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Quem é xiita ecológico?

Posted by on 12/12/2018

Usamos os modelos desenvolvidos pelos centros climáticos de todo o mundo, inclusive do Brasil, que contribuem para os relatórios do IPCC. O modelo é uma representação matemática da realidade. Todo o processo é representado por sistemas de equações que são resolvidas com ajuda de um supercomputador. Mas os diferentes centros de modelagem – da Europa, Ásia, América Latina, Austrália, África do Sul e dos Estados Unidos – têm cada um o seu próprio modelo, desenvolvido pelos seus pesquisadores. Todos esses modelos são utilizados para projetar o clima futuro até 2050 e 2100. Sobre algumas áreas, e para algumas variáveis do clima, os modelos convergem. […] Na questão da temperatura todos os modelos indicam aquecimento global e regional. Todos. Há consenso.

 

Trecho de entrevista dada pelo climatologista José Antonio Marengo Orsini, chefe do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) à revista da FAPESP de novembro de 2018

Tanto que é que o próprio presidente francês, Emmanuel Macron, já sinalizou que não lhe interessa fazer acordos comerciais com quem não tem compromisso com a agenda ambiental.

Trecho de entrevista dada ao site UOL por Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência do Brasil, criticando a escolha de Ricardo Salles para ocupar a pasta que foi dela de 2003 a 2008

O conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses e em seu benefício para tirar a competitividade da indústria americana.

Twitter de Donald Trump em 6 de novembro de 2012

    Prezados leitores, não há dúvida de que o meio ambiente transformou-se há muito em pomo de discórdia entre os partidários da visão apocalíptica à la Al Gore a respeito das consequências do aquecimento global para a Terra e os partidários da ideia de que o aquecimento global é uma fake news inventada por globalistas que usam a desculpa do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera para impor mais controles e mais encargos financeiros à população de modo que possam aumentar seu poder. As partes em conflito acusam-se mutuamente de negar os fatos, de distorcerem a realidade pelo “viés ideológico” para tomar emprestada uma expressão muito cara ao nosso presidente eleito, que definitivamente pertence à categoria dos que desconfiam do aquecimento global, e por tabela do Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países.

    A meta do Acordo é limitar o aumento da temperatura global a dois graus Celsius a mais do que era antes da era industrial e quiçá chegar a diminuir o ritmo de aumento para um grau Celsius e meio a mais do que era antes de o homem começar a queimar combustíveis fósseis como fonte de energia para a indústria. Jair Bolsonaro deu indicações de que pode sair do Acordo de Paris, mas como fica cada vez mais claro que ele é o chefe do Exército de Brancaleone, em termos de idas e vindas, trapalhadas, disse, desdisse, é possível que ele mude de ideia. Possível porque ainda não sabemos que tipo de líder será Bolsonaro, já que essa experiência é inédita na carreira dele. Será que ele será o tipo de pessoa que ouvirá opiniões contrárias a seus instintos e as ponderará? Ou será que sempre seguirá seus instintos ideológicos, em quaisquer circunstâncias, para mostrar que não cede a pressões?

    As pressões já se fizeram sentir, como observou Marina Silva na sua entrevista quando mencionou a ameaça do presidente francês Emmanuel Macron de impor retaliações ao Brasil se nós abandonarmos nossos compromissos de diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Angela Merkel, a primeira-ministra alemã, também já se pronunciou a respeito da dificuldade de assinatura de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia se Bolsonaro colocar sua agenda ambiental em prática. Será que nosso presidente eleito deveria seguir a trilha proposta por nossa ex-ministra do Meio Ambiente e considerar um meio ambiente saudável como parte dos direitos humanos fundamentais, perseguindo esse objetivo a todo custo para garantir o bem-estar das gerações futuras e nossa posição no plano internacional como bons moços do verde? Ou será que ele deve seguir o exemplo do seu ídolo Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris por considerá-lo injusto para seu país e mandar tudo para o inferno? Tentarei humildemente argumentar aqui que ele não deve fazer nem uma coisa nem outra e o farei com base na seguinte premissa: o aquecimento global não é nem uma conspiração marxista contra o capitalismo e nem uma certeza absoluta. Explico-me.

    Conforme explicado por José Antonio Marengo Orsini, toda a ciência do aquecimento global e as projeções sobre as doenças, a destruição da infraestrutura e a diminuição da produção de alimentos baseiam-se em modelos matemáticos, não em extrapolações de dados. Uma coisa é os cientistas fazerem projeções sobre o que vai ocorrer com o clima na Terra com base no que já está ocorrendo hoje, pois basta que as tendências atuais continuem para que as projeções se concretizem. Coisa bastante diferente é montar equações com n variáveis, que de tão complexas só podem ser resolvidas por computadores com grande capacidade de processamento, e obter os resultados dessas equações. É preciso cotejar tais resultados com a realidade e se não houver correspondência mudar as variáveis, em suma é um processo de ajuste contínuo que dá margem a previsões mais ou menos sombrias a respeito do futuro da Terra se continuar a ter como seu senhor absoluto o homo sapiens. Não se está aqui a dizer que modelos matemáticos são simples jogos de videogame para enganar trouxas ou servir aos interesses de ecoxiitas. O que se está a dizer é que as equações, que tentam expressar as interações entre os diferentes elementos que determinam o clima, serão aprimoradas ao longo do tempo e que daqui a 20 ou 30 anos muitas das previsões que se fizeram com base nas equações montadas agora podem revelar-se falsas.

    A lição que se deve tirar disso é que temos que ter cautela. Mudar a matriz energética, hábitos de consumo e estilos de vida custa dinheiro e demanda sacrifícios. Fazer sacrifícios e gastar dinheiro agora com base nos resultados produzidos por modelos matemáticos requerem um concerto internacional, fruto da boa fé, e é aí que as coisas começam a complicar-se. Se é verdade que devemos agir agora porque a catástrofe, embora não seja certa, é provável e possível, como distribuir os sacrifícios? Quem vai abdicar mais do bem-estar material em prol do meio ambiente? No final das contas, as ações de preservação do ecossistema terrestre são uma questão política, pois envolvem a distribuição do poder no mundo, não só entre países, mas entre as classes sociais em um único país.

    Donald Trump foi execrado como monstro insensível, mas ele jogou luz sobre um ponto importante: pelo Acordo de Paris, os Estados Unidos, como país desenvolvido, teria que diminuir as emissões de gás carbônico em até 26%, o que aumentaria sobremaneira o dinheiro gasto com eletricidade.  A China é considerada como país em desenvolvimento e valendo-se desse status o país comprometeu-se com metas muito mais modestas: aumentar o uso de fontes alternativas aos combustíveis fósseis para 20% da sua matriz energética até 2030 e diminuir o ritmo de CRESCIMENTO da emissão de gás de efeito estufa. Fica claro que os chineses, como sempre, estão defendendo seus interesses econômicos, como vêm fazendo desde 1976, quando Deng Xiao Ping iniciou a abertura econômica do Império do Meio. Afinal, a China tornou-se a maior produtora de painéis de energia solar do mundo e incentivar o uso dessa fonte alternativa só fará aumentar o mercado consumidor dos produtos chineses pelo planeta afora. Assim, matam dois coelhos com uma só cajadada: incentivam a atividade econômica do país e ao mesmo tempo posam de defensores do meio ambiente na cena internacional. Os Estados Unidos atualmente têm uma base industrial menor que a China, cujo mercado consumidor é agora quatro vezes maior que o americano. Se os Estados Unidos tiverem que reduzir a emissão de gases de efeito estufa poderão ver essa diferença em relação ao seu maior rival econômico aumentar ainda mais.

    Não é de se admirar que os Estados Unidos, que não têm complexo de inferioridade e estão comendo poeira dos asiáticos, tenham mandado o Acordo de Paris às favas. A União Europeia chiou e Emannuel Macron, como um de seus defensores mais ferrenhos, também o fez, mas sabemos que não haverá retaliações por causa do status geopolítico dos EUA no mundo. Já em relação ao Brasil a coisa é diferente. Macron nos deu lições de moral e infelizmente não temos poder de barganha suficiente para agir à la Trump. É verdade que o bom mocismo ambiental do presidente francês levou um sério golpe e um chamado à realidade quando ele se viu obrigado a suspender o aumento no imposto sobre o combustível como resultado dos protestos dos coletes amarelos, que diante da carestia na França não têm mostrado muita preocupação com o futuro da humanidade. Seja como for, nós precisamos colocar as barbas de molho e refletir sobre o melhor caminho a perseguir, considerando a hipocrisia de europeus e chineses e o cinismo dos americanos.

    Daí que o Brasil faria melhor se evitasse tanto o romantismo de Dona Marina quanto a paranoia do Senhor Bolsonaro. Achar que sermos protagonistas na luta pela diminuição da emissão de gases de efeito estufa nos fará ganhar o reino dos céus é uma bobagem. Fazermos a lição de casa ambiental respeitando acordos internacionais sobre o clima vale a pena se obtivermos vantagens materiais para o país em termos de novos mercados para os nossos produtos ecologicamente corretos, caso contrário fazer isso sem negociar nada em troca para agradarmos o mundo é sinal de fraqueza. Por outro lado, considerar, como parece ser o caso de Bolsonaro, que a preservação do meio ambiente sempre deve estar subordinada ao crescimento econômico é perder de vista que o Brasil, o maior detentor de florestas tropicais e biodiversidade do mundo, não pode simplesmente imitar os Estados Unidos de Donald Trump porque se assim o fizermos inviabilizaremos nosso desenvolvimento não só no curto prazo quanto no longo prazo.

    Prezados leitores, esperemos que nosso presidente eleito, ao tomar posse em 1º de janeiro, acorde gradual, lenta e seguramente para as complexidades da vida e perceba que a preservação do meio ambiente não é nem conspiração da esquerda nem uma oportunidade de mostrar o quanto os diferentes países estão dispostos a cooperar sinceramente pelo futuro da humanidade. Ela é uma necessidade e um desafio, cuja concretização é cheia de armadilhas. Que o futuro presidente esteja à altura de suas responsabilidades e não seja um xiita ecológico com o sinal trocado.

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