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O difícil parto do diálogo

Posted by on 12/01/2021

– Vamos falar sobre feminismo, você é feminista?

– Não, da maneira como é atualmente definido certamente não.

– Bem, de acordo com alguma outra definição?

– Eu acho que qualquer pessoa que não considere que o ambiente de concorrência deva ser aberto para a igualdade de oportunidades não pensa. Os melhores interesses de todos são mais bem servidos caso as pessoas tenham acesso tão igual às oportunidades de mostrar e manifestar seu talento quanto possível. Mas o feminismo atualmente, e é por isso que ele é tão impopular (uma pequena minoria de mulheres no Reino Unido identificam-se como feministas). E a principal razão disso é que ele se tornou basicamente uma ferramenta ideológica.

Trecho de entrevista dada por Jordan Peterson, professor de Psicologia na Universidade de Toronto no programa Daily Politics da BBC em 22 de maio de 2018

Os diálogos de Platão são claro, uma montagem, mas com um objetivo: mostrar quão problemáticas são as grandes questões, e ao mesmo tempo como, sob a orientação de Sócrates, mesmo que nenhuma conclusão seja obtida, todo mundo acaba entendendo mais claramente a verdadeira natureza das questões. Mas a abordagem abrupta e com base na confrontação adotada por Nick Robinson, em que pese  soar resoluta, nunca levará o entrevistado a respostas produtivas ou esclarecedoras, e muito menos ao diálogo.

Trecho retirado do artigo “Plato derrota o sábio” escrito pelo classicista Peter Jones para sua coluna semanal “Antigo e Moderno” na revista Spectator em 12 de dezembro de 2020

No diálogo socrático,  […] não há ensino que venha se interpor, como um objeto, entre aquele que fala e aquele que escuta, há somente um diálogo interrogativo, sendo o aluno que acha nele mesmo um saber que não sabia possuir. É por isso que não somente aprender é lembrar-se, mas a arte de Sócrates é comparável àquela da parteira: a maiêutica é a arte do questionamento pela qual o mestre faz nascer no discípulo a verdade de que ele era portador, mas havia esquecido.

Trecho retirado do livro “Sócrates” de Jean Brun

    Prezados leitores, conforme já expliquei neste meu humilde espaço em tempos passados, Peter Jones utiliza seu conhecimento sobre a Antiguidade clássica (ele escreveu uma tese de doutorado sobre Homero, defendida na Universidade de Cambridge) para lançar luz sobre o presente, estabelecendo semelhanças e diferenças entre um e outro. No caso da coluna citada acima, Jones critica a técnica de entrevista de Nick Robinson, apresentador do programa Today na BBC, que reclama que não consegue obter nada dos políticos, ao contrário dos cientistas que ele entrevista sobre a COVID. O que ele quer dizer é que os políticos fogem das questões e não respondem diretamente, em que pese ele insistir e tentar o mais possível encurralá-los e tirar-lhes uma resposta clara.

    Para Peter Jones, o erro é de Robinson, não dos políticos que ele entrevista. Seguindo a lição dos diálogos platônicos tais como conduzidos por Sócrates, para discutir um assunto é preciso fazer perguntas ao interlocutor de maneira que ele elabore seus próprios argumentos respondendo às questões e assim entenda o que ele mesmo pensa e as premissas que sustentam seus argumentos, reveladas pelo esforço ao longo do diálogo de obtenção de uma definição dos conceitos. Sem que esse percurso seja feito, um tentará adivinhar aquilo que o outro pensa, as palavras, mal definidas, serão usadas com os mais diferentes significados. No verdadeiro diálogo, os interlocutores contribuem mutuamente para o aumento do conhecimento um do outro, sem que tenham necessariamente que concordar sobre tudo e chegar a uma conclusão infalível sobre o tema da discussão.

    O canadense Jordan Peterson mostra uma formação acadêmica sólida quando tenta seguir esse roteiro sempre que é convidado a dar entrevistas em algum programa de TV. Ele começou a tornar-se conhecido em 2016 quando foi aprovada a BILL C-16, uma lei surgida no Canadá para proteger os indivíduos de discriminação ou para não serem alvo de propaganda de ódio por sua identidade de gênero ou por sua expressão de gênero. Peterson criticou o modo como a lei foi redigida, alegando que um indivíduo poderia ser enquadrado nesta lei, e, portanto, ser acusado de praticar um crime, caso não utilizasse o pronome preferido por uma pessoa transgênera para fazer referência a ela. O uso do pronome errado poderia ser categorizado como discurso de ódio e isso para Peterson era uma limitação à liberdade de expressão.

    O trecho citado acima, ilustra bem que Peterson absorveu a lição socrática ao entabular um diálogo. A entrevistadora lhe pergunta se ele é feminista e quer uma resposta clara para poder categorizá-lo e colocá-lo num campo ou noutro. No entanto, antes de respondê-la, Peterson toma o cuidado de definir o que ele entende por feminismo de acordo com as premissas que ele já estabeleceu anteriormente, quando falou à entrevistadora sobre sua oposição à lei canadense elaborada para o combate à discriminação de gênero. Considerando que há diferenças biológicas e de personalidade entre homens e mulheres, o professor da Universidade de Toronto não considera que seja possível garantir igualdade prática, pois as pessoas têm diferentes inclinações, o que determina em considerável medida sua escolha de profissão e de carreira.

    Assim, para Peterson o movimento de emancipação feminina deve ter como objetivo garantir que qualquer mulher possa ter acesso às oportunidades que lhe permitam desenvolver seus talentos, o que é bom para a sociedade como um todo, pois quanto mais as pessoas puderem concretizar suas capacidades, mais produtivas serão elas e mais benefícios gerarão aos outros. Sob essa ótica, querer garantir que homens e mulheres obtenham os mesmos resultados em quaisquer circunstâncias, que é o que a vertente mais radical do movimento preconiza, exige uma intervenção em termos de cotas de emprego e de equalização salarial muito grande, dadas as diferenças entre os sexos, e é por isso que ele define o feminismo atual como ferramenta ideológica, pois há um projeto de poder, de transferência de renda e de organização da sociedade nele embutido.

    Enfocando primeiro a definição do conceito para desenvolver seus argumentos, Jordan Peterson procura evitar a armadilha de ser tachado como antifeminista pela entrevistadora, mesmo que a primeira pergunta dela deixe claro que a resposta sim ou não que ele der vai colocá-lo a favor ou contra o movimento. Independentemente se ele chegou ou não a um acordo sobre o que é feminismo com sua interlocutora, e se ele compartilha com ela a mesma posição no espectro ideológico, importante é que ele esclareceu onde ele se situa a respeito do assunto e pôde estabelecer algum tipo de senso comum, como o de que desperdiçar o talento de mulheres só pelo fato de elas serem mulheres é prejudicial à sociedade.

    Prezados leitores, seria bom que nas discussões travadas nas mídias sociais as pessoas tivessem a oportunidade e a capacidade de estabelecer os pressupostos básicos de sua linha de raciocínio e desenvolvê-la antes de usarem termos polêmicos, como fascismo, comunismo, racismo sistêmico, racismo estrutural, diversidade e tantos outros que, por falta de definição adequada, acabam sendo usados para estigmatizar os interlocutores, colocando-os em categorias estanques nas batalhas ideológicas que vemos todos os dias.

    De fato, um pouco da maiêutica socrática permitiria que pudéssemos ter verdadeiras trocas, em que reconhecêssemos e respeitássemos as diferenças de pensamento entre nós, e ao mesmo tempo que esclarecêssemos para nós mesmos o que de fato pensamos e em que termos o que pensamos é diferente daquilo que pensam nossos interlocutores. Os desentendimentos, os mal-entendidos diminuiriam porque a transparência sobre a origem e o desenvolvimento das respectivas ideias aumentaria.

    Para os que se interessarem pelo diálogo de Jordan Peterson com a jornalista da BBC, ele está aqui.

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