbosa também o fez no processo do Mensalão, mas neste ano de 2018, o alvo foi um ex-presidente da República, e portanto, o que está em jogo não são simplesmente uns assessores que Lula poderia alegar que atuaram sem o seu conhecimento.

    Quem foi condenado foi o próprio chefe do Executivo federal brasileiro por oito anos, a quem Dallagnol, em seu lendário organograma em uma apresentação em Power Point, comparou a um chefe de organização criminosa. Aliás, nada me tira da cabeça que Dallagnol, ao elaborar aquele organograma, deve ter se inspirado em uma cena do filme O Poderoso Chefão 2, quando Michael Corleone, o capo de tutti capi, é obrigado a comparecer ao Congresso Americano para depor em uma comissão que investiga as atividades da máfia. Enquanto ele está falando há uma projeção na tela do recinto que mostra Michael Corleone no topo do qual saem ramificações referentes a seus subordinados na hierarquia. Dallagnol foi muito ironizado pelos defensores do ex-presidente pelo show midiático, pela versão fantasiosa e espetaculosa apresentada por ele comparando Lula a um Chefe de Organização Criminosa, mas esse tipo de abordagem é de se esperar nesse direito penal de inspiração anglo-saxônica, pois o protagonismo fica sempre com a acusação. Explico-me.

    Quando Reinaldo Azevedo, jornalista que inventou o termo “petralhas” para descrever os partidários fanáticos do PT, e Gleisi Hoffmann, a combativa presidente do partido afirmam que Lula foi condenado sem provas e quando o advogado de defesa Cristiano Zanin alega que Lula teve o direito de defesa cerceado porque Moro não lhe deu a chance de fazer prova em contrário, é preciso entender a perspectiva sob a qual as partes em conflito veem os fatos. Não é possível negar que Moro não encontrou nenhum registro de imóvel em que constasse o nome de Luiz Ignácio ou de sua esposa Marisa como proprietários do tríplex no Guarujá. Também é um fato que Moro negou o pedido de Zanin de produção de provas que consistisse em fazer uma perícia nas contas bancárias de Lula para descartar a possibilidade de ele ter se beneficiado de dinheiro advindo dos contratos firmados entre a OAS e a Petrobras. Também não se encontraram milhões em dinheiro vivo em um apartamento de algum parente de Lula, coo foi o caso de Geddel Vieira Lima. Algum ato executivo específico que o ex-presidente tenha assinado em prol de alguma empreiteira também não havia, o que embora não fosse necessário para tipificar o crime de corrupção passiva, serviria para aumentar a pena e certamente daria mais substância à acusação.

    E no entanto, a despeito de toda essa falta de provas, tais como elas são tradicionalmente concebidas, foi possível montar uma denúncia, fazer o processo desenrolar-se e chegar a uma condenação confirmada na segunda instância por unanimidade. Qual foi o truque do Mandrake? Má fé do Judiciário brasileiro que conspira com a elite para destruir a participação da classe trabalhadora no poder? Ou um novo modo de fazer uma investigação? Vou optar pela segunda opção porque eu não tenho acesso livre aos círculos do poder no Brasil para afirmar categoricamente que houve conluio para destruir Lula. O fato é que Dallagnol e Moro juntos tinham como premissa fundamental que em plena era das transações eletrônicas instantâneas crimes de colarinho branco deixam poucos rastros palpáveis e que a única maneira de entrar nas suas entranhas é valer-se da delação premiada que é um toma lá dá cá, acusações em troca de penas menores. O delator conta aquilo que o promotor quer ouvir, isto é, fala sobre as atividades suspeitas de outro peixe mais graúdo, atividades essas que podem vir a configurar um crime se as pistas dadas pelo delator renderem frutos.

    No caso do nosso ex-presidente foi Leo Pinheiro quem deu a dica do apartamento tríplex no Guarujá como sendo de Lula. Moro ao longo do processo foi descobrindo as notas fiscais que comprovavam que ele havia sido reformado às custas da OAS, que o casal Lula o tinha visitado. Isso tudo são indícios. O fio condutor que permitiu a condenação foi a história contada por Leo Pinheiro, que serviu como chave de interpretação do entra e sai no apartamento, das notas fiscais de gastos com serviços de construção. Daí porque o juiz de Curitiba não deferiu o pedido de Zanin de demonstrar que não havia movimentações bancárias suspeitas nas contas de Lula que pudessem estabelecer um fluxo de dinheiro da OAS para o ex-presidente. Os proponentes do novo direito penal em solo pátrio partem do pressuposto de que em crimes desse tipo o modus operandi é tão sofisticado que o fato de não haver prova cabal de transferências de dinheiro não é motivo para inocentar. Afinal, o promotor e o juiz estavam convencidos, com base na versão de Leo Pinheiro, que havia um bem azeitado esquema de pagamento de propinas e concessão de contratos. Deferir o pedido da defesa de produção dessas provas periciais seria atrasar um processo cuja acusação era já coerente e que não podia ser negada pelas provas indiciárias apresentadas.

    Prezados leitores, a dúvida que fica agora é se esse direito penal dos promotores, da transação, da condenação célere, novidade em um país de tradição jurídica romano-germânica conseguirá consolidar-se aqui nos trópicos ou será um modismo que terá servido para dar impulso à desconstrução do Partido dos Trabalhadores desejada por uma parte da população brasileira. Oxalá ele seja aplicado em todo o espectro político para que a justiça boa ou ruim que ele engendra, seja ao menos cega e valha para todos. Aguardemos aquilo que Paulo Preto o homem da mala dos tucanos paulistas, tem a falar.

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