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A economia e suas falácias

Posted by on 21/04/2022

Usar os juros contra surtos inflacionários é um remédio socialmente amargo. Primeiro, surto inflacionário é principalmente fruto de choques de oferta. Portanto, o remédio pode exigir uma profunda retração de demanda, da produção e do emprego […] Uma elevação da SELIC para dois dígitos poder á jogar o desemprego para além, dos atuais 12 milhões. Pode também restringir o consumo, num país em que quase cem milhões vivem o desespero da insegurança alimentar. E deverá aumentar o rendimento para os ricos, que parecem, a olho nu, ostensivamente mais ricos. […] Se minha análise estiver correta, a austeridade monetária não é só um remédio amargo; é ineficaz, concentradora de renda e politicamente irresponsável.

Trecho retirado do artigo “Juros e a morte súbita da democracia” escrito pelo economista Rogério Studart, associado sênior no Centro de Economia Política do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e publicado no jornal O Globo em 17 de abril

 

O teto de gastos é a condição mais importante para se chegar ao crescimento sustentável. Porém, ele exige reformas, como a administrativa. […] O cumprimento do teto de gastos deve criar condição para que os juros caiam, permitindo aos concessionários se financiarem no mercado privado de capitais.

Trecho da entrevista dada pelo economista Affonso Celso Pastore ao jornal O Estado de São Paulo em 17 de abril sobre o documento que ele preparou para o candidato à presidência Sérgio Moro com diagnósticos e proposições econômicas

Falácias verbais – Essas falácias, chamadas de falácias da ambiguidade, surgem quando a conclusão é obtida por meio de um uso inapropriado das palavras. […] A falácia da figura de linguagem é o caso especial que decorre da confusão entre o sentido comum de uma palavra e seu emprego metafórico, figurativo ou técnico (exemplo: Na última semana, a Joana tem vivido nos píncaros do êxtase.” E qual é o endereço dela lá?”).

Trecho retirado do verbete sobre Lógica Aplicada sobre a edição de 1974 da Enciclopédia Britânica

    Prezados leitores, na semana passada eu abordei as propostas audaciosas que Sergey Glazyev têm para colocar a Rússia no caminho virtuoso seguido pela China em termos de alta crescimento econômico e distribuição de renda e as contrapus à receita da presidente do Banco Central russo, Elvira Nabiullina, que segue a cartilha de austeridade monetária que o FMI preconiza. Nesta semana, continuarei a discorrer sobre esse tópico comparando a opinião do economista da terceira via, Affonso Celso Pastore, cujas sugestões, em suas próprias palavras, fogem dos extremos, que são extremos, que são “extremos populistas, tanto o Lula quanto o Bolsonaro.” Farei isso tentando analisar o conceito de crescimento sustentável preconizado por ele como um exemplo de falácia, tal como definida no trecho que abre este artigo.

    Para Pastore, só estabelecendo o teto de gastos e aderindo rigidamente a ele será possível controlar as despesas governamentais de forma que a dívida pública não aumente exponencialmente, exigindo que as autoridades monetárias subam os juros para atrair recursos de investidores que permitam a rolagem da dívida e a manutenção do valor da moeda. Com o controle das despesas e a menor necessidade de financiamento público, os juros podem diminuir e com juros menores os investidores privados poderão captar dinheiro mais facilmente para investirem em projetos de infraestrutura. Tais investimentos permitirão que o Brasil volte a crescer e se a dívida pública diminuir consistentemente por meio da diminuição constante das despesas governamentais, os juros poderão ser baixados, o que facilitará a concessão de empréstimos aos concessionários que continuarão tomando empréstimos e investindo e fazendo a roda da economia gerar. Nesse sentido, o crescimento será sustentável, pois permanecerá ao longo do tempo pela adesão à receita correta, isto é, à realização de sacrifícios no curto e no médio prazo para colher os frutos no longo prazo.

    Este é o mantra que sustenta o sentido positivo que tais economistas responsáveis, não populistas, dão à expressão crescimento sustentável. E no entanto, se tomarmos o sentido literal de sustentável, podemos nos perguntar: o crescimento pode ser sustentado por quem? Nos ombros de quem será colocado o sacrifício da austeridade fiscal que gerará prosperidade econômica? A resposta quem nos dá é Rogério Studart. É a parcela mais pobre da população que sofrerá em duas frentes: tanto com os juros altos necessários para que o governo possa continuar rolando a dívida pública sem causar a desvalorização excessiva da moeda e a inflação, quanto com o corte das despesas governamentais necessário para que os juros altos possam no futuro cair.

    De um lado, os juros altos fazem com que os capitais disponíveis sejam canalizados para financiar a dívida pública. Sem investimentos produtivos não há geração de empregos, nem oferta de produtos, portanto há alta de preços mesmo não havendo consumo. De outro lado, o corte de despesas governamentais é sentido na pele pelas parcelas mais pobres. Afinal, quando economistas como Pastore falam de reforma administrativa, no mais das vezes na prática o que se consegue fazer, considerando o jogo de forças políticas no Brasil, é cortar as despesas de maneira indiscriminada e os grupos de funcionários públicos que estão na elite conseguem de uma forma ou de outra livrar-se dos sacrifícios fazendo greves ou pressionando deputados e senadores no Congresso por aumentos de salários ou regalias na aposentadoria não disponíveis para os mortais comuns.

    No frigir dos ovos, cortam-se professores, agentes comunitários, médicos, enfermeiros, que não têm o poder de influência que têm a turma de cima dos fiscais da Receita Federal, dos policiais federais, dos membros do Ministério Público, diplomatas, membros de Tribunais de Contas e dos magistrados do Judiciário, consultores legislativos, advogados-gerais, defensores públicos e procuradores da Fazenda, em suma as ditas carreiras típicas de Estado. Assim, esses cortes afetam os serviços públicos utilizados pela população mais pobre, como saúde e educação, e não afetam os serviços públicos prestados ao andar de cima, no caso os serviços de prestação jurisdicional, fiscalização de contas e de obrigações tributárias.

    Os sacrifícios necessários para o crescimento sustentável tal como preconizado por economistas ortodoxos como Affonso Celso Pastore na verdade recaem sobre quem menos deveria pagar o pato, porque tem menos gordura para queimar em termos de renda disponível para absorver altas nos preços e diminuição de serviços públicos gratuitos. E nesse sentido, a austeridade monetária sustentada pela população mais pobre acaba não criando crescimento sustentável nenhum, porque ele nem ocorre conforme prometido por essa receita de sacrifícios e nem tem condições de perdurar.

    A taxa de inflação média entre 2010 e 2021, medida pelo IPCA, ficou em 6.09%, o que é algo a se comemorar, considerando nosso histórico de hiperinflação nas últimas décadas do século XX. Mas tal meta foi conseguida à custa do sacrifício do crescimento econômico, impossível em um ambiente de pouco investimento. Entre 2001 e 2019 o Brasil cresceu 26,3% de acordo com o Banco Mundial, uma média de menos de 1.5% ao ano. E de acordo com números do IBGE, nossa taxa de investimentos como porcentagem do PIB só vem diminuindo desde a década de 90: 18,8% no período entre 1991 e 2000, 18,2% entre 2001 e 2010 e 18% entre 2011 e 2019. Como crescer sustentavelmente sem investimentos? E como haver investimentos produtivos se todo o capital disponível é atraído pelos juros altos oferecidos pelos títulos públicos? Como diminuir tais juros? Impondo os sacrifícios aos mais pobres pelo corte de despesas públicas? É só isso que os economistas “responsáveis” têm a nos oferecer? Mais desemprego e maior concentração de renda? Como garantir crescimento ao longo de vários anos no século XXI sem investir para que a população seja educada e saudável? Afinal, é viável no longo prazo colocar o tipo de crescimento preconizado pelos não populistas nas costas dos brasileiros que não têm representação política para garantir que eles não sejam os principais sustentáculos da conta a ser paga em termos de falta de investimentos, tanto públicos quanto privados, falta de emprego, falta de oferta de bens públicos e privados a preços acessíveis?

    Prezados leitores, a falácia de que somente a austeridade fiscal garante crescimento sustentável está proposta como o único meio-termo entre a polarização à esquerda e à direita. Oxalá que encontremos uma Terceira Via que rechace tal receita fadada ao fracasso, como mostra o desempenho pífio do Brasil no século XXI, que nos torna presos na armadilha de baixos níveis de investimento, de produtividade, de emprego, de renda, de consumo, de oferta e impede que a inflação seja controlada por outros mecanismos que não os juros altos, como por exemplo, pelo choque da oferta. Se continuarmos nessa trilha, ninguém, nem mesmo aqueles que são sempre chamados a fazer sacrifícios, poderá sustentar nosso crescimento.

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