A lama nossa de cada dia

A tecnologia, que foi outrora a chave desta dominação ocidental, parece agora ter-se voltado contra si mesma, e estar exigindo penalidades onde outrora dava recompensas. A injustiça social, o sofrimento espiritual e o desperdício do patrimônio natural do homem têm sido a inesperada colheita de um século de ilimitada expansão industrial no mundo ocidental; e parece que um crescente número de conversos, até aqui, ao credo industrial do Ocidente, começaram a duvidar da conveniência de pagar seu preço similarmente desastroso por uma porção atrasada e também provavelmente exígua da riqueza material do Ocidente.

Trecho retirado do livro Um Estudo da História, publicado pela primeira vez em 1972, do historiador inglês Arnold Toynbee (1889-1975)

Indicado pelo MDB como candidato do partido à presidência do Senado, Renan Calheiros recebeu na noite desta quinta-feira (31) uma ligação do presidente Jair Bolsonaro. No telefonema, o presidente parabenizou o senador pela vitória na bancada. A informação foi confirmada pela assessoria do senador.

Notícia retirada do site G1.

    Prezados leitores, uma das questões abordadas por Arnold Toynbee em sua obra-prima, citada acima, é o desafio posto pela superioridade técnica ocidental às civilizações não ocidentais. O que fazer? Fechar-se ao Ocidente, como fez o Japão até o advento da Era Meiji em 1868 e a China até 1842, quando perdeu a Guerra do Ópio contra o império britânico e viu-se obrigada a abrir seus mercados aos produtos ocidentais? Ou abrir-se ao Ocidente, tentando aprender com ele para não perecer sob suas garras, como fizeram Pedro, o Grande (1672-1725), que deu o pontapé inicial na construção do Império Russo, tal como ele veio consolidar-se no século XX, e Mustafá Kemal Ataturk (1881-1938), fundador da Turquia moderna? O historiador inglês, embasado em seu conhecimento enciclopédico, descreve as diferentes respostas dadas a esse desafio nos quatro cantos do mundo, comparando esse contato com o Ocidente como a exposição do corpo a um elemento estranho. Nesse sentido as consequências podem ser de diferentes tipos para as culturas receptoras da novidade.

    Tal elemento alienígena pode causar uma revolução na sociedade que fica exposta a ele, retirar-lhe o equilíbrio e levá-la à destruição, pela obstinação da cultura tradicional em não contemporizar com os “invasores” ou pode ser absorvido por ela, permitindo-lhe atingir um novo equilíbrio em novas bases mais sintonizadas aos novos tempos, e portanto torná-la capaz de sobreviver ao abalo sísmico provocado pelo Ocidente e até a obter vantagens dele. Há também um meio-termo: a sociedade tradicional adota algumas instituições ocidentais, mas de maneira retirada do contexto em que elas surgiram e ao fazê-lo distorcem seu sentido original e criam arremedos daquilo que foi criado originalmente em países ocidentais. Toynbee menciona explicitamente a democracia e a industrialização, que, introduzidas na África, por exemplo, levam à corrupção da vida pública e à destruição do meio ambiente, respectivamente.

    Para ele, isso se deve ao fato de os países africanos terem sido criados ao sabor dos interesses geopolíticos dos países europeus sem levar em conta o importante detalhe de que os africanos se diferenciavam entre si em termos tribais. Dessa forma, a sociedade de cada nação africana ficou sendo constituída de grupos antagônicos que ao chegarem ao poder por vias democráticas, depois da independência das antigas colônias e da adoção das instituições ocidentais símbolos do progresso, só se importaram em destruir seus inimigos e encher de privilégios seus amigos. As ideias de nação e de democracia, que na Europa do século XIX eram baseadas na unidade étnica e na coesão social, ao serem transplantadas para a África solaparam as autoridades tradicionais, representados pelos chefes de tribo, e criaram países artificiais e instáveis, pois diferentes tribos foram colocadas sob o mesmo teto político, tornando o exercício da democracia difícil. Nesse sentido, os esforços de industrialização empreendidos nesses países foram sempre influenciados por essa democracia falha, que colocava o Estado nas mãos do grupo dominante, e lhes dava as benesses econômicas que o Estado, que exerce o monopólio da tributação, pode dar, às expensas da maioria da população.

    Como não ver semelhanças entre as características econômicas e políticas da África e o nosso Brasil? Esse rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho não é um caso emblemático de industrialização manca e de democracia manca? O fato é que as mineradoras que atuam no Brasil, produtoras de uma das nossas principais commodities de exportação, estão destruindo uma boa parte do nosso patrimônio histórico, cultural e ambiental, e o fazem impunemente porque contam com a conivências das autoridades: dos deputados e senadores que são eleitos com ajuda de doações delas e não endurecem as leis aplicáveis ao setor para não encarecer os custos de produção; dos órgãos ambientais que concedem licenças às mineradoras sem fazerem um estudo aprofundado dos riscos e dos impactos ambientais da atividade.

    Não é só a Vale, especializada em transformar Minas Gerais em sua cloaca, como mostrou em Mariana em 2015 e agora, em 2019, que se beneficia da leniência do Estado Brasileiro. Para quem não se lembra ou não foi informado de maneira apropriada, em fevereiro de 2018, foi constatado vazamento da barragem da mineradora norueguesa Hydro, que atua em Barcarena, no nordeste do Pará, na extração de bauxita. Os rejeitos continham metais pesados como chumbo, que se espalharam pelos igarapés e rios da região devido às fortes chuvas. A Hydro já tinha sido multada pelo Ibama em 2009, mas sabemos que multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização no Brasil, incluindo as agências reguladoras, raramente são pagas. No caso da empresa norueguesa, foram 17 milhões de reais acumulados. No caso da Samarco, subsidiária da Vale responsável pela barragem que destruiu o povoado de Bento Rodrigues, fundado pelos bandeirantes no século XVII, a multa aplicada pelo Ibama, de 350 milhões foi solertemente ignorada e as multas impostas pelo governo estadual. Totalizando 127 milhões de reais, estão sendo pagas em suaves prestações mensais, a perder de vista.

    Como já mencionei aqui quando abordei a questão dos incentivos fiscais dados a determinados grupos sem análise do custo/benefício, nossos representantes no parlamento são na verdade agentes de grupos de interesse num toma lá dá cá que ignora completamente os interesses gerais e de longo prazo do povo brasileiro, em prol dos interesses econômicos de determinados setores, sob a justificativa de criação de empregos e desenvolvimento. Nesse ponto cabe uma pergunta: será que os dólares gerados pela Vale ao longo dos seus 77 anos de vida compensam a destruição dos rios Doce e Paraopeba, o aumento da incidência de doenças como câncer, dengue, zika, leptospirose devido à contaminação da água e do solo? Será que a destruição do potencial turístico dessa região de Brumadinho, que se transformou num cemitério de lama, à la Chernobyl, onde não se pode plantar, pescar nem colher é compensado pelos empregos e pela riqueza proporcionados pela mineração? O que será de Inhotim, o mais importante museu a céu aberto de arte contemporânea do mundo? Atrairá visitantes, estando cercado por essa destruição? Independentemente do cálculo que se faça para responder a essa pergunta, em termos de valorizar os bens intangíveis do povo brasileiro face aos bens tangíveis das empresas aqui instaladas, será que tal ponderação não deveria estar a cargo da sociedade como um todo e não de uma patota que decide entre si o que é melhor para o Brasil com base em seus interesses?

    Sob esse aspecto, nossa democracia tupiniquim padece das mesmas falhas detectadas por Arnold Toynbee na África: a obtenção de status, de prebendas e de postos pelos detentores do poder lá em detrimento do resto é a mesma que aqui. E não tenhamos ilusão: as eleições a cada dois anos em terras brasileiras servem apenas para efetuar um rodízio enganador, pois os princípios de “aos nossos tudo e ao povo cabe pagar a conta” permanecem válidos. Quem acha que a ligação de felicitação feita por Jair Bolsonaro, que se colocou no pleito presidencial como o único homem honesto no mar de lama da política, a Renan Calheiros, senador desde 1995, prenuncia algo bom está querendo manter a fé até o último instante. O mais provável é que o capitão, que pertencia ao baixo clero do Congresso, já percebeu como a coisa funciona e está agitando a bandeira da paz para ser aceito na patota e conseguir algumas concessões. Quem sabe um refresco para seu filho Flávio Bolsonaro ou uma aprovação da reforma da Previdência a toque de caixa, para ele mostrar algum serviço? Vejamos.

    Prezados leitores, a nós, que não pertencemos à patota ou à tribo dominante, resta rezar para que a próxima vítima do capitalismo e da democracia tupiniquins não sejam a Via Sacra e os 12 profetas esculpidos por Aleijadinho, localizados em Congonhas do Campo.

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Esperanças aqui e acolá

Bônus excepcional, desoneração das horas extras, aumento do bônus por atividade. O parlamento adotou definitivamente, na sexta-feira, 21 de dezembro, uma série de medidas a favor do poder de compra decididas pelo Executivo para tentar colocar um fim à crise dos “coletes-amarelos”. Depois que a Assembleia, na noite de quinta para sexta-feira, votou, o Senado, em um procedimento sumário, aprovou na sexta-feira à noite em votação aberta o projeto de lei com “medidas econômicas e sociais urgentes”.

 

Trecho retirado do artigo intitulado “Coletes-amarelos: as medidas de urgência adotadas na Assembleia e no Senado”, publicado na versão eletrônica do jornal francês Le Monde em 21 de dezembro

Isenções de impostos concedidas pelo governo federal a empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento (P & D) aumentaram consideravelmente nos últimos anos: de aproximadamente R$ 5 bilhões em 2008, essas renúncias fiscais somaram R$ 11.3 bilhões em 2015. A ampliação dos incentivos, contudo, não alavancou os investimentos privados em inovação conforme se esperava, como indica um estudo publicado em julho pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA). Em vez disso, houve um efeito de substituição do uso de recursos privados por públicos, explica André Rauen, economista do IPEA e coautor do trabalho. “A desoneração de tributos não incentivou as empresas a investirem em P & D mais do que já investiriam sem o estímulo público”, diz Rauen.

Trecho retirado do artigo intitulado “Zona de Conforto” publicado na edição de dezembro de 2018 da revista pesquisa FAPESP

    Prezados leitores, para quem deseja ter uma outra visão do movimento dos gilets jaunes (coletes-amarelos) que se desenrola na França desde 17 de novembro de 2018, sugiro que assistam no Youtube a um documentário de 23 minutos, de autoria de Vincent Lapierre, legendado em inglês, cujo título é “Les Gilets Jaunes, Acte III Au Couer de la Révolte Jaune”. A visão que tem prevalecido nos nossos jornais e revistas, quando cobrem um evento tão distante da nossa realidade, é que é um movimento sem liderança, de pessoas descontentes que são insufladas a revoltarem-se por meio do compartilhamento de fake news espalhadas pelos russos (A manchete no jornal O Estado de São Paulo de 18 de dezembro era “França vê sinais de incentivo russo na internet a protestos de coletes amarelos”).

    Não vou aqui discutir se os russos estão atuando como influenciadores digitais ou não, pois não tenho e nem terei informações confiáveis que possam embasar uma confirmação ou uma negação das alegações feitas pela Secretaria-Geral da Defesa Nacional da França. É do interesse do governo minimizar a amplitude do movimento e denegri-lo porque ele está ocorrendo em várias cidades do país e ameaça a estabilidade do governo do Presidente Emmanuel Macron, eleito em maio de 2017. Marionetes de Vladimir Putin ou não, ressentidos, enganados pelo conteúdo das mídias sociais ou não, o fato, mostrado no documentário por meio de entrevistas com os participantes no calor da refrega, enquanto escapavam do gás lacrimogêneo, das balas de festim e dos jatos d’água da polícia, é que são franceses comuns, que não conseguem pagar as contas e cujo dinheiro dá até o dia 15 do mês, porque depois entram no vermelho até que o próximo salário seja depositado.

    A indignação deles com o Chefe do Executivo deve-se ao fato de este pedir sacríficos ao povo, na forma de cortes de benefícios sociais, diminuição da cobertura do sistema nacional de saúde, corte de conexões de trem não lucrativas, enquanto abaixa os impostos sobre os mais ricos e as grandes fortunas como incentivo para que potenciais investidores fixem residência no país. Alguns dos coletes-amarelos entrevistados pedem que Macron vá embora e seja inaugurada uma Sexta República, em que o povo tenha voz mais ativa, por meio de referendos e de consultas por meio da internet. Há assim uma clara insatisfação com a democracia parlamentar que, no caso da França, em nome da manutenção do euro como moeda única e da austeridade fiscal necessária para tanto, atende muito mais os interesses dos que pouco dependem dos serviços públicos e por isso impõem sua limitação como medida para cortar os gastos e aumentar a eficiência da economia.

    O interessante de ver no documentário é que essas pessoas, cuja paciência com a indiferença dos políticos se esgotou, sabem que o caminho é árduo: é preciso lidar com as acusações lançadas contra eles, inclusive pelo luminar da esquerda francesa, o filósofo Bernard Henri-Levy, que acusou muitos de serem fascistas, com a repressão violenta da polícia, que tem causado ferimentos graves nos manifestantes, inclusive em idosos, para não falar do frio e da chuva típicos dessa época do ano no país. Um jovem fala que é preciso ir a todas as manifestações e que a luta está apenas começando, apesar das concessões já feitas pelo governo francês, e aprovadas pelo Legislativo, descritas na abertura deste artigo, que já valerão a partir do começo de 2019. Em suma, os representantes políticos do povo, diante da pressão incessante dos coletes-amarelos cantando a Marselhesa por toda parte, perceberam que era preciso ceder imediatamente para que a cólera fosse dissipada ou ao menos mitigada.

    Independentemente das falhas estruturais da democracia parlamentar, em um país como a França, cuja população tem consciência de que quem chora não mama e de que não se podem esperar benesses gratuitas dos donos do poder, ela consegue responder aos clamores do povo. Nesse sentido, por mais que os franceses estejam insatisfeitos com a queda da qualidade de vida, eles têm motivos para esperar que as coisas melhorem, porque as instituições ainda não estão surdas aos seus apelos, feitos em alto e bom som. E aqui no Brasil? Será que temos motivos para esperar mudanças em 2019? Esperança temos de sobra, se devemos crer nos números revelados pela Pesquisa CNI/Ibope, segundo a qual 64% dos brasileiros estão otimistas com o governo Bolsonaro e 75% dos entrevistados consideram que o presidente eleito e sua equipe estão no caminho certo. Mas será que nossas esperanças são fundadas ou infundadas? Será que o nosso Parlamento é capaz de agir celeremente como o francês fez para dar uma satisfação aos coletes-amarelos?

    Após o final das eleições presidenciais em outubro de 2018, o Congresso Nacional trabalhou febrilmente, e muitas benesses foram aprovadas para determinados grupos que têm poder de pressão sobre nossos representantes políticos, em suma sabem chorar alto, e por muito tempo, para mamarem nas tetas do Estado: prefeitos endividados, que receberam como recompensa para déficits orçamentários o mimo de não ter que respeitar os limites de comprometimento da receita com despesas de pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal; juízes que prometeram em troca de conseguir aumento de salário renunciar ao benefício do auxílio-moradia, mas que no final das contas conseguiram, mediante resolução do Conselho Nacional de Justiça regulamentando a concessão do benefício da ajuda de custo, mantê-lo e ao mesmo tempo garantir o reajuste nos vencimentos; setores econômicos que receberam isenções tributárias. A respeito desta última benesse, há um aspecto bastante sinistro na parte concedida à indústria automobilística.

    As desonerações do Inovar Auto, programa de fomento aos investimentos de P & D por meio da concessão de crédito presumido de IPI e que esteve em vigor até dezembro de 2017, somaram um bilhão e duzentos milhões de reais em 2017. No entanto, de acordo com o artigo mencionado acima, o objetivo de aumentar os investimentos em inovação por parte das empresas não foi atingido, pois os dados da Pesquisa de Inovação (Pintec) e do IBGE mostram que “o investimento interno em P & D na indústria automobilística recuou de 1,28% da receita líquida das empresas em 2011 para 1,1% em 2014”. Em suma, o custo do programa é muito grande em vista de seus benefícios pífios, e apesar disso o Congresso Nacional, em outubro de 2018, aprovou o “Rota 2030, cuja renúncia fiscal total deverá ser superior a R$ 2 bilhões em 2019.” Qual será o motivo? Ignorância crassa dos nossos representantes políticos dos resultados da pesquisa do IPEA? Ou simplesmente receberam generosas doações das montadoras para fazer suas vontades? Pelo visto não é só a Odebrecht que corrompe nossa democracia parlamentar.

    Todas essas medidas foram aprovadas no apagar das luzes do governo Temer e comprometeram sobremaneira a margem de manobra do Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes, para tentar equilibrar as contas públicas e ao mesmo tempo permitir que o Estado invista em serviços para a população. Não teria sido o caso de o Presidente eleito ter se pronunciado de maneira mais enfática a respeito da aprovação dessas bombas denunciando o quanto elas são nefastas? Ou será que a reação tímida do “Mito” mostra que ele já está rendendo-se à realidade de que terá que se compor com os grupos que ditam a pauta do Congresso e que o ajuste fiscal será no final das contas pagos pelos patos de sempre, que não têm lobby no parlamento e só são chamado a quatro anos para apertar umas teclas coloridas e mostrar ao mundo que praticamos a dita democracia?

    Prezados leitores, por mais que nós brasileiros tenhamos vocação para o otimismo e a esperança com o novo, os fatos mostram que o buraco aqui é negro e fundo: ele engole as pombas da paz que soltamos na praia de Copacabana para pedir o fim da violência, ele engole os pixulecos que inflamos para construir bodes expiatórios e que nada mais fazem do que esconder problemas que são institucionais e culturais, e não simplesmente pessoais ou partidários. Comparando as reivindicações dos coletes-amarelos franceses e dos manifestantes pelo impeachment de Dilma e do Fora PT e Fora Temer percebe-se que nós brasileiros estamos muito longe de ter uma atuação realmente eficaz que obrigue as instituições a levarem em conta os interesses de outros que não sejam os velhos grupos com dinheiro para influenciar os tomadores de decisão. Lá eles exigem maior repartição dos recursos e dos sacrifícios, aqui vamos à rua para colocarmos um ou outro corrupto na cadeia e nos damos por satisfeitos quando isso acontece, tão satisfeitos que nunca mais fomos à rua massivamente como fizemos em 2015, e soltamos rojões quando Lula foi preso, como se isso tivesse tido algum efeito benéfico no nosso bolso. Mas não quero ser uma estraga-prazeres nesta época natalina e me juntarei aos brasileiros otimistas e esperançosos e direi: bem-vindo ao poder, Senhor Salvador da Pátria, Jair Messias Bolsonaro, Bem-Vindo, Mito! E vivas à democracia brasileira em 2019!

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Quem é xiita ecológico?

Usamos os modelos desenvolvidos pelos centros climáticos de todo o mundo, inclusive do Brasil, que contribuem para os relatórios do IPCC. O modelo é uma representação matemática da realidade. Todo o processo é representado por sistemas de equações que são resolvidas com ajuda de um supercomputador. Mas os diferentes centros de modelagem – da Europa, Ásia, América Latina, Austrália, África do Sul e dos Estados Unidos – têm cada um o seu próprio modelo, desenvolvido pelos seus pesquisadores. Todos esses modelos são utilizados para projetar o clima futuro até 2050 e 2100. Sobre algumas áreas, e para algumas variáveis do clima, os modelos convergem. […] Na questão da temperatura todos os modelos indicam aquecimento global e regional. Todos. Há consenso.

 

Trecho de entrevista dada pelo climatologista José Antonio Marengo Orsini, chefe do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) à revista da FAPESP de novembro de 2018

Tanto que é que o próprio presidente francês, Emmanuel Macron, já sinalizou que não lhe interessa fazer acordos comerciais com quem não tem compromisso com a agenda ambiental.

Trecho de entrevista dada ao site UOL por Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência do Brasil, criticando a escolha de Ricardo Salles para ocupar a pasta que foi dela de 2003 a 2008

O conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses e em seu benefício para tirar a competitividade da indústria americana.

Twitter de Donald Trump em 6 de novembro de 2012

    Prezados leitores, não há dúvida de que o meio ambiente transformou-se há muito em pomo de discórdia entre os partidários da visão apocalíptica à la Al Gore a respeito das consequências do aquecimento global para a Terra e os partidários da ideia de que o aquecimento global é uma fake news inventada por globalistas que usam a desculpa do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera para impor mais controles e mais encargos financeiros à população de modo que possam aumentar seu poder. As partes em conflito acusam-se mutuamente de negar os fatos, de distorcerem a realidade pelo “viés ideológico” para tomar emprestada uma expressão muito cara ao nosso presidente eleito, que definitivamente pertence à categoria dos que desconfiam do aquecimento global, e por tabela do Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países.

    A meta do Acordo é limitar o aumento da temperatura global a dois graus Celsius a mais do que era antes da era industrial e quiçá chegar a diminuir o ritmo de aumento para um grau Celsius e meio a mais do que era antes de o homem começar a queimar combustíveis fósseis como fonte de energia para a indústria. Jair Bolsonaro deu indicações de que pode sair do Acordo de Paris, mas como fica cada vez mais claro que ele é o chefe do Exército de Brancaleone, em termos de idas e vindas, trapalhadas, disse, desdisse, é possível que ele mude de ideia. Possível porque ainda não sabemos que tipo de líder será Bolsonaro, já que essa experiência é inédita na carreira dele. Será que ele será o tipo de pessoa que ouvirá opiniões contrárias a seus instintos e as ponderará? Ou será que sempre seguirá seus instintos ideológicos, em quaisquer circunstâncias, para mostrar que não cede a pressões?

    As pressões já se fizeram sentir, como observou Marina Silva na sua entrevista quando mencionou a ameaça do presidente francês Emmanuel Macron de impor retaliações ao Brasil se nós abandonarmos nossos compromissos de diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Angela Merkel, a primeira-ministra alemã, também já se pronunciou a respeito da dificuldade de assinatura de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia se Bolsonaro colocar sua agenda ambiental em prática. Será que nosso presidente eleito deveria seguir a trilha proposta por nossa ex-ministra do Meio Ambiente e considerar um meio ambiente saudável como parte dos direitos humanos fundamentais, perseguindo esse objetivo a todo custo para garantir o bem-estar das gerações futuras e nossa posição no plano internacional como bons moços do verde? Ou será que ele deve seguir o exemplo do seu ídolo Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris por considerá-lo injusto para seu país e mandar tudo para o inferno? Tentarei humildemente argumentar aqui que ele não deve fazer nem uma coisa nem outra e o farei com base na seguinte premissa: o aquecimento global não é nem uma conspiração marxista contra o capitalismo e nem uma certeza absoluta. Explico-me.

    Conforme explicado por José Antonio Marengo Orsini, toda a ciência do aquecimento global e as projeções sobre as doenças, a destruição da infraestrutura e a diminuição da produção de alimentos baseiam-se em modelos matemáticos, não em extrapolações de dados. Uma coisa é os cientistas fazerem projeções sobre o que vai ocorrer com o clima na Terra com base no que já está ocorrendo hoje, pois basta que as tendências atuais continuem para que as projeções se concretizem. Coisa bastante diferente é montar equações com n variáveis, que de tão complexas só podem ser resolvidas por computadores com grande capacidade de processamento, e obter os resultados dessas equações. É preciso cotejar tais resultados com a realidade e se não houver correspondência mudar as variáveis, em suma é um processo de ajuste contínuo que dá margem a previsões mais ou menos sombrias a respeito do futuro da Terra se continuar a ter como seu senhor absoluto o homo sapiens. Não se está aqui a dizer que modelos matemáticos são simples jogos de videogame para enganar trouxas ou servir aos interesses de ecoxiitas. O que se está a dizer é que as equações, que tentam expressar as interações entre os diferentes elementos que determinam o clima, serão aprimoradas ao longo do tempo e que daqui a 20 ou 30 anos muitas das previsões que se fizeram com base nas equações montadas agora podem revelar-se falsas.

    A lição que se deve tirar disso é que temos que ter cautela. Mudar a matriz energética, hábitos de consumo e estilos de vida custa dinheiro e demanda sacrifícios. Fazer sacrifícios e gastar dinheiro agora com base nos resultados produzidos por modelos matemáticos requerem um concerto internacional, fruto da boa fé, e é aí que as coisas começam a complicar-se. Se é verdade que devemos agir agora porque a catástrofe, embora não seja certa, é provável e possível, como distribuir os sacrifícios? Quem vai abdicar mais do bem-estar material em prol do meio ambiente? No final das contas, as ações de preservação do ecossistema terrestre são uma questão política, pois envolvem a distribuição do poder no mundo, não só entre países, mas entre as classes sociais em um único país.

    Donald Trump foi execrado como monstro insensível, mas ele jogou luz sobre um ponto importante: pelo Acordo de Paris, os Estados Unidos, como país desenvolvido, teria que diminuir as emissões de gás carbônico em até 26%, o que aumentaria sobremaneira o dinheiro gasto com eletricidade.  A China é considerada como país em desenvolvimento e valendo-se desse status o país comprometeu-se com metas muito mais modestas: aumentar o uso de fontes alternativas aos combustíveis fósseis para 20% da sua matriz energética até 2030 e diminuir o ritmo de CRESCIMENTO da emissão de gás de efeito estufa. Fica claro que os chineses, como sempre, estão defendendo seus interesses econômicos, como vêm fazendo desde 1976, quando Deng Xiao Ping iniciou a abertura econômica do Império do Meio. Afinal, a China tornou-se a maior produtora de painéis de energia solar do mundo e incentivar o uso dessa fonte alternativa só fará aumentar o mercado consumidor dos produtos chineses pelo planeta afora. Assim, matam dois coelhos com uma só cajadada: incentivam a atividade econômica do país e ao mesmo tempo posam de defensores do meio ambiente na cena internacional. Os Estados Unidos atualmente têm uma base industrial menor que a China, cujo mercado consumidor é agora quatro vezes maior que o americano. Se os Estados Unidos tiverem que reduzir a emissão de gases de efeito estufa poderão ver essa diferença em relação ao seu maior rival econômico aumentar ainda mais.

    Não é de se admirar que os Estados Unidos, que não têm complexo de inferioridade e estão comendo poeira dos asiáticos, tenham mandado o Acordo de Paris às favas. A União Europeia chiou e Emannuel Macron, como um de seus defensores mais ferrenhos, também o fez, mas sabemos que não haverá retaliações por causa do status geopolítico dos EUA no mundo. Já em relação ao Brasil a coisa é diferente. Macron nos deu lições de moral e infelizmente não temos poder de barganha suficiente para agir à la Trump. É verdade que o bom mocismo ambiental do presidente francês levou um sério golpe e um chamado à realidade quando ele se viu obrigado a suspender o aumento no imposto sobre o combustível como resultado dos protestos dos coletes amarelos, que diante da carestia na França não têm mostrado muita preocupação com o futuro da humanidade. Seja como for, nós precisamos colocar as barbas de molho e refletir sobre o melhor caminho a perseguir, considerando a hipocrisia de europeus e chineses e o cinismo dos americanos.

    Daí que o Brasil faria melhor se evitasse tanto o romantismo de Dona Marina quanto a paranoia do Senhor Bolsonaro. Achar que sermos protagonistas na luta pela diminuição da emissão de gases de efeito estufa nos fará ganhar o reino dos céus é uma bobagem. Fazermos a lição de casa ambiental respeitando acordos internacionais sobre o clima vale a pena se obtivermos vantagens materiais para o país em termos de novos mercados para os nossos produtos ecologicamente corretos, caso contrário fazer isso sem negociar nada em troca para agradarmos o mundo é sinal de fraqueza. Por outro lado, considerar, como parece ser o caso de Bolsonaro, que a preservação do meio ambiente sempre deve estar subordinada ao crescimento econômico é perder de vista que o Brasil, o maior detentor de florestas tropicais e biodiversidade do mundo, não pode simplesmente imitar os Estados Unidos de Donald Trump porque se assim o fizermos inviabilizaremos nosso desenvolvimento não só no curto prazo quanto no longo prazo.

    Prezados leitores, esperemos que nosso presidente eleito, ao tomar posse em 1º de janeiro, acorde gradual, lenta e seguramente para as complexidades da vida e perceba que a preservação do meio ambiente não é nem conspiração da esquerda nem uma oportunidade de mostrar o quanto os diferentes países estão dispostos a cooperar sinceramente pelo futuro da humanidade. Ela é uma necessidade e um desafio, cuja concretização é cheia de armadilhas. Que o futuro presidente esteja à altura de suas responsabilidades e não seja um xiita ecológico com o sinal trocado.

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E se?

Todo mundo fala da importância do “carisma” do político. Mas em que pese isso ter uma influência muito grande com os eleitores não tem muito impacto no parlamento, a não ser que impulsionado por outros pontos fortes. Os romanos tinham um checklist útil. […] A prioridade principal eram os amici, os aliados políticos entre os grandes. Eles automaticamente incluíam aqueles conectados pelo sangue, pelo casamento ou por outras associações, mas precisavam espalhar-me muito mais além, em redes de relacionamentos que incorporassem homens com uma ampla gama de históricos políticos, jurídicos e sociais. Essas relações precisavam ser trabalhadas e mantidas por favores feitos e recebidos ao longo de um grande período de tempo: uma tarefa nada fácil. Seu sucesso em estabelecê-las dependia da percepção de que você era confiável – você estava sempre a postos para ajudar os amici – e que você normalmente tinha boa vontade em relação a eles. Seus amici precisavam sentir que no que se refere a obrigações mútuas, você não os decepcionaria. Essas eram as pesadas exigências da amicitia.

Trecho retirado do artigo “Estranhos e irmãos” escrito pelo classicista britânico Peter Jones

As democracias sempre foram espetáculos de turbulência e disputa; sempre se constatou serem incompatíveis com a segurança pessoal e os direitos de propriedade, e no geral tiveram vida curta, pelo fato de terem tido morte violenta.

Trecho retirado do artigo nº 10 do Federalista, escrito por James Madison (1751-1836), 4º Presidente dos Estados Unidos

 

    Prezados leitores, neste artigo proponho uma série de perplexidades que me acometeram nos últimos dias diante da chegada tonitruante do Exército de Brancaleone do presidente eleito Jair Bolsonaro. Minha qualificação refere-se ao fato de o grupo do nosso novo chefe do Executivo que tomará posse em 1º de janeiro ter se mostrado bastante mal organizado e atrapalhado, como o foi o grupo comandado pelo cavaleiro Brancaleone da Nórcia, interpretado no cinema por Vittorio Gasmmann. Como parênteses estive no local em que foi rodado o filme, uma antiga fortaleza em Ravenna, na Itália, que hoje é um tranquilo parque, onde se pode sentar em um banco e apreciar a natureza.

    Esse amadorismo similar ao dos maltrapilhos medievais comandados por Brancaleone não é de se espantar, considerando que o povo brasileiro fez questão de escolher um membro do baixo clero do Congresso Nacional que não tomava parte em grandes esquemas de corrupção, mas também nunca participou das grandes negociações para a aprovação de projetos no Parlamento. O capitão reformado do Exército precisará aprender rápido como lidar com os outros três Poderes da República, algo que lhe é estranho, já que sua habilidade até agora foi a de criticar a cartilha ideológica da esquerda e a sem-vergonhice generalizada. Então, abaixo coloco muitas perguntas que depois das idas e vindas do “Mito” a respeito da embaixada brasileira em Jerusalém, da extinção do Ministério do Meio Ambiente, da reforma da previdência, vieram-me à mente.

    E se a renovação histórica que o povo brasileiro fez de 85% no Senado, e de 54% na Câmara dos Deputados, não adiantar nada porque os neófitos não têm conhecimento dos rituais de funcionamento do Legislativo? E se tiverem que pedir a ajuda de veteranos como Rodrigo Maia para fazer as coisas funcionarem? E se ao pedir a ajuda terão que dar algo em troca? E se ao se recusarem a participar de tomas-lá-dá-cá forem alijados das atividades parlamentares, o que de fato mudará na prática política?

    E se a aprovação relâmpago pelo Senado do aumento de 16% ao STF for reveladora da face negra dos processos criminais contra os políticos, a saber, que todos eles agora têm medo do poder do STF de aprovar a prisão ou ordenar a soltura dos que gozam de foro privilegiado? E se essa aprovação surpresa de uma benesse foi obra de um conchavo entre Dias Toffoli, o presidente do STF, e Eunício Oliveira, presidente do Senado, na base da troca de favores entre os amici descritos por Peter Jones? E se tal conchavo for evidência clara de que o Legislativo é refém do Judiciário, que tem o poder de desconstruir qualquer reputação política? E se a fala do ministro Marco Aurélio, ironizando o voto de pobreza da Ministra Cármen Lúcia, que havia se pronunciado contra o aumento, mostra que o Judiciário tem pouca sensibilidade com os problemas nacionais e dedica-se precipuamente a defender seus próprios interesses, dignos do Premier État?

    E se o comentário de Eunício Oliveira “Não me importo se o Bolsonaro gostará ou não” a respeito da crítica do presidente eleito sobre a aprovação do aumento for um recado a Bolsonaro? E se a mensagem subliminar seja: “não seja ingênuo em achar que o mandato das urnas vai permitir a você fazer o que quiser e ditar ordens, você precisa cultivar os amici para conseguir algo? E se Bolsonaro teimar em não aprender a lição? Vai governar por medidas provisórias respaldadas por seus generais? Vai render-se à negociação de cargos e abandonar o ideal tantas vezes propalado de pautar-se pela competência técnica na escolha de colaboradores?

    E se a aprovação no último dia sete de outra medida-bomba pelo Congresso Nacional, o Rota 2030, que prevê créditos tributários de um bilhão e meio de reais para a indústria automobilística revela-nos uma sinistra verdade, a saber que os deputados e senadores não são representantes do povo, mas de certos grupos de interesse com poder de pressão que pouco se importam com a res publica?  E se a bancada 3 B da bala, do boi e da bíblia, que apoiou maciçamente Bolsonaro, fizer dele refém de suas pautas, reforçando a visão maniqueísta que ele tem demonstrado até agora sobre o meio ambiente, sobre a educação e sobre a segurança?

    E se Bolsonaro mantiver-se fiel à sua rede primária de amigos entre os militares e não angariar outros amici como Eunício de Oliveira? A reforma da previdência será um arranjo meia-boca em que quem vai pagar o pato serão os empregados do setor privado? E se o déficit de 43 bilhões gerado pelos benefícios dados aos militares não for levado em conta porque Bolsonaro defenderá os interesses da sua própria casta e aqueles que o apoiarão no governo, como Augusto Heleno? E se o déficit de 44 bilhões gerados pelos servidores também for deixado de lado porque a bancada dos servidores públicos é firme e atuante no Congresso? Será feita justiça considerando que o regime geral com déficit de 218 bilhões atende cerca de 30 milhões de brasileiros, enquanto o regime próprio dos servidores públicos e militares tem rombo de 90 bilhões, mas atende apenas um milhão de pessoas?

    E se a escolha mais reluzente para a equipe ministerial, a de Sérgio Moro para Ministro da Justiça revelar-se um erro? E se as qualidades de Moro em sua atuação judiciária – capacidade de leitura, de aplicar conceitos abstratos a fatos concretos – não for suficiente para ter sucesso como executor de políticas públicas e gestor de grandes equipes? E se houver conflito entre as responsabilidades de Moro como detentor de um cargo executivo e seus interesses como futuro Ministro do STF, cargo que já lhe foi prometido por seu chefe? E se Moro usar as informações que adquiriu ao longo dos anos da Lava Jato para direcionar as investidas da Polícia Federal contra aqueles que criticarem sua atuação antes da passagem pelo ministério de Bolsonaro e durante ela? E se o combate à corrupção no Executivo e no Judiciário tornar-se uma caça às bruxas travestida de indignação moral? E se passarmos toda a classe política por debaixo do rolo compressor de Sérgio Moro quem sobrará?

    E se Bolsonaro, devido a sua inexperiência de deputado do baixo clero frustrar-se com as negociações demoradas e infrutíferas no Congresso? Atacará os Congressistas pelo Twitter chamando-os todos de corruptos? E se o Judiciário tentar limitar as iniciativas do Presidente em prol da implementação da vontade da maioria conservadora que o elegeu, que quer mais armas, mais bandidos na cadeia e menos direitos das minorias, Bolsonaro irá acatar as decisões de um ministro progressista como Barroso como aplaude de pé as decisões de Moro, que o ajudaram a alçar-se à Presidência? E se Bolsonaro desgostar-se com o Legislativo e o Judiciário, ele pensará na sugestão de seu filho Eduardo dada em julho deste ano?

    E se nossa democracia continuar refém das redes de amici que se distribuem benesses mútuas e das disputas irreconciliáveis por recursos públicos cada vez mais escassos, ela sobreviverá?

    Prezados leitores, reflitam, e deem respostas sim ou não a depender do seu viés otimista ou pessimista.

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Luz e Sombras

Onde se veem arbustos de galhos retorcidos há o mais importante sistema de captação e reserva de água do Brasil fora da Amazônia. Um sistema baseado em vegetação e que garante nove das principais bacias hidrográficas do país. Ameaçado pela expansão do agronegócio, reduzido a cerca da metade de seu tamanho original, ele agora caminha para a maior extinção de plantas já registrada no mundo, com consequências para a oferta de água e a regulação do clima do centro-sul do país, alerta um estudo.

Trecho de artigo intitulado “Cerrado em Risco” publicado no jornal O Globo de 14 de outubro

A vida é repleta de incertezas, mudanças, confusão, informações erradas, algumas vezes de maneira leve e outras de maneira intensa. Do nascimento à morte, a vida exige que nós continuamente saibamos lidar com abstrações, resolver problemas, fazer inferências e realizar julgamentos com base em informações inadequadas. […] Os profissionais e executivos de alto nível classificam sua ocupação como altamente exigente do ponto de vista intelectual, mas somente os primeiros tendem a considerar credenciais educacionais, a leitura e a escrita como essenciais.

Trecho do artigo intitulado “Por que o coeficiente de inteligência importa: a complexidade da vida cotidiana” escrito por Linda S. Gottfredson, psicóloga e professora da Universidade de Delaware

    Prezados leitores, o estudo sobre inteligência humana é sempre motivo de polêmica, pois seus autores são muitas vezes acusados de racistas e preconceituosos por estabelecer diferenças entre as pessoas com base em testes de QI, os quais eles assumem como sendo uma mensuração válida de capacidade mental. A professora doutora Linda Gottfredson foi vítima das paixões que envolvem tais estudos quando o convite que havia recebido para ministrar uma palestra em Gothenburg, na Suécia, em uma conferência do Conselho da Associação Internacional de Orientação Educacional e Vocacional realizada no começo de outubro, foi retirado. No artigo citado acima, a professora Linda fala da repercussão da inteligência, ou da falta dela, sobre a vida de cada um de nós, particularmente sobre a ocupação profissional: cada tipo de profissão exige determinadas habilidades cognitivas, relacionadas por Gottfredson, tais como lidar com situações inesperadas, aprender informações relacionadas ao trabalho e lembrá-las, comparar informações de uma ou mais fontes e tomar uma decisão, aplicar o bom senso para resolver problemas, reagir rapidamente quando problemas inesperados ocorrem. A inteligência não está necessariamente ligada a habilidades acadêmicas: aprender a ler e escrever cada vez melhor não aumenta a inteligência das pessoas, de acordo com os estudos mencionados pela professora em seu artigo, mas é claro que as pessoas inteligentes conseguem adquirir tais capacidades de maneira mais fácil do que as pessoas menos inteligentes.

    Não é difícil entender a utilidade de tais estudos para as empresas selecionarem profissionais: tomando como pressuposto que os testes de QI avaliam a capacidade geral de inteligência, saber o QI dos candidatos é importante para descobrir se demonstrarão as habilidades necessárias para desempenhar as tarefas inerentes a determinado cargo: para um trabalhador de chão de fábrica basta que ele consiga aprender com a experiência, fazendo o serviço, errando, repetindo até acertar; ao passo que na outra ponta, a um CEO de uma empresa, não basta experiência prática: é preciso que ele consiga coletar e associar informações das fontes mais díspares, saber ler as pessoas, isto é, saber se estão mentindo ou falando a verdade, que tipo de personalidade têm, quais são seus defeitos e virtudes, de modo que ele consiga mobilizá-las para executar as decisões do chefe e concretizar as metas do negócio.  O mesmo pode ser dito a respeito do Presidente da República. Para ser bem-sucedido no cargo de líder, o presidente precisa demonstrar as habilidades daquele que tem inteligência suficiente para exercer um cargo de tanta responsabilidade, em que tantas decisões devem ser tomadas e tantas e tão diversas pessoas precisam ser levadas, direta ou indiretamente, a executá-las, do Oiapoque ao Chuí. É aqui que mora o perigo para nós brasileiros, que escolheremos nosso CEO no dia 28 de outubro, Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad.

    Na falta de teste de QI dos candidatos, o que seria politicamente incorreto nos nossos tempos, temos que nos valer do nosso conhecimento sobre a trajetória passada do indivíduo para verificar se ele já exerceu algum cargo em que teve que gerir pessoas, montar equipes e apresentar resultados. Em um primeiro momento, o histórico de Haddad é mais robusto, porque ele já foi Ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Entre suas realizações, independentemente do mérito ou demérito delas, constam o Prouni (Programa Universidade para Todos), o FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), o SISU (Sistema de Seleção Unificada) e as ciclovias na cidade de São Paulo. De maneira consistente com os ensinamentos da Dra. Gottfredson, não considerarei que ele tem título de Mestrado e de Doutorado, pois isso não é relevante para determinar sua capacidade de liderança. Jair Bolsonaro, ao contrário, na qualidade de deputado federal desde 1990, até hoje não teve experiência executiva e portanto, não liderou pessoas em quantidade suficiente para que pudéssemos ter certeza se ele consegue realizar algo de concreto, além de pronunciar discursos polêmicos.

    Os defensores de Jair Bolsonaro dirão que não adianta ter experiência no executivo se ela se resumiu à experiência de roubar bilhões como foi o caso do PT em seus 14 anos no poder. Voilà, então apliquemos um outro critério que não seja experiência de liderança em postos no Poder Executivo brasileiro para verificar se Bolsonaro exibe a capacidade mental para ser CEO do quinto maior país do mundo em extensão territorial e sexto em população. Com base naquilo que fala à TV Record, em registros antigos de palestras que ele proferiu pelo Brasil (disponíveis no youtube) e naquilo que falou na entrevista que deu ao programa Roda Viva, em 30 de julho deste ano,  Bolsonaro parece ter um tipo de raciocínio maniqueísta pelo qual ele aborda os problemas exclusivamente sob a óptica do bem e do mal, do amigo e do inimigo: para fazer a economia voltar a crescer é preciso que estimulemos o agronegócio sem que os “ambientalistas xiitas”  e o MST (que ele qualificou como organização terrorista) atrapalhem os fazendeiros de soja e de gado; para acabar com o desemprego é preciso se livrar da CLT ou pelo menos domesticá-la, pois as leis trabalhistas tornam difícil para o empresário contratar (a opção é ter direito e não ter emprego, ou ter emprego e não ter direitos, disse ele no Jornal Nacional em 28 de agosto); para resolver o problema da segurança é preciso dar aos policiais licença para livrar a sociedade dos maus elementos (e dar-lhes condecoração quando voltarem); para conseguir dinheiro para investimentos públicos o inimigo é a corrupção e acabar com ela fará o dinheiro surgir; para dar dinamismo à economia brasileira em todos os setores, além da agricultura o inimigo é a burocracia e o excesso de regulamentações.

    Alguns dirão que ter ideias claras sobre o que combater é louvável, mostra energia e firmeza de princípios. Sem dúvida, sem princípios não há como traçar metas. O desafio e passar das metas à concretização delas e esses princípios sólidos precisam ser matizados para adaptar-se a uma realidade que no mais das vezes é cinza e nunca preta e branca. O perigo é que Bolsonaro tome decisões com base em tais esquemas simplistas de destruir o inimigo. Afinal, a política é a arte do possível: para quem quer realizar algo é preciso ter os amigos por perto e os inimigos ainda mais perto, para saber-lhes as intenções, antecipar os movimentos, negociar, chegar a compromissos. Eliminá-los, quer seja fisicamente pelo assassinato, pela recusa em debater com os esquerdistas, pela categorização de grupos como fora da lei (no caso dos sem-terra), não diminui as complexidades da vida, no máximo trará uma sensação de estabilidade no curto prazo, fazendo com que tudo o que foi estigmatizado e varrido para debaixo do tapete pulule no longo prazo.

    Prezados leitores, considero que até o momento, as habilidades cognitivas demonstradas por Jair Bolsonaro nos seus 63 anos de vida não estão à altura do desafio de governar o Brasil, um país decididamente diverso e complexo, dadas nossas disparidades étnicas, regionais, sociais e econômicas. Se ao tornar-se presidente Bolsonaro tomar decisões com base nesse raciocínio binário que ele demonstra ao falar sobre suas propostas, corremos o risco, só para falar da questão ambiental, de ver o Brasil transformar-se numa plantation de soja, o que nos trará divisas no curto prazo, mas que ao final nos fará um grande deserto. Aguardemos os últimos lances dessa eleição que está mais para luta UFC do que exercício democrático.

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