Não custa perguntar

Uma coisa que o Brasil não está fazendo bem é gerenciar suas finanças com cuidado. Cinco institutos econômicos alertaram que há o risco de a dívida pública sair do controle. Ítalo Lombardi do Standard Chartered, disse que a porcentagem da dívida pública em relação ao PIB está aumentando 10% a cada ano, à medida que a recessão mina a base tributária, e está caminhando para atingir a marca de 80% em 2017. Esse é um nível perigoso para um país da América Latina cujos mercados de títulos ainda são pouco desenvolvidos. “É uma bomba relógio,” ele disse. […] Ao mesmo tempo o Brasil é um dos poucos países em que o coeficiente GINI de desigualdade caiu nos últimos quinze anos, em que pese ainda ser alto, 52,9. A mortalidade infantil caiu para 15 por 1,000 crianças nascidas vivas, sendo que em 1990 esse número era de 51.

Trechos retirados do artigo “Downfall of Brazil’s Lula marks the end of the BRICS fantasy”, de autoria do jornalista econômico Ambrose Evans-Pritchard e publicado na versão eletrônica do jornal Daily Telegraph de 7 de março

    Prezados leitores, tantas emoções nestes últimos dias, tantos desdobramentos dessa lavagem de Brasílias amarelas, peruas Elbas e fuscões pretos que está sendo feita pela tal da força-tarefa do Ministério Público Federal. Quem não se regozijaria com tantos resultados até o momento, a revelação da rede de propinas montada às expensas da Petrobrás, a colocação de magnatas atrás das grades, e para cúmulo da nossa ânsia de justiça, a convocação de Lula para prestar esclarecimentos à polícia judiciária federal? E no entanto, permito-me aqui neste meu obscuro espaço virtual enumerar uma série de perguntas que me veem à cabeça. Eu como adepta da maiêutica de Sócrates não tentarei respondê-las, minha tarefa é apenas lançá-las na rede mundial:

    Por que há tantos vazamentos a respeito da Operação Lava Jato? Por que há indivíduos na Polícia Federal e no Ministério Público que sempre dão com a língua nos dentes? Serão esses vazamentos fruto do heróico labor dos nossos jornalistas investigativos, ansiosos por revelar a podridão de parte da nossa classe política? Ou será que há um esforço voluntário de certos grupos de destruir a reputação dos seus desafetos para proveito próprio?
Terá sido mera coincidência que a revista Istoé revelou na quinta-feira dia 3 de março parte do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral e que no outro dia Lula foi conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos? Será que já havia um script pronto a ser seguido para criar um fato consumado, o de que a hora de Lula havia chegado?

    Aliás, a respeito da delação premiada por que a imprensa tem tratado tudo o que é dito como revelações, quando na verdade são alegações, ou para sermos mais técnicos, um dos elementos de prova reunidos pelo Ministério Público para convencer o juiz a condenar o réu denunciado? Afinal, de acordo com as regras do processo criminal brasileiro, o juiz tem direito a formar sua convicção livremente e pode inclusive desconsiderar determinadas provas. Além disso, uma das partes pode conseguir a anulação de uma prova obtida por meios considerados ilícitos. Por que num dia o vazamento ocorre e no outro somos levados a acreditar que tudo aquilo é a pura expressão de toda a verdade e suficiente para embasar uma condenação? Em suma, por que somos levados a crer que a delação premiada é a Excalibur que vai permitir ao Judiciário vencer os dragões da maldade, os inimigos do povo brasileiro que roubam o dinheiro público? Por que os formadores de opinião não expressam uma visão mais desassombrada da delação: um instrumento processual introduzido em 1990 no nosso ordenamento pela Lei 8.072 sobre crimes hediondos que era previsto em determinadas leis e que agora é usado a torto e a direito com a sofreguidão dos recém-convertidos?

    Será que a luta contra a corrupção justifica todas as inovações jurídicas do juiz Sérgio Moro? Para o bem e para o mal, ele é o trendsetter do momento no Judiciário e o STF está apenas seguindo o caminho das pedras por ele jogadas. Prisão preventiva, que antes era exceção por questões de política criminal e pela presunção da inocência, agora é a regra para os acusados no âmbito da Lava-Jato. A prisão preventiva faz os brasileiros felizes e ainda coage o preso a negociar uma delação premiada para ele livrar-se da cadeia. É pressão total tanto de Moro, que homologa as delações, como dos membros do MPF que a negociam. Se antes a delação premiada protegia testemunhas, no cenário atual de vassouradas contra a corrupção ela é instrumento de intimidação. Nesse sentido, os promotores públicos brasileiros tornar-se-ão cada vez mais parecidos com os public prosecutors americanos, que são eleitos e cujo objetivo é sempre o de aumentar suas taxas de condenação.

    Supondo que o objetivo maior de desbaratar as organizações criminosas que tomaram de assalto o Estado brasileiro seja de tal maneira importante que justifique o enxerto de vários americanismos no processo criminal brasileiro. Qual será o efeito a longo prazo dessas novidades? Elas acabarão sendo incorporadas definitivamente por aqui, ou serão esquecidas tão logo os bandidos do enredo atual sejam pegos e condenados? A delação premiada e a prisão preventiva, para que não haja agravamento do quadro criminoso, como diz Sérgio Moro, serão no futuro sonhos de uma noite de verão? Caso contrário, qual será o efeito sobre os cidadãos brasileiros comuns? Haverá um aumento nos índices de encarceramento? Haverá uma maior desconfiança sobre todo e qualquer investigado/acusado/indiciado/réu, como se todos fôssemos possíveis receptores de propina?

    E se colocarmos muitos magnatas na prisão ao fim da Lava-Jato, isso transformará o Judiciário brasileiro no árbitro supremo da Nação? Se não sobrar nenhum político digno de nossa estima, transformar-nos-emos em uma República governada pelos juízes? Será esse o fruto mais doce da nossa democracia, termos a vida regulada por indivíduos não eleitos? Será melhor sermos governados por uma oligarquia de juízes do que sermos governados por uma oligarquia de políticos que precisam arranjar dinheiro para financiar suas campanhas?

    Finalmente, considerando o estado calamitoso das contas públicas, é preciso admitir que o ciclo da Constituição Cidadã de 1988 parece estar chegando ao fim, devido a nossa impossibilidade material de financiar tantos direitos. O bilhete da loteria premiado, representado pelo boom das commodities e que permitiu tirar 30 milhões de brasileiros da pobreza, está gasto e puído. Nesse sentido, será essa luta contra a corrupção uma mera fachada de uma luta feroz entre os grupos organizados para ver quem vai pagar a conta da ressaca pós-boom que o Brasil está apenas começando a enfrentar? O governo do PT tomou diversas iniciativas para cumprir as diretrizes constitucionais, entre elas a Lei 12.382 de reajuste nominal do salário mínimo, com impactos sobre os benefícios previdenciários e claro, sobre o sucesso do PT nas quatro últimas eleições presidenciais. Quem vai estabelecer as prioridades? Aqueles que foram beneficiados pela Constituição de 1988 serão obrigados a voltar ao seu status anterior? Ou os que eram beneficiados antes farão sacrifícios? Como será resolvida a distribuição dos ônus e dos bônus? Pelas urnas, nas ruas na base da luta livre ou no Judiciário?

    Prezados leitores, não pensem, ante minha perplexidade, que estou aqui a defender que o PT passou 13 anos no poder de maneira impoluta ou que a mudança de paradigmas realizada pelo MPF pela PF e por Sérgio Moro não fará nossos trapaceiros irem com menos sede ao pote da próxima vez. O que me assusta é que essa politização do Judiciário e a judicialização da política podem fazer com que fiquemos enredados em disputas sem fim e que fiquemos sem saber que rumo tomar. Oxalá todas as minhas perguntas possam ser facilmente respondidas e prontamente descartadas.

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Dona Xepa

Vocês realmente creem que os países da zona do euro lutaram até o fim para que a Grécia permanecesse na zona do euro para um ano depois, no final das contas, deixar o país mergulhar no caos?

Trecho de discurso pronunciado na rede pública de televisão da Alemanha pela primeira-ministra, Angela Merkel em 28 de fevereiro, conclamando seus compatriotas a não abandonar a Grécia à própria sorte

O Lula paz e amor vai ser outra coisa daqui para frente. […] Eu queria dizer para eles: vocês não vão me destruir, vamos sair mais fortes desta luta.

Trecho de discurso feito por Luiz Inácio Lula da Silva a uma plateia de 1.500 pessoas na festa de 34 anos do PT no Rio de Janeiro

    Prezados leitores, imaginem a cena: indivíduos pobres, mal-vestidos e encapuzados jogando pedras na polícia que está lá para desalojá-los, se for necessário na marra. Reintegração de posse em alguma favela em São Paulo? Não, de maneira nenhuma, isso aconteceu hoje em Calais, no norte da França, no local conhecido como selva que abriga os imigrantes da Ásia e da África que têm invadido a Europa em busca de uma vida melhor. A razão do confronto é que depois de uma disputa na Justiça o governo francês finalmente obteve autorização para começar a desmantelar le jungle, como os franceses a ela se referem e transferir os habitantes para contêineres que foram montados em local de segurança máxima. E por que os imigrantes concentraram-se em Calais? Ora, o desejo deles é partir rumo à Grã-Bretanha, que é infinitamente preferível à França por duas razões: a mais importante é que no momento em que o sírio, líbio, paquistanês ou chadiano pisa nas Ilhas Britânicas ele já tem direito a assistência médica no Serviço Nacional de Saúde, o NHS e a outros benefícios sociais, ao passo que na França é preciso ter contribuído alguns anos para fazer jus. Mas há também uma questão cultural: em tempo de ascendência de Marine Le Pen, a França é vista como um país que não quer muçulmanos, ao passo que os britânicos são mais tolerantes, pois o multiculturalismo é política de Estado.

    As boas vindas do país governado por David Cameron têm limites, no entanto, manifestados no fato de que está sendo praticamente impossível aos imigrantes cruzarem o Canal da Mancha pelo Eurotúnel, dada a vigilância cerrada sobre eles, daí terem favelizado-se em Calais. E não é só França e Grã-Bretanha que estão com má vontade. Eslovênia, Croácia, Sérbia e macedônia limitaram a 500 pessoas que aceitarão que entrem nos respectivos territórios. A Áustria

    estçaoé sempre um conforto para mim relativizar meus dissabores quer seja como indivíduo, quer seja como cidadã brasileira

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Manuel Bandeira, velai por nós!

Outrora um bastião de indústrias de fundição, de aço e de produtos mais sofisticados produzidos em várias etapas (produtos utilizados em centros de boliche, por exemplo), tubos de perfuração, produtos de latão, bicicletas, montagem de caminhões, design, produção e montagem das máquinas de lavar e secar da White Westinghouse, e muito, muito mais, tudo foi embora. […] Nenhuma dessas fábricas existe agora e todos os formados no ensino médio têm que deixar o lugar para ganhar a vida. Engenheiros e enfermeiras formados não conseguem arranjar emprego.

Depoimento por e-mail de um americano sobre a situação no norte do Estado de Ohio, nos Estados Unidos

Todos nós sabemos que as eleições são uma piada inútil, que nossos governantes não dão a mínima para nós, que a dissidência política é vista com maus olhos quando ela é real, que as rebeliões são esmagadas de maneira violenta, que o pluralismo é reprimido de maneira viciosa pela ideologia predominante, que as escolas fazem lavagem cerebral e tornam as crianças estúpidas e as fazem virar-se contra nós, que os dispositivos domésticos de lavagem cerebral como o Tubo Idiota, o rádio ou os jornais existem somente para fazer três coisas:, divertir-nos, tomar nosso dinheiro e fazer de nós zumbis.

Trecho retirado do livro “The Essential Saker: From the Trenches of the Global Information War”

    Prezados leitores, o trecho citado acima é de um blogueiro americano de ascendência russa que escreve anonimamente por medo de represálias do governo do seu país para o qual já trabalhou. Uma das coisas sobre as quais ele reclama, é o politicamente correto, que está entranhado na cultura estadunidense de uma maneira inimaginável no Brasil. O motivo aparente de Donald Trump, o pré-candidato às eleições presidenciais ao norte do rio Grande, ser condenado de maneira unânime por toda a mídia e por todos os bens pensantes, inclusive o papa – que na semana passada questionou a cristandade do bilionário –, é que ele ousou falar da necessidade de controlar o fluxo de imigrantes ilegais para os Estados Unidos. Por isso, ele foi tachado de racista, acusação esta que é a pior possível na unanimidade multicultural do século XXI.

    O motivo real de Trump ser considerado persona non grata é que ele se coloca contra a ideologia globalista predominante que levou as grandes corporações americanas a terceirizar a produção para países com mão de obra mais barata. O resultado, denunciado pelo homem da cabeleira vermelha (?), foi privar o país de sua base industrial e fazer o desemprego real chegar a 23%, de acordo com o estatístico John Williams, a despeito dos números oficiais edulcorados, que não levam em conta os trabalhadores que já desistiram há mais de ano de procurar por trabalho. A principal medida defendida pelo candidato que já ganhou duas das três primárias republicanas é a imposição de uma tarifa de importação de 35% sobre produtos vendidos por empresas como Apple, Ford, Nabisco, dentre outras que desejam vender nos Estados Unidos produtos fabricados alhures, que criaram empregos, geraram renda e consumo em outros países.

    Em suma, Trump é um nacionalista econômico, na linha de Patrick Buchanan que foi pré-candidato às eleições presidenciais pelo Partido Republicano em 1992 e 1996. E é por isso que ele faz sucesso, porque ele fala dos problemas reais que afligem a classe média americana. Mas de maneira interesseira, aqueles que querem manter tudo como está em termos econômicos, globalistas que tem domicílio fiscal na Irlanda para pagar menos impostos, produzem na China e fazem design de produtos nos Estados Unidos utilizando engenheiros indianos para dar um exemplo, fazem questão de enfatizar o lado mais polêmico de Donald Trump, sua proposta de muro, de controle da imigração, pintando-o como monstro racista.

    Nesse sentido minha citação do livro do blogueiro Saker é um tanto irrelevante para nós brasileiros que somos vítimas da globalização de outras maneiras, pois nunca estivemos no pedestal, como os Estados Unidos estiveram especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, ao consolidarem sua posição de fábrica do mundo. Aos cidadãos americanos é repetido o mantra que o livre comércio é bom para todo mundo, pois de um lado os trabalhadores do outrora Terceiro Mundo conseguem empregos industriais e melhoram seu padrão de vida que era baixíssimo, e de outro lado os trabalhadores do Primeiro Mundo conseguem empregos na Nova Economia, que agrega mais valor por ser ligada à tecnologia. Quem duvida do mantra é considerado anacrônico e racista, independentemente dos efeitos da desindustrialização que saltam aos olhos em várias partes dos Estados Unidos.

    Apesar de nós no lado de baixo do Equador, não estarmos submetidos à ideologia globalista, não posso deixar de constatar que a falta de comprometimento dos governantes com o interesse público denunciada por Saker aplica-se aqui com a mesma intensidade. Darei aqui um único exemplo de como os que estão no poder no Brasil zelam pela sua própria preservação e nada mais. No dia 18 de fevereiro de 2016 o STF julgou a ADI 2859 impetrada em março de 2003 pelo PTB que pretendia impugnar alguns trechos da Lei Complementar 105 de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. De acordo com essa lei, cabe exclusivamente ao Poder Executivo, de acordo com seus próprios critérios, estabelecer como e quando as instituições financeiras prestarão informações sobre a movimentação bancária de seus clientes (artigo 5º). Tais informações poderão ser utilizadas pela administração tributária para identificar ilícitos fiscais, em miúdos sonegação de tributos, e tomar as devidas providências em termos de autuação e imposição de multa. Isso significa que o leão da receita poderá, a partir de movimentações mensais no valor de 5.000 reais para pessoas físicas e sempre que sentir cheiro de carniça, dar o bote, independentemente de autorização do Poder Judiciário para ter acesso às informações bancárias do cidadão. O PTB alegou infração às garantias constitucionais da propriedade e do devido processo legal, afinal o contribuinte pode ser surpreendido com uma notificação de autuação sem nem saber que estava sendo investigado.

    Pois bem, o STF, chegou a um meio termo, que mais beneficia a Fazenda do que nós que temos 5.000 reais para movimentar na conta. Não será preciso que o fisco obtenha autorização judicial para vasculhar sua conta bancária, mas ao menos ele deverá fazê-lo no âmbito de um processo administrativo e deverá notificar a vítima do pente fino. De qualquer forma, o fato é que o sigilo bancário e fiscal neste país foi ferido de morte pela Lei Complementar 105, especialmente se consideramos que o artigo 198 do Código Tributário Nacional permite que o fisco das diferentes unidades da federação troque informações entre si. Alguns dirão que isso é bom para que o Estado pegue de maneira mais fácil os corruptos. Pode até ser, mas para pegar alguns peixes graúdos sonegando impostos, a administração tributária brasileira terá muito mais facilidades para fazer cobranças confiscatórias de cidadãos de boa fé, sendo que os incautos só poderão ter chance de defesa no Judiciário quando o mal já estiver feito e ele já tiver um lançamento de débito nas suas costas e até inscrição na dívida ativa. A mim parece que o que importa aos três poderes da república é dar mais oportunidades de o Estado tirar dinheiro de nós para cobrir os descalabros da má administração.

    Pequenas grandes maldades, feitas por quem precisa faturar a qualquer custo para que nós brasileiros não vejamos que o rei está nu. Enquanto isso, assistimos embasbacados à disputa acirradíssima entre FHC, o príncipe dos sociólogos, e Lula, o príncipe dos trabalhadores, para ver quem tem mais esqueletos no armário. Quem será o último a dar um tiro neste pastiche de filme de Ennio Morricone? Ou todos os nossos políticos-atores ou atores-políticos estarão mortos ao final, crivados de balas? Talvez seja melhor que não sobre ninguém e que comecemos a rodar uma nova película, não mais no Far West, mas na Pasárgada mítica onde as aves gorjeiam e a vida tem mais amores. Manuel Bandeira, velai por nós, otários brasileiros!

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Sob o sol da…

“As águas são esmeraldas, o pôr do sol, alaranjado; as terras, azuis.”

Comentário do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) sobre a região da Provença, no sul da França

“Tínhamos sol, água e terra. Hoje temos sol demais, água de menos, terra poluída.”

Resposta do economista Edmar Bacha à pergunta “O Brasil tem jeito?” posta pelo jornalista Ancelmo Gois na edição de domingo, 14 de fevereiro do jornal O Globo.

“Estamos em 1776. Os hábitos de higiene no Rio de Janeiro são precários. Precaríssimos. A cidade é uma fedentina só. As pessoas estão acostumadas a fazer necessidades num balde, depois esvaziado na janela. As residências não possuem banheiros nem equipamentos sanitários.”

Trecho extraído do livro “A História do Brasil são outros 500” de Cláudio Vieira

    Prezados leitores, há duas semanas, os que me acompanham neste humilde espaço hão de lembrar que pedi aos ratos e urubus que largassem minha fantasia, o que foi uma maneira metafórica de torcer para que o vírus da zika não me pegasse em minhas férias carnavalescas. Com a ajuda da eficientíssima icaridina, passei incólume, posso dar-me por satisfeita: entrei em Maceió, nas Alagoas como turista e saí como turista e aqui falarei sob a perspectiva de uma turista que sai à cata de beleza em algum lugar do mundo.

    Com isso quero dizer que a experiência do turista deve seguir um roteiro esperado: o deleite com as coisas boas e o não contato com as coisas ruins. Quem vai para o Nordeste vai em busca do sol esplêndido que dá os vários tons de azul e verde da água do mar, o contraste do amarelo da areia e do vermelho das falésias com o Oceano Atlântico a perder de vista. Ficar ali, observando as ilhas cheias de árvores, as ondas ao longe batendo fez-me ter inveja dos índios que antes do trágico encontro com os europeus tinham tudo aquilo para si. Claro que seria ingênuo acreditar que o Brasil era o paraíso terrestre descrito por Pero Vaz de Caminha ao chegar à ilha de Vera Cruz. Afinal, os habitantes destas plagas precisavam conseguir o que comer e do que viver e para isso precisavam plantar, caçar, pescar e guerrear entre si.

    De qualquer forma, fazer tudo isso sob um sol resplandecente que dá beleza a tudo o que toca alegra a alma. Não é à toa que Van Gogh pintou alguns dos seus melhores quadros, como A Casa Amarela, O Café à Noite na Praça Lamartine e Quarto em Arles, quando esteve na região da França onde produziu mais de 300 obras, inspirado que foi pelas mais de 2.500 horas de sol anuais. Não estou aqui a comparar-me com o gênio holandês, pois o máximo que conseguirei produzir sobre o sol de Maceió será este opúsculo. Meu objetivo é simplesmente apontar que mesmo para um homem que sofria de depressão como ele o sol teve claros efeitos benéficos.

    Sim, minha alma lagarteou lânguida sob a luz do Nordeste. E no entanto, meu deslumbramento à la Pero Vaz de Caminha e Van Gogh conviveu nos cinco dias em que estive na capital do Estado de Alagoas com meu espanto ao constatar como tudo é sujo! No primeiro dia de minha jornada caminhei pela orla da Praia da Pajuçara, onde estava hospedada, até Cruz das Almas, e não deixei de ver o esgoto fluindo para o mar em nenhum dos locais por que passei. Pior, uma medida básica de colocar cestos de lixo se não na areia ao menos na fronteira entre ela e a calçada não é tomada nem pelo prefeito nem pelo governador, o que faz com que nos deparemos com latas de cerveja, copos de plástico e outras cositas más tanto em terra firme quanto no mar. E isso não foi só na cidade, mas também nas praias distantes alguns quilômetros de Maceió. Onde quer que se olhe há entulho, esgoto, sujeira. Reclamei desse estado de coisas com o recepcionista do hotel e ele repetiu o velho bordão de que é preciso educar o povo. Aos nativos com quem almocei na capital alagoana fui mais cautelosa na crítica, para não ferir susceptibilidades, mas, por serem pessoas esclarecidas, concordaram que há emporcalhamento demais em um local turístico que deveria estar brilhando de limpo.

    Não sei qual a solução para voltarmos às priscas eras em que a natureza era imaculada e nem estou aqui a dizer que São Paulo, onde moro, é um exemplo de limpeza comparado a Alagoas. Mas ficar esbarrando em objetos ao nadar e sentir cheiros nauseabundos quando estamos a flanar é mais chocante em um local que quer vender-se como belo e atraente. E realmente Alagoas precisa dos turistas. As crianças maltrapilhas vêm aos bandos nos pedir comida, os taxistas nos dizem que lá só há fazendas de coco e turismo como atividade econômica. De fato, o setor de serviços respondeu por 72% do PIB do Estado em 2013 e a agricultura por 10% do PIB de acordo com a publicação “Alagoas em Números” divulgada pela Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio. Para terem uma ideia do que estou falando a respeito da sujeira predominante, vou dar-lhes mais um número da terra de Graciliano Ramos: a rede de esgoto atendia em 2013 581.619 pessoas de um total no Estado de 3.340.932 em 2015, ou seja, mais ou menos (o cálculo não é exato porque o ano de referência é diferente) 20% dos alagoanos têm acesso ao saneamento básico. Governador José Renan Calheiros Filho, cuide das latrinas do seu povo que os turistas do Sul Maravilha com certeza acharão Alagoas uma beleza!

    Prezados leitores, não há como deixar de concordar com a opinião de Edmar Bacha sobre o que nós brasileiros fizemos com a terra onde se plantando tudo dá e onde os índios banhavam-se até dez vezes ao dia, na profusão de rios límpidos que aqui corriam. Não mais jogamos as águas servidas pela janela, mas num momento em que o mosquito da dengue, da zika e da chikungunya está manchando nossa reputação aos olhos do mundo, o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, intitulada “Casa Comum, Nossa Responsabilidade” vem bem a calhar. Caso não sigamos os conselhos da CNBB, o turista das regiões mais prósperas do Brasil trocará definitivamente o sol do Nordeste pelo sol da Provença e de outros lugares mais salubres.

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Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia

48,6% da população têm acesso à coleta de esgoto.
Mais de 100 milhões de brasileiros não tem acesso a este serviço.
Mais de 3,5 milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam esgoto irregularmente, mesmo tendo redes coletoras disponíveis.
Mais da metade das escolas brasileiras não tem acesso à coleta de esgotos.
47% das obras de esgoto do PAC, monitoradas há 6 anos, estão em situação inadequada. Apenas 39% de lá para cá foram concluídas e, hoje, 12% se encontram em situação normal.
39% dos esgotos do país são tratados.
O custo para universalizar o acesso aos 4 serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos e drenagem) é de R$ 508 bilhões, no período de 2014 a 2033.Para universalização da água e dos esgotos esse custo será de R$ 303 bilhões em 20 anos.

Dados obtidos no site www.tratabrasil.org.br

    Prezados leitores, a salvação da lavoura no momento não é nem o Rodrigo Janot, nem o Sérgio Moro e nem o japonês da Polícia Federal que prende os larápios. Chama-se Exposis, o repelente mais eficaz contra o famigerado aedes. 100 ml custam 53 reais e de acordo com o atendente da farmácia onde adquiri meu frasco, há pessoas que quando ficam sabendo que um novo lote chegou correm para adquirir cinco, seis exemplares para segurança. Afinal, para quem pode comprar um repelente tão caro faz sentido proteger-se contra o lado negro dos trópicos ao desfrutar as delícias do sol e do mar em algum resort no Nordeste brasileiro. Entre os planos do governo está a distribuição de mata-bichos às mulheres grávidas, mas duvido que o princípio ativo seja a icaridina importada da Alemanha. Afinal, tudo o que é feito para os pobres neste país é mal feito ou feito pela metade.

    Os dados que citei acima corroboram essa má vontade que temos com os necessitados. O tratamento do esgoto causaria um impacto gigantesco na vida dos brasileiros em termos de diminuição de doenças associadas à sujeira da água e ao lixo acumulado. Não é coincidência que o epicentro da transmissão do vírus zika esteja no Nordeste. Lá, apenas 28,8% do esgoto é tratado, a segunda pior região do Brasil, atrás apenas da Região Norte, cuja porcentagem de tratamento fica em 14,7%. O aedes aegypti, apesar de botar seus ovos em água limpa, não reinaria tão lindo e faceiro se vivêssemos em cidades limpas e arejadas. Mas para que conseguíssemos isso seriam precisos investimentos de bilhões de reais e temos outras prioridades, como a Copa do Mundo e as Olímpiadas que ocorrerão em agosto, pagamento de juros estratosféricos aos credores da dívida estatal e pagamento de propinas a funcionários públicos e políticos para que o presidencialismo de coalizão que conseguimos depois de 25 anos de democracia possa continuar mantendo os mesmos macacos velhos no poder.

    Aliás, por falar em Olimpíadas, provavelmente terão o mesmo destino da Copa do Mundo, cujo legado foram os elefantes brancos e as dívidas. Independentemente de as previsões catastróficas dos infectologistas e especialistas em saúde pública a respeito do nível de contaminação concretizarem-se, o mal já foi feito. A Organização Mundial de Saúde soou as trombetas do caos, declarando emergência máxima, e agora todo mundo, inclusive os potenciais turistas do maior evento esportivo do ano, sabem que há mais um motivo para evitar o Brasil, além da violência endêmica. Pobres atletas que terão que vir para cá sujeitarem-se a pegar hepatite nas águas poluídas da Baía de Guanabara ou uma das três doenças transmitidas pelo aedes. Para aqueles que já deram uma passada para reconhecer o terreno onde irão lutar por medalhas, os treinadores, entre eles o japonês Shineo Knase, recomendam ficarem o mais dentro do hotel possível e quando saírem no calor de 35 graus à sombra da cidade maravilhosa usarem calças compridas e camisas de manga. É verdade que as autoridades cariocas estão inspecionando os locais onde ocorrerão as competições olímpicas em busca de qualquer foco de mosquito, e provavelmente farão um bom trabalho nessas áreas privilegiadas até dia 5 de agosto, mas nossa imagem já foi indelevelmente conspurcada na comunidade internacional, e em matéria de turismo imagem é tudo.

    A respeito do alerta da OMS, é sempre bom termos um pé atrás em relação às previsões médicas, afinal é do interesse da classe manter os pobres leigos com medo da morte e da doença para que sigamos suas prescrições e eles mantenham o controle sobre nossas vidas. A gripe suína, a gripe aviária, o ebola, foram anunciados como as pragas do Egito, e no final não foram tudo isso que disseram. As catástrofes anunciadas geram manchetes na capa dos jornais e revistas, geram memes no facebook, e por aí vai. E mesmo quando os médicos falam de maneira sensata, sem declarações bombásticas, a mensagem chega distorcida por falta de conhecimento científico da plebe. Correlação é diferente de causação: dizer que dois fenômenos sempre ocorrem juntos, como dizem os especialistas ser o caso do vírus zika e da microcefalia em bebês de mães portadoras da doença, não significa que o vírus cause o problema, afinal pode haver um outro elemento que seja responsável pela ocorrência dos dois. Uma série de fatores devem ser levados em conta, como o nível de nutrição dos contaminados, o nível de exposição a agentes ambientais tóxicos, etc., o que faz com que qualquer conclusão no momento seja leviana. Há vários grupos de pesquisadores tanto no Brasil quanto no exterior que estão tentando fazer as perguntas pertinentes para chegar às respostas mais satisfatórias e talvez daqui a alguns anos saibamos qual a exata ação do vírus no corpo humano.

    Enquanto os cientistas verificam suas hipóteses, o troféu de epicentro de uma epidemia mundial já foi dado ao Brasil, o ex-país do futebol e ex-BRIC, pois agora, depois de nossa débâcle econômica, já não somos considerados parte do grupo dos emergentes, cujo nome passou a ser TICKs: Rússia e Brasil, meros produtores de commodities, foram colocados de lado em prol de países que vendem produtos tecnológicos, Taiwan e Coreia do Sul. Por isso leitores, recomendo-lhes, quando forem divertir-se no carnaval em praias paradisíacas, mas provavelmente com um pouquinho de esgoto, não deixem de levar seu frasco de Exposis para livrarem-se da zica do mosquito. Parodiando o famoso enredo de Joãozinho Trinta à frente da escola de samba Beija-Flor em 1989: aedes, largue minha fantasia.

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