A hora da verdade ou do Tiririca?

Um motorista de táxi de Queens em Nova York, Nicanor Ochisor, de 65 anos de idade, enforcou-se na garagem de sua casa em 16 de março, deixando um bilhete em que afirmou que os aplicativos de táxi Uber e Lyft tinham tornado impossível que ele conseguisse se sustentar. Foi o quarto suicídio de um motorista de táxi em Nova York nos últimos quatro meses, incluindo uma morte em 5 de fevereiro, quando Douglas Schifter, de 61 anos, matou-se com um tiro na frente da sede da prefeitura.

Trecho retirado do artigo “‘Gig Economy’” é o novo termo para a servidão”, de Chris Hedges, jornalista americano ganhador do Prêmio Pulitzer e ex-professor da Universidade de Princeton, publicado em 25 de março

Permita que eu emita e controle a moeda de um país e eu não me importarei sobre quem faz as leis.

Dito por Mayer Amschel Rothschild (1744-1812), banqueiro judeu considerado o pai fundador das finanças internacionais

Na próxima quarta-feira (28/03), às 11h00, na sede institucional da OAB SP, a advocacia, por meio de suas entidades representativas, reúne-se em ato a favor da Justiça, manifestando-se contrária ao atual ambiente de disputa entre ministros do STF, atitude que afeta a credibilidade e contribui para corroer a imagem do Judiciário.

Comunicado da Ordem dos Advogados do Brasil

Imagem de Nossa Senhora das Dores, de Aleijadinho, exposta no MASP

    Prezados leitores, nesta semana tentei fazer um humilde comentário em um artigo publicado na internet sobre o episódio do envenenamento que a Grã-Bretanha acusa a Rússia de ter realizado e usei a palavra factoide. Como já expus aqui há duas semanas, considero este mais um factoide divulgado pela mídia para demonizar a Rússia e seu presidente e justificar algum enfrentamento militar futuro. O próximo passo para marginalizar a Rússia será provavelmente um boicote à Copa do Mundo pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Mas a Rússia hoje não é o objeto do meu artigo, mas o fato de que meu comentário não foi aprovado pelo moderador será meu ponto de partida. Havia comentários na página com erros grosseiros de português, com xingamentos, mas talvez essa pequena palavra tenha sido por demais subversiva, porque ela mostra o óbvio. E o óbvio nunca pode ser escancarado, a nudez do rei precisa ser ignorada para a tranquilidade espiritual de todos.

     Vivemos rodeados de factóides, isto é de escândalos criados e alimentados por determinados grupos para conseguir algum intento. Nesta semana houve as revelações “bombásticas” de uma ex-amante de Donald Trump, que aliás foram a principal reportagem da seção internacional de Veja, que sempre segue aquilo que a grande imprensa americana dita. Um factóide não é nem um fato, nem uma mentira, ele está a meio caminho entre um e outro. Muito provavelmente Trump teve um caso com Stephanie Clifford, atriz de filmes pornôs. Para os que odeiam o presidente americano é mais uma prova da sua total falta de caráter. Para os americanos que votaram no The Donald é mais um escândalo fomentado por jornais e revistas que estiveram contra ele desde a campanha presidencial e não vão dar trégua enquanto não conseguirem retirá-lo da Casa Branca.

    A questão importante aqui, independentemente de ser contra ou a favor de Donald Trump, é a seguinte: qual a relevância disso para os problemas sérios enfrentados pelo povo americano? Será que não seria o papel de veículos como a CNN, os jornais New York Times e Washington Post darem o devido destaque à precarização das formas de trabalho evidenciadas por esses suicídios em Nova York? Será que uma discussão sobre o efeito da nova economia, praticada por empresas como a Uber, a Amazon e a Airbnb, sobre a renda do trabalhador não seria mais útil? A Amazon está acabando com as livrarias, a Airbnb está acabando com os hotéis e a Uber está acabando com os táxis. Ou seja, há muita destruição acontecendo na economia atualmente, e muitos trabalhadores já estão sendo literalmente sacrificados no altar da economia compartilhada. Caberia àqueles que ditam a pauta dos jornais, revistas e TVs prestarem um serviço de utilidade pública e prestar esclarecimentos sobre aquilo que de fato afeta a vida das pessoas em geral. O que ocorreu entre Stephanie e Donald em 2006 é mera distração, ou pior, é um esforço deliberado de tratar do que é desimportante para que o que é importante continue não sendo resolvido.

    Nosso Brasil claro, não está imune aos factóides. Aliás, temos uma respeitável tradição nesse quesito. Em nossa primeira crise política enquanto nação independente, aquela da abdicação de Dom Pedro I em 1831, vários factóides, explorados pela imprensa, serviram para pintar o retrato do tirano que queria colocar o Brasil sob o jugo do absolutismo. Um dos mais famosos foi o assassinato do jornalista Líbero Badaró em 20 de novembro de 1830 (esse script se repetiria em 1954), cuja autoria foi imputada a alemães. A tal da opinião pública logo associou os alemães aos mercenários alemães colocados por Dom Pedro no exército. É improvável que Dom Pedro mandasse assassinar um jornalista, mesmo porque, como já mencionei semana passada, ele mesmo escrevia para os jornais sob pseudônimos e defendia ideais liberais. Mas os grupos que queriam Dom Pedro fora do Brasil para garantir seus próprios interesses, inclusive o de manter a escravidão firme e forte no Brasil, fizeram de Líbero Badaró o mártir da liberdade ameaçada pela tirania do imperador português que então nos governava.

    Aliás, quase duzentos anos depois da abdicação de Dom Pedro massacrado pela imprensa da época, é forçoso constatar que nossa democracia vem alimentando-se já há algum tempo das crises fabricadas, dos escândalos, algo que se intensificou a partir de 2014, com a eleição de Dilma Rousseff. A Operação Lava-Jato, o impeachment, o julgamento de Lula, sua caravana atacada por tiros, os discursos inflamados de Bolsonaro, as sessões “UFC” do Supremo Tribunal Federal, todos estão sempre nas manchetes dos nossos jornais, revistas, TVs e rádios. A opinião predominante é que isso é salutar porque ao mostrar a corrupção dos políticos e a violência das disputas a imprensa ajuda a aprimorar a democracia.

    Tenho lá minhas dúvidas: assistir aos embates de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dão-nos a impressão de que o Judiciário não é composto por juízes que aplicam a Constituição, mas por líderes de gangues, para os quais a lei é algo a ser manipulado para destruir seu inimigo. A própria OAB admitiu o perigo da corrosão da credibilidade ao convocar um ato de repúdio, conforme mostrado na abertura deste artigo. É mais um escândalo que gera vídeo no youtube, memes, mas para bom entendedor mostra que se os políticos não estão à altura do regime democrático, porque recebem propinas e usam o cargo para favorecer a si e a seus doadores, tampouco o Judiciário mostra-se apto a preencher o vácuo criado pelo apagão dos outros Poderes.

    De espalhafato em espalhafato nós brasileiros acabamos nivelando tudo por baixo. Se o escândalo é a norma e todo o mundo tem o rabo preso a algum interesse escuso que acaba cedo ou tarde sendo revelado, podemos então aceitar o “atira para matar” do candidato Bolsonaro assim como aceitamos o “pedido” de Gilmar Mendes para que Barroso feche seu escritório. Todos estão no mesmo balaio da democracia alimentada pela libertinagem de imprensa usado pelos diferentes grupos de interesse para atacar seus inimigos. É nesse ponto que a frase de Mayer Amschel Rothschild adquire todo o sentido. Se aos eleitores é fornecido apenas o pacote básico de factóides e aquilo que de fato afeta sua vida e seu bolso não é jamais discutido de maneira clara e com a devida ênfase, é porque não é para que os eleitores decidam sobre as questões de fato importantes, mas para ser distraído com escândalos de modo que outros tomem as decisões sobre como o dinheiro será ganho e será distribuído.

    Prezados leitores, não estou aqui a defender a censura aos veículos de comunicação, apenas um maior comprometimento com a democracia como a oportunidade de participação responsável dos cidadãos nas decisões. Se continuarmos assim, em outubro nosso voto de protesto contra a sujeira generalizada  será no equivalente do “Tiririca” para Presidente da República.

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O Dia do Fico -em 1822 e em 2018

Acho que o ex-presidente tem que ter o mesmo tratamento digno, respeitoso da Justiça brasileira que deve ser dado a qualquer cidadão. Alguém não pode ser considerado diferente por ser mais rico ou pobre, por ser mais importante ou menos importante, por ser líder ou trabalhador. Isso não tem e não pode ter importância. Seria a quebra da ideia de justiça, mas principalmente a quebra da ideia da igualdade. E essa é uma grande conquista do Brasil. Não tem que ser privilegiado, mas também não pode ser destratado, tratado de maneira a lhe prejudicar pela circunstância de ter um título como esse, que foi honroso, foi levado pelas urnas, de ter sido presidente da República.

Trecho da entrevista de Cármen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal, à rádio Jovem Pan quando indagada do porquê de o julgamento sobre o pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula ter sido adiado para 4 de abril

A princesa tinha mais consciência que d. Pedro de que nada mais poderia esperar de Portugal. As ordens vindas de lá, se forçosamente cumpridas, acabariam por despedaçar o Brasil em dezenas de repúblicas, como ocorrera com as províncias espanholas na América do Sul. […] Guiado pela esposa que articulava nos bastidores, pelo conselho do pai e pelo caos em que se antevia que o Brasil poderia cair após sua partida, d. Pedro permaneceu no Brasil, garantindo, assim ao menos um trono para seus filhos.

Trecho do livro “D. Leopoldina, a história não contada, a mulher que arquitetou a independência do Brasil”, de Paulo Rezzutti, sobre os antecedents do Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, em que D. Pedro, príncipe-regente, decidiu desobedecer às ordens do Parlamento português que lhe ordenou voltar imediatamente à Europa

Capa do livro de Paulo Rezzutti

    Prezados leitores, liderança é algo difícil de explicar, impossível de ser ensinada em cursos de pós-graduação, como tentam fazer pelo mundo afora, mas qualquer um percebe quem tem e quem não tem. Para não aborrecê-los com conceitos e explicações abstratas, darei aqui um exemplo de liderança que ocorreu em 1822, de autoria de D. Pedro e de sua esposa Leopoldina. Eles se viram em uma encruzilhada: ou permaneciam no Brasil para garantir a viabilidade de um governo monárquico no país e a unidade territorial, ou então obedeciam às ordens das cortes de Lisboa, que tinham como objetivo fazer o Brasil retroceder ao seu antigo status de colônia.

    Uma e outra opção tinha prós e contras. Ficar no Brasil significava um grande sacrifício pessoal para Leopoldina, que sabia que nunca mais veria a família se aqui permanecesse, e que loira e de olhos azuis sofria com o calor carioca, com os mosquitos, com a sujeira da cidade do Rio de Janeiro. Além disso, seguir um caminho autônomo era um tiro no escuro, pois não podiam contar com o apoio de outros países para o reconhecimento da independência política do Brasil. Tanto isso é verdade que foi só em 1825 que Portugal concordou em reconhecer nossa soberania, o que viabilizou que as outras nações europeias o fizessem. E no entanto, nosso príncipe-regente e sua esposa, de comum acordo, tomaram a decisão de mandar as cortes portuguesas às favas. Claro, havia o interesse de garantir uma coroa de um imenso país para o filho varão em um momento em que na Europa esse bem escasseava, devido à derrubada de muitas monarquias. Embuídos dessa motivação primordial, Pedro e Leopoldina tinham algo mais importante, uma visão de futuro.

    Essa visão do que eles queriam para o Brasil fica evidente nos escritos de D. Pedro para os jornais brasileiros, para os quais ele atuava como jornalista sob o véu de pseudônimos. D. Pedro queria acabar com a escravidão, que ele considerava corretamente como o “cancro que rói o Brasil”. Fica evidente também na tentativa que Leopoldina fez, logo depois de declarada a independência, de arregimentar mão de obra livre na Europa para migrar para os trópicos. Nunca saberemos o que os dois poderiam ter feito juntos, se tivessem atuado em uníssono como fizeram até 1822. Para a desgraça do Brasil, D. Pedro conheceu Domitila de Castro Canto e Melo em São Paulo naquele mesmo ano e permaneceu com ela por sete anos, enredado pelas artes do pompoarismo que a paulista sabia empregar. A paixão cega de D. Pedro o fez submeter a esposa a humilhações infinitas, que ela, cunhada de Napoleão Bonaparte, e descendente de São Luís, de Isabel, a Católica e do Rei Sol Luís XIV, não podia suportar. Leopoldina, morreu aos 29 anos oficialmente de erizipela, na verdade de depressão. Pedro, tendo destruído toda a credibilidade de que o casal desfrutava com os amores escandalosos, acabou abdicando em 1831 e partiu para Portugal para nunca mais voltar, morrendo de tuberculose em 1834. D. Pedro II, órfão de pai e mãe, ficou desde os cinco anos de idade nas mãos dos regentes, que eram os latifundiários e traficantes de escravos. Nosso segundo imperador foi um homem probo, comedido, mas lhe faltou a visão estratégica do tipo de país que seus pais haviam tido, mas não tiveram tempo de colocar em prática.

    A respeito do caráter pessoal, o mesmo podemos dizer da nossa Cármen Lúcia, que é uma mulher honesta, fala muito bem sobre os ideais republicanos, como exemplificado na abertura deste artigo, mas que em termos de liderança está deixando muito a desejar. Essa decisão de ontem de não decidir sobre o habeas corpus de Lula é mais uma mostra de que lhe falta resolucão sobre o que ela quer que o Supremo Tribunal Federal seja. Talvez um ringue do UFC? Afinal, no dia 21 de março Barroso e Gilmar Mendes tiveram mais uma de suas escaramuças verbais e Dona Cármen simplesmente encerrou a sessão e nem se deu ao trabalho de pedir que os dois galos de briga se comportassem.

    Ou será que Dona Cármen quer que o STF tenha um papel de mediador da nossa crise política? Se o papel do STF deve ser o de apaziguar os ânimos exaltados, não seria prioritário resolver a situação de Lula o quanto antes, seja mandando-o para a prisão ou acatando as alegações da defesa para anular o julgamento? Será que a alegação de que não se pode furar a fila é uma desculpa para não decidir algo premente, que tem uma profunda repercussão sobre a eleição presidencial que ocorrerá em pouco mais de seis meses? Será que estabelecer de uma vez por todas se Lula será ou não candidato não é algo importante para que o clima pré-eleitoral fique menos envenenado? Afinal, tal definição permitiria à esquerda e à direita formularem suas estratégias, tecer suas alianças, apresentar suas propostas, sejam elas construtivas ou negativas. Se o destino de Lula ficar incerto até outubro corremos o risco de termos uma campanha em suspenso, na qual os candidatos vão perorar sobre cenários hipotéticos e pior, ficarão enredados na discussão sobre se Lula é inocente ou culpado.  Uma lástima para que nossas “lideranças” tracem uma estratégia sobre que rumos o Brasil deve tomar na era pós-Lula, ou seria era Lula reloaded? Ou será que nunca nada será mais importante nos trópicos do que ser a favor ou contra Lula?

    Ao que parece, Dona Cármen Lúcia considerou que o comparecimento inadiável de Marco Aurélio Mello a evento na Academia Brasileira de Direito do Trabalho era razão suficiente para suspender a sessão de julgamento e retomá-la em 4 de abril, ou pode ter usado esse incidente como álibi para não arcar com a responsabilidade de decidir, mas adotando o discurso da imparcialidade republicana.

    Prezados leitores, em 9 de janeiro de 1822 D. Pedro deu um passo de cuja gravidade ele tinha consciência, mas cujas consequências ele estava disposto a assumir, ajudado por sua esposa. Em 22 de março de 2018, Dona Cármen Lúcia, teve um dia do fico todo especial: fico paralisada, fico no muro, fico me apegando à retórica jurídica para não agarrar o touro à unha e decidir de uma vez por todas se Lula é culpado ou inocente aos olhos da justiça brasileira. Enquanto isso, nas ruas, sabe-se lá o que acontecerá até outubro.

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O barco furado de todos nós

Gastamos quatro bilhões para tirar do poder várias pessoas que, francamente, caso tivessem permanecido em seus lugares e se pudéssemos ter gasto aqueles 4 trilhões nos Estados Unidos para renovar as estradas, pontes e resolver todos os nossos outros problemas —teríamos ficado em uma situação muito melhor, eu afirmo isso categoricamente agora. Prestamos um grande desserviço à humanidade. As pessoas que foram assassinadas, as pessoas que sumiram do mapa — para quê? E não parece que tenhamos obtido uma vitória.

Uma confusão. O Oriente Médio está totalmente desestabilizado, uma confusão total e absoluta. Eu gostaria que tivéssemos os quatro ou cinco trilhões. Eu gostaria que tivessem sido gastos aqui nos Estados Unidos em escolas, hospitais, rodovias, aeroportos e todo o resto que está caindo aos pedaços!

Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016

Não sei quais as armas que serão usadas na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial serão usadas pedras e paus.

Atribuída a Albert Einstein (1879-1955)

Pôster de propaganda mostrando santo guerreiro da Revolução Russa vencendo o dragão do mal capitalista

    Prezados leitores, bem sei que no momento atual a ordem do dia é cada um decidir de que lado está: ao lado da Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, ou do coronel da Polícia Militar, Washington Lee Abe, que denunciou o fato de uma crítica feroz da atuação da PM nas favelas cariocas ter sido colocada como mártir quando há inúmeros policiais que morrem em ação. Meu único comentário a esse respeito é que a morte de Marielle teve o efeito positivo de ofuscar totalmente a greve dos juízes que correu no dia seguinte ao do crime. Infelizmente nossos magistrados não tiveram a atenção que suas causas mereciam.

    Deturpando a fala do poeta, eu diria que cessa tudo quanto a antiga musa canta, quando um valor mais alto se alevanta. Em minha modesta opinião, a cena internacional está muito quente para ser negligenciada. A cada dia fica mais claro que o Donald Trump da campanha eleitoral, que propunha uma política externa menos intervencionista do Império Americano, foi fagocitado pelo complexo industrial-militar. A mais recente indicação disso é a demissão do Secretário de Estado Rex Tillerson, que estava tentando salvar o acordo com o Irã pelo qual a “comunidade internacional” iria retirar as sanções econômicas impostas ao país em troca da permissão de que suas instalações nucleares fossem inspecionadas. O objetivo seria impedir que os iranianos adquiram expertise para fazer uma bomba atômica.

    O provável substituto a ser sabatinado pelo Congresso americano é Mike Pompeo, que já se manifestou ser totalmente contra o acordo nuclear com o Irã e considera que os Estados Unidos têm o direito de intervir militarmente no país mesmo que o Conselho de Segurança da ONU não dê o aval. Quanto às conversas vindouras com Kim Jong-Un, a ideia não é negociar de verdade, o que implicaria ceder em alguns pontos. A ideia é comunicar ao líder da Coreia do Norte aquilo que os Estados Unidos esperam dele e se ele não aceitar, bem, também poderá haver ações militares para dobrar a espinha de mais um membro do grupo do eixo do Mal. Kim Jong-Um não pode esperar conseguir uma garantia de que não será atacado, mesmo tenho mostrado sua capacidade atômica.

    Se essas mudanças no gabinete de Donald Trump não fossem suficientes, há outros sinais perturbadores. O último factóide para caracterizar Vladimir Putin como um autocrata assassino é a acusação de Theresa May de que a Rússia está por trás da tentativa de assassinato por envenenamento a gás de um ex-espião russo, Sergei Skripal e sua filha em Salisbury na Inglaterra. Quando a primeira-ministra britânica explicou o caso ao parlamento o líder da oposição, Jeremy Corbyn fez-lhe a singela pergunta sobre se a Sra. May tinha provas irrefutáveis de que o governo russo era o responsável, mas as vaias a ele foram grandes e não obteve resposta. Pudera, May recusou-se a fornecer amostras do gás que atingiu o ex-espião à Rússia, o que é exigido pela Convenção sobre Armas Químicas para que o país possa ter a oportunidade de provar sua inocência, o que na prática significa que não haverá uma investigação séria, a ser feita de acordo com as regras do direito internacional.

    O engraçado nessa história toda é que o Sr. Skripal esteve preso na Rússia, por traição, de 2006 a 2010. Se o governo do famigerado Vlad tivesse interesse em eliminá-lo, teria sido muito mais conveniente fazê-lo na Pátria-Mãe e não em território estrangeiro. De acordo com James O’Neill, advogado e analista geopolítico, coincidentemente, o Sr Skripal foi recrutado pelo MI6, o serviço de inteligência do Reino Unido, como agente duplo na década de 90. Àquela época, o homem do MI6 em Moscou, oficialmente diplomata, era Christopher Steele, a quem Skripal deve ter reportado quando tornou-se agente duplo. Christopher Steele é o homem encarregado de elaborar um dossier que mostrava as conexões de Trump e da turma de Trump com a Rússia. Essas informações colocadas no dossier foram usadas como justificativa por Barack Obama, nos termos do Foreign Intelligence Surveillance Act, para espionar as comunicações eletrônicas do cidadão americano Donald Trump sem que houvesse a necessidade de solicitação de autorização do Poder Judiciário estadunidense para a violação da sua privacidade.

    O resumo da ópera é que Skripal pode ter auxiliado Steele a elaborar o tal do dossier, o qual faz com que haja outros interessados em uma queima de arquivos, a saber aqueles que encomendaram o dossier que fundamenta toda a polêmica em torno do conluio entre Trump e os russos, conluio que não foi provado pelo procurador especialmente designado para essa investigação, Robert Muller. O fato é que nós pobres mortais nunca saberemos a verdade, porque não haverá investigação isenta, há interesses poderosos envolvidos. O que importa, e isso já foi conseguido, é criar mais um fato que corrobora a visão negativa do líder russo como um pária da comunidade internacional (leia-se Europa e Estados Unidos). Em menos de duas semanas, um assunto de tal complexidade, envolvendo espiões, vários países, vários interesses em jogo, foi sumariamente resolvido colocando-se a culpa sempre no monstro sanguinário Putin.

    Para que isso servirá veremos. Uma nova intervenção dos países ocidentais na Síria, em que a atuação russa foi fundamental para salvar o regime do líder sírio Bashar al-Assad, que de outro modo teria sido defenestrado como foi Muamar al-Gaddafi da Líbia o foi em 2011 e Saddam Hussein do Iraque em 2006. Uma preparação da opinião pública internacional, o que significa dizer aquela que se mantém informada com base nas notícias geradas pelos veículos de comunicação sob a órbita americana, para um ataque preventivo à Rússia ou a fomentação de uma revolução democrática na Rússia depois da reeleição de Vladimir Putin em 18 de março. Ou até um ataque à Coreia do Norte, protegida pela China e pela Rússia.

    De qualquer forma, todas essas histórias fantásticas sobre envenenamentos de espiões com gás ou material radioativo, derrubada de aviões, etc. produzidas sem cessar, aceitas prontamente por todos como fatos, só envenenam os espíritos de uma maneira nunca vista desde a crise dos mísseis em Cuba. Vladimir Putin, assim como Kim Jong-Un, não são heróis nem bandidos, são líderes de seus países, e agem para defender os seus respectivos interesses geopolíticos. A Coreia do Norte sofreu na década de 1950 com a guerra que devastou a península e teve a presença de tropas americanas. A Rússia, ao longo dos últimos 200 anos, foi objeto de invasões e intervenções de países ocidentais que lhe custaram milhões de mortos. Ela quer evitar isso e para tanto quer estabelecer uma distância segura em relação aos seus inimigos, já que não tem defesas naturais. A política americana de demonizar os países cujos interesses chocam com os do império tem tido efeitos nocivos que o candidato Trump apontou de maneira sensata durante a campanha, mas que por alguma razão, que também não saberemos, ele tem preferido esquecer.

    Prezados leitores, a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial empalidece todas as nossas preocupações locais. Se houver a hecatombe nuclear tanto os partidários da vereadora Marielle quanto do coronel Washington, os defensores e os detratores de Putin, Trump e Kim Jong-Un estarão no mesmo barco furado. Torçamos para que a sensatez prevaleça.

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Pretos e pobres, brancos e ricos

O ensino fundamental no Brasil hoje pode ser considerado universal, com 99,2% das crianças de 6 a 14 anos frequentando a escola, o que representa 26,5 milhões de estudantes, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação (Pnad Contínua), divulgada no final de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). […] Sem deixar de reconhecer a importância desses avanços, os números indicam que as desigualdades que antes se manifestavam no acesso à escola pública, agora se revelam dentro dela, com crescentes diferenças nos níveis de aprendizagem, que podem chegar ao equivalente a três anos de escolarização entre crianças da mesma idade.

Trecho retirado do artigo “Expansão Desigual” publicado na revista Pesquisa FAPESP de fevereiro de 2018

Estamos no mesmo barco. Ou nos unimos para resolver isso ou vamos ficar reclamando eternamente. […] Não há processo de pacificação calçado na expressão militar do poder. É só uma face da solução. Quando uma ocupação de restringe à atuação militar, não resolve as causas do problema, mas os efeitos. As causas serão resolvidas nos planos econômico, social e político.

Trecho da entrevista do novo secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Richard Fernandez Nunes, publicada no jornal O Globo de 4 de março.

Escola na Periferia de São Paulo, foto publicada na revista Pesquisa FAPESP de fevereiro de 2018

    Prezados leitores, sou uma viúva da Revista de História da Biblioteca Nacional. Ela morreu em 2017, ceifada pela crise na Petrobrás, sua maior patrocinadora. Comprei todos os exemplares e os tenho guardados, não sei para quê, provavelmente deixarei minha coleção para alguma instituição. É sempre uma lástima que periódicos que se proponham a discutir questões de fundo, que fujam ao burburinho cotidiano, desapareçam sem deixar rastros. Isso mostra que não há um número suficientemente grande de brasileiros cuja curiosidade intelectual vá além do último grande caso de corrupção, da última prisão de algum peixe graúdo pela Polícia Federal, da última façanha do PCC. Continuamos comprando revistas que tratam dos escândalos diários, que aliás não faltam no nosso país, mas condenamos ao silêncio e ao ostracismo aqueles que se propõem a tratar de problemas que são menos dramáticos do que uma troca de tiros em uma favela do Rio ou do último bate-boca entre ministros do STF.

    Uma publicação que continua em pé há quase 20 anos, desde outubro de 1999, é a Pesquisa Fapesp, patrocinada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia.  Entrei em contato com ela por acaso, há alguns meses, e seus artigos sempre vão além da mera informação, lançando luz sobre algum aspecto da realidade brasileira que tem sido estudado na academia. Sim, temos pesquisadores em nossas universidades que se debruçam sobre os problemas do país baseando-se em tabulações de números, em estatísticas. Se os economistas e marqueteiros que elaboram o programa de governo dos candidatos a presidente  fundamentassem suas ideais geniais menos em pesquisas de opinião e mais em levantamentos científicos, como aqueles abordados na Pesquisa FAPESP, a qualidade dos debates presidenciais subiria do nível de luta no famoso ringue octogonal da UFC para um nível um pouco acima, de discussão acerca de fatos constatados empiricamente.

    Conforme citado acima, o último número da revista faz um apanhado geral dos resultados da análise de “edições da Prova Brasil entre 2005 e 2013, que envolveram cerca de 23 milhões de alunos e 70 mil escolas e todos os 5.570 municípios brasileiros”. O resumo da ópera, cujo nome oficial é “Desigualdades educacionais no ensino fundamental de 2005 a 2013: Hiato entre grupos sociais”, é o seguinte. A democratização do ensino fundamental no Brasil acabou reforçando nossa centenária desigualdade: as diferenças entre o desempenho de brancos e ricos e pretos e pobres aumentou, mesmo que os pretos e pobres consigam agora frequentar a escola. O estudo mostra que os brancos e ricos (comparativamente falando, claro) conseguem perpetuar seus privilégios por vias tortuosas, mesmo todos estando no mesmo barco do sistema público. Quando não fogem da escola gratuita para reforçar seu status de usuários de serviços particulares, eles acabam enclausurando-se nas unidades localizadas em regiões centrais, em que os professores são melhores e mais assíduos. Aos pretos e pobres reservam-se as escolas periféricas, as quais os bons profissionais da educação não querem frequentar por medo da violência e pelo nível dos alunos.  Além disso, os pretos e pobre vão à escola em busca de outras coisas além da educação: vão atrás de comida e de assistência social, o que acaba tirando o foco da atividade principal que deveria ser desenvolvida. Pronto, está criado o círculo vicioso das áreas violentas ou degradadas, escolas de baixa qualidade, alunos mal preparados, falta de qualificação profissional, desemprego ou empregos de baixo nível, pobreza.

    Ter em mente o quão a sociedade brasileira é segregada de inúmeras maneiras é importante para os formuladores de políticas públicas. Para o sucesso da intervenção militar no Rio seria fundamental. O senhor Richard Fernandez Nunes, ao propor uma abordagem digamos multidisciplinar ao problema da violência na cidade maravilhosa diz algo socialmente correto: todos estamos no mesmo barco. O que ele quer dizer com isso? Que ricos e pobres sofrem igualmente com o clima de conflagração? Não se pode negar que a guerra civil não declarada afeta a vida de todos os cariocas, mas há uma diferença abissal entre uns e outros: entre o morador da favela, cujos filhos, crescendo em um meio violento, têm acesso a uma educação de pouca qualidade que lhes dificulta vencer o ciclo da pobreza e até a resistir ao canto da sereia do tráfico de drogas, e o morador da beira-mar, cujos filhos não têm que se rastejar no chão da escola para se proteger dos tiros e por isso têm mais possibilidade de um desempenho escolar melhor.

    Como essa discrepância está sendo levada em conta pelo ilustre general ao executar os planos de enfrentamento da violência? Será que ocupar militarmente as favelas não causará mais segregação ainda, considerando o estado de permanente alerta em que os moradores viverão? Como os militares no calor da operação distinguirão entre os mocinhos e os bandidos nos “guetos”? Será que na prática, em vistas das restrições orçamentárias enfrentadas pelo país, o objetivo acabe sendo simplesmente estabelecer um cordão de isolamento para que a beira-mar fique em paz por algum tempo? Será que o blábláblá sobre investimentos sociais é só para dar um verniz de respeitabilidade e profundidade a uma iniciativa que é mero factoide para consumo dos eleitores sedentos de lei e ordem?

    Prezados leitores, a Itália acaba de dar 32% de votos para o parlamento ao partido de um comediante, Beppe Grillo, o Movimento das Cinco Estrelas, cujo mote original era que se fodam todos, na tradução para o português. No início eles eram contra a União Europeia e a favor da saída do Reino Unido, agora já se mostram mais tolerantes. Em suma, parece que o importante para os eleitores italianos não foi o que eles tinham a propor, mas simplesmente votar em protesto contra tudo o que está aí. Espero que em nossas eleições de outubro não cheguemos a esse ponto de niilismo, mas para isso seria preciso que fizéssemos um esforço para conhecer nossos problemas para além das nossas ideias pré-concebidas e o furor midiático cotidiano a que somos submetidos. Difícil tarefa. Enquanto isso os pretos e pobres e os brancos e ricos continuam em seus territórios respectivos.

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A democracia e seus guarda-costas

Eu não tenho muita fé no assim chamado “processo democrático”. Deem uma olhada na União Europeia e me digam: vocês realmente acreditam que as pessoas no poder representam a vontade e os interesses das pessoas que supostamente os elegeram? Há exceções, claro, a Suíça é provavelmente um dos países comparativamente  mais democráticos, mas a maior parte do que vemos é que as democracias ocidentais são controladas por gangues de oligarcas e burocratas que não têm quase nada em comum com o povo que eles supostamente representam.

Trecho retirado do artigo “Eleições Presidenciais na Rússia: Chata, Úteis e Necessárias?” publicado em 23 de fevereiro por um homem de ascendência russa que mora nos Estados Unidos e escreve sob o pseudônimo de The Saker

Nos últimos dez anos, o Brasil já perdoou R$ 176 bilhões de juros e multas de dívidas em nove programas de parcelamento tributário. O montante equivale a duas vezes o rombo previdenciário no regime próprio dos servidores públicos da União.

Trecho retirado do artigo “Devedores do Refis voltam a dar calote, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 25 de fevereiro

Os eleitores que não votaram nem justificaram a ausência na última eleição devem R$ 98.404.457,58 à Justiça Eleitoral. Dos eleitores multados no pleito passado (29 milhões), apenas 3,6% – cerca de 1 milhão – pagaram a multa de R$ 3,51.

Informação publicada em 25 de fevereiro no site de notícias G1

Parthenon, na Acrópole de Atenas, Grécia, berço da democracia ocidental

    Prezados leitores, neste ano de eleições seguimos o mesmo ritual que temos seguido desde 1989. Procuramos o candidato da mudança, aquele que capta os sentimentos do povo, seja de indignação contra a corrupção em todas as suas manifestações, expressa por Fernando Collor em 1989, seja o sentimento de alívio pela estabilidade proporcionada pelo controle da inflação, como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso em 1998. Ao mesmo tempo, a mudança precisa ser respeitável, de bom tom. Para isso é imprescindível que o homem que vai renovar o cenário político venha acompanhado de um economista que elabore um programa de governo para mostrar ao mercado, isto é, aos que controlam como as políticas são formuladas e executadas, que a tal da mudança é apenas um chamariz eleitoral.

    Fernando Collor de Mello teve a xerife Zélia Cardoso de Mello, aquela que foi acusada de receber propina de empresas de ônibus para decretar aumento das passagens interestaduais. Fernando Henrique não precisou desse guarda-costas porque o mercado confiava nele, Lula usou Antonio Palocci  para mostrar ao mercado que ele faria os banqueiros felizes. A democracia representativa funciona assim: para manter a pretensão de que a população é soberana em suas escolhas, o candidato precisa ser carismático, isto é, precisa saber falar frases de efeito, tocar a alma do povo identificando-se com os valores dele. O caçador de marajás soube dar vazão à indignação dos brasileiros contra os privilégios de certas categorias do funcionalismo público, que perduram até hoje, como podemos ver nesta celeuma a respeito do auxílio-moradia dado a juízes. Lula, com seu discurso de justiça social, sabe como ninguém explorar o ressentimento dos mais pobres com a falta de oportunidades a que eles historicamente foram relegados. Uma vez mordida a isca fica fácil ao candidato conseguir a adesão cega dos eleitores a um programa econômico que na prática serve determinados grupos.

    Digo cega porque essa receita do bolo que será feito uma vez tomado o poder passa despercebida nos debates televisivos para cargos majoritários. Ali não há verdadeiras discussões, que demandariam tempo para esclarecer as premissas fundamentais e assim estabelecer as diferenças e semelhanças de pontos de vista. O tempo é exíguo, não dá para perder preciosos segundos com sutilezas intelectuais, é preciso lançar bordões, normalmente alguma estatística, alguma pesquisa encontrada pelo economista guarda-costas que blinda o candidato contra as desconfianças que o mercado possa ter contra os carismáticos que são os únicos capazes de fazer a população sonhar. Citar números dá sempre credibilidade, mesmo que sejam colocados fora de contexto, ou pior, que nem a fonte seja citada para confirmação posterior. E depois desta citação de praxe dos fatos, vêm claro a parte mais picante para os espectadores, as acusações mútuas. Afinal, quem vota em um candidato por causa do programa econômico? Votamos em um candidato porque ele lava nossa alma, fala aquilo que soa como música aos nossos ouvidos. O programa econômico é um mero detalhe, mesmo porque ele só é executado na parte em que interessa àqueles capazes de exercer pressão de fato sobre os políticos.

    No cenário atual, o candidato que parece estar em mais sintonia com o estado de ânimo da população é o Lei e Ordem Jair Bolsonaro, o homem do Exército em um momento em que a segurança pública do Rio de Janeiro está sob o comando do general Walter Souza Braga Netto com a missão de extirpar a corrupção da polícia carioca. E dando mais um passo para se desfazer da imagem de aloprado que defende a ditatura, Bolsonaro tem agora um guarda-costas, Paulo Guedes, que elaborou um programa econômico com ênfase total na privatização. Os eleitores do deputado carioca farão sua escolha em outubro de 2018 com base nas promessas do candidato de que ele vai combater o crime organizado, de que vai botar bandido na cadeia, de que vai acabar com a leniência da justiça com assassinos como Suzane von Richthofen, parricida e matricida a quem foi concedida folga da prisão no Dia dos Pais. Uma leitura superficial das sessões de comentários em sites de notícias mostra-nos que muitos e muitos brasileiros compartilham sua visão de que bandido tem que apodrecer na cadeia.

    Pois bem, no frigir dos ovos, se for eleito, Bolsonaro será muito mais eficaz na execução do programa de privatização total do que no cumprimento da promessa de colocar ordem no galinheiro. Afinal, a criminalidade em terras tropicais é um buraco muito fundo, que remonta ao tempo em que éramos colônia e fazia-se o contrabando do pau-brasil ao largo da costa. Ao passo que para privatizar, basta seguir o script que já está aí pronto para ser seguido, que é o que o mercado quer. A privatização é boa para os acionistas que ficam sabendo dela antes de todo mundo, para os intermediários financeiros que viabilizam o financiamento da operação, para os adquirentes que normalmente ficam com a parte boa e deixam as dívidas e responsabilidades passadas com o governo. Já para o público é algo questionável, como exemplifica um artigo publicado no jornal o Estado de São Paulo de 25 de fevereiro, segundo o qual “levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que as tarifas subiram até 70% acima da inflação, sem que as empresas concluíssem obras obrigatórias, como duplicação de vias”.

    Assim funciona a tal da democracia: o eleitor atira naquilo que lhe é mais caro, normalmente aspirações grandiosas de complexa realização prática, como justiça social, paz, ordem, segurança, e acerta no que não enxergou: a letra miúda dos programas econômicos que beneficiam determinados grupos cujos economistas guarda-costas os formulam. O fato de já terem sido lançados no Brasil nove programas de parcelamento de dívida tributária, os chamados REFIS, e que ao longo dos anos eles têm sido usados de má fé pelos devedores só para obter certidão negativa de débito, mostra como a política econômica na prática passa ao largo de tudo aquilo que é discutido com os eleitores. Essas leis do REFIS são aprovadas no Congresso de maneira tão certeira que os devedores param de pagar o acordado no parcelamento esperando que outro REFIS seja lançado. Uma ação entre os amigos congressistas e os amigos empresários. E ainda achamos que o principal problema do Brasil é o PCC ou os Amigos dos Amigos.

    Prezados leitores, a democracia precisa ter seus protetores, e estes deveriam ser todos nós, mas estamos cada vez mais indiferentes a ela, como mostra a abstenção verificada em 2016, quando 29 milhões de pessoas não votaram e nem se deram ao trabalho de pagar a multa. Na prática, ela acaba tendo somente os guarda-costas contratados por algum dos grupos que disputam o controle da res publica. Pobres de nós, eleitores-espectadores chamado a comprar ilusões a cada quatro anos para que a farsa seja mantida.

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