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E se?

Posted by on 09/11/2018

Todo mundo fala da importância do “carisma” do político. Mas em que pese isso ter uma influência muito grande com os eleitores não tem muito impacto no parlamento, a não ser que impulsionado por outros pontos fortes. Os romanos tinham um checklist útil. […] A prioridade principal eram os amici, os aliados políticos entre os grandes. Eles automaticamente incluíam aqueles conectados pelo sangue, pelo casamento ou por outras associações, mas precisavam espalhar-me muito mais além, em redes de relacionamentos que incorporassem homens com uma ampla gama de históricos políticos, jurídicos e sociais. Essas relações precisavam ser trabalhadas e mantidas por favores feitos e recebidos ao longo de um grande período de tempo: uma tarefa nada fácil. Seu sucesso em estabelecê-las dependia da percepção de que você era confiável – você estava sempre a postos para ajudar os amici – e que você normalmente tinha boa vontade em relação a eles. Seus amici precisavam sentir que no que se refere a obrigações mútuas, você não os decepcionaria. Essas eram as pesadas exigências da amicitia.

Trecho retirado do artigo “Estranhos e irmãos” escrito pelo classicista britânico Peter Jones

As democracias sempre foram espetáculos de turbulência e disputa; sempre se constatou serem incompatíveis com a segurança pessoal e os direitos de propriedade, e no geral tiveram vida curta, pelo fato de terem tido morte violenta.

Trecho retirado do artigo nº 10 do Federalista, escrito por James Madison (1751-1836), 4º Presidente dos Estados Unidos

 

    Prezados leitores, neste artigo proponho uma série de perplexidades que me acometeram nos últimos dias diante da chegada tonitruante do Exército de Brancaleone do presidente eleito Jair Bolsonaro. Minha qualificação refere-se ao fato de o grupo do nosso novo chefe do Executivo que tomará posse em 1º de janeiro ter se mostrado bastante mal organizado e atrapalhado, como o foi o grupo comandado pelo cavaleiro Brancaleone da Nórcia, interpretado no cinema por Vittorio Gasmmann. Como parênteses estive no local em que foi rodado o filme, uma antiga fortaleza em Ravenna, na Itália, que hoje é um tranquilo parque, onde se pode sentar em um banco e apreciar a natureza.

    Esse amadorismo similar ao dos maltrapilhos medievais comandados por Brancaleone não é de se espantar, considerando que o povo brasileiro fez questão de escolher um membro do baixo clero do Congresso Nacional que não tomava parte em grandes esquemas de corrupção, mas também nunca participou das grandes negociações para a aprovação de projetos no Parlamento. O capitão reformado do Exército precisará aprender rápido como lidar com os outros três Poderes da República, algo que lhe é estranho, já que sua habilidade até agora foi a de criticar a cartilha ideológica da esquerda e a sem-vergonhice generalizada. Então, abaixo coloco muitas perguntas que depois das idas e vindas do “Mito” a respeito da embaixada brasileira em Jerusalém, da extinção do Ministério do Meio Ambiente, da reforma da previdência, vieram-me à mente.

    E se a renovação histórica que o povo brasileiro fez de 85% no Senado, e de 54% na Câmara dos Deputados, não adiantar nada porque os neófitos não têm conhecimento dos rituais de funcionamento do Legislativo? E se tiverem que pedir a ajuda de veteranos como Rodrigo Maia para fazer as coisas funcionarem? E se ao pedir a ajuda terão que dar algo em troca? E se ao se recusarem a participar de tomas-lá-dá-cá forem alijados das atividades parlamentares, o que de fato mudará na prática política?

    E se a aprovação relâmpago pelo Senado do aumento de 16% ao STF for reveladora da face negra dos processos criminais contra os políticos, a saber, que todos eles agora têm medo do poder do STF de aprovar a prisão ou ordenar a soltura dos que gozam de foro privilegiado? E se essa aprovação surpresa de uma benesse foi obra de um conchavo entre Dias Toffoli, o presidente do STF, e Eunício Oliveira, presidente do Senado, na base da troca de favores entre os amici descritos por Peter Jones? E se tal conchavo for evidência clara de que o Legislativo é refém do Judiciário, que tem o poder de desconstruir qualquer reputação política? E se a fala do ministro Marco Aurélio, ironizando o voto de pobreza da Ministra Cármen Lúcia, que havia se pronunciado contra o aumento, mostra que o Judiciário tem pouca sensibilidade com os problemas nacionais e dedica-se precipuamente a defender seus próprios interesses, dignos do Premier État?

    E se o comentário de Eunício Oliveira “Não me importo se o Bolsonaro gostará ou não” a respeito da crítica do presidente eleito sobre a aprovação do aumento for um recado a Bolsonaro? E se a mensagem subliminar seja: “não seja ingênuo em achar que o mandato das urnas vai permitir a você fazer o que quiser e ditar ordens, você precisa cultivar os amici para conseguir algo? E se Bolsonaro teimar em não aprender a lição? Vai governar por medidas provisórias respaldadas por seus generais? Vai render-se à negociação de cargos e abandonar o ideal tantas vezes propalado de pautar-se pela competência técnica na escolha de colaboradores?

    E se a aprovação no último dia sete de outra medida-bomba pelo Congresso Nacional, o Rota 2030, que prevê créditos tributários de um bilhão e meio de reais para a indústria automobilística revela-nos uma sinistra verdade, a saber que os deputados e senadores não são representantes do povo, mas de certos grupos de interesse com poder de pressão que pouco se importam com a res publica?  E se a bancada 3 B da bala, do boi e da bíblia, que apoiou maciçamente Bolsonaro, fizer dele refém de suas pautas, reforçando a visão maniqueísta que ele tem demonstrado até agora sobre o meio ambiente, sobre a educação e sobre a segurança?

    E se Bolsonaro mantiver-se fiel à sua rede primária de amigos entre os militares e não angariar outros amici como Eunício de Oliveira? A reforma da previdência será um arranjo meia-boca em que quem vai pagar o pato serão os empregados do setor privado? E se o déficit de 43 bilhões gerado pelos benefícios dados aos militares não for levado em conta porque Bolsonaro defenderá os interesses da sua própria casta e aqueles que o apoiarão no governo, como Augusto Heleno? E se o déficit de 44 bilhões gerados pelos servidores também for deixado de lado porque a bancada dos servidores públicos é firme e atuante no Congresso? Será feita justiça considerando que o regime geral com déficit de 218 bilhões atende cerca de 30 milhões de brasileiros, enquanto o regime próprio dos servidores públicos e militares tem rombo de 90 bilhões, mas atende apenas um milhão de pessoas?

    E se a escolha mais reluzente para a equipe ministerial, a de Sérgio Moro para Ministro da Justiça revelar-se um erro? E se as qualidades de Moro em sua atuação judiciária – capacidade de leitura, de aplicar conceitos abstratos a fatos concretos – não for suficiente para ter sucesso como executor de políticas públicas e gestor de grandes equipes? E se houver conflito entre as responsabilidades de Moro como detentor de um cargo executivo e seus interesses como futuro Ministro do STF, cargo que já lhe foi prometido por seu chefe? E se Moro usar as informações que adquiriu ao longo dos anos da Lava Jato para direcionar as investidas da Polícia Federal contra aqueles que criticarem sua atuação antes da passagem pelo ministério de Bolsonaro e durante ela? E se o combate à corrupção no Executivo e no Judiciário tornar-se uma caça às bruxas travestida de indignação moral? E se passarmos toda a classe política por debaixo do rolo compressor de Sérgio Moro quem sobrará?

    E se Bolsonaro, devido a sua inexperiência de deputado do baixo clero frustrar-se com as negociações demoradas e infrutíferas no Congresso? Atacará os Congressistas pelo Twitter chamando-os todos de corruptos? E se o Judiciário tentar limitar as iniciativas do Presidente em prol da implementação da vontade da maioria conservadora que o elegeu, que quer mais armas, mais bandidos na cadeia e menos direitos das minorias, Bolsonaro irá acatar as decisões de um ministro progressista como Barroso como aplaude de pé as decisões de Moro, que o ajudaram a alçar-se à Presidência? E se Bolsonaro desgostar-se com o Legislativo e o Judiciário, ele pensará na sugestão de seu filho Eduardo dada em julho deste ano?

    E se nossa democracia continuar refém das redes de amici que se distribuem benesses mútuas e das disputas irreconciliáveis por recursos públicos cada vez mais escassos, ela sobreviverá?

    Prezados leitores, reflitam, e deem respostas sim ou não a depender do seu viés otimista ou pessimista.

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