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Não custa perguntar

Posted by on 07/03/2016

Uma coisa que o Brasil não está fazendo bem é gerenciar suas finanças com cuidado. Cinco institutos econômicos alertaram que há o risco de a dívida pública sair do controle. Ítalo Lombardi do Standard Chartered, disse que a porcentagem da dívida pública em relação ao PIB está aumentando 10% a cada ano, à medida que a recessão mina a base tributária, e está caminhando para atingir a marca de 80% em 2017. Esse é um nível perigoso para um país da América Latina cujos mercados de títulos ainda são pouco desenvolvidos. “É uma bomba relógio,” ele disse. […] Ao mesmo tempo o Brasil é um dos poucos países em que o coeficiente GINI de desigualdade caiu nos últimos quinze anos, em que pese ainda ser alto, 52,9. A mortalidade infantil caiu para 15 por 1,000 crianças nascidas vivas, sendo que em 1990 esse número era de 51.

Trechos retirados do artigo “Downfall of Brazil’s Lula marks the end of the BRICS fantasy”, de autoria do jornalista econômico Ambrose Evans-Pritchard e publicado na versão eletrônica do jornal Daily Telegraph de 7 de março

    Prezados leitores, tantas emoções nestes últimos dias, tantos desdobramentos dessa lavagem de Brasílias amarelas, peruas Elbas e fuscões pretos que está sendo feita pela tal da força-tarefa do Ministério Público Federal. Quem não se regozijaria com tantos resultados até o momento, a revelação da rede de propinas montada às expensas da Petrobrás, a colocação de magnatas atrás das grades, e para cúmulo da nossa ânsia de justiça, a convocação de Lula para prestar esclarecimentos à polícia judiciária federal? E no entanto, permito-me aqui neste meu obscuro espaço virtual enumerar uma série de perguntas que me veem à cabeça. Eu como adepta da maiêutica de Sócrates não tentarei respondê-las, minha tarefa é apenas lançá-las na rede mundial:

    Por que há tantos vazamentos a respeito da Operação Lava Jato? Por que há indivíduos na Polícia Federal e no Ministério Público que sempre dão com a língua nos dentes? Serão esses vazamentos fruto do heróico labor dos nossos jornalistas investigativos, ansiosos por revelar a podridão de parte da nossa classe política? Ou será que há um esforço voluntário de certos grupos de destruir a reputação dos seus desafetos para proveito próprio?
Terá sido mera coincidência que a revista Istoé revelou na quinta-feira dia 3 de março parte do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral e que no outro dia Lula foi conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos? Será que já havia um script pronto a ser seguido para criar um fato consumado, o de que a hora de Lula havia chegado?

    Aliás, a respeito da delação premiada por que a imprensa tem tratado tudo o que é dito como revelações, quando na verdade são alegações, ou para sermos mais técnicos, um dos elementos de prova reunidos pelo Ministério Público para convencer o juiz a condenar o réu denunciado? Afinal, de acordo com as regras do processo criminal brasileiro, o juiz tem direito a formar sua convicção livremente e pode inclusive desconsiderar determinadas provas. Além disso, uma das partes pode conseguir a anulação de uma prova obtida por meios considerados ilícitos. Por que num dia o vazamento ocorre e no outro somos levados a acreditar que tudo aquilo é a pura expressão de toda a verdade e suficiente para embasar uma condenação? Em suma, por que somos levados a crer que a delação premiada é a Excalibur que vai permitir ao Judiciário vencer os dragões da maldade, os inimigos do povo brasileiro que roubam o dinheiro público? Por que os formadores de opinião não expressam uma visão mais desassombrada da delação: um instrumento processual introduzido em 1990 no nosso ordenamento pela Lei 8.072 sobre crimes hediondos que era previsto em determinadas leis e que agora é usado a torto e a direito com a sofreguidão dos recém-convertidos?

    Será que a luta contra a corrupção justifica todas as inovações jurídicas do juiz Sérgio Moro? Para o bem e para o mal, ele é o trendsetter do momento no Judiciário e o STF está apenas seguindo o caminho das pedras por ele jogadas. Prisão preventiva, que antes era exceção por questões de política criminal e pela presunção da inocência, agora é a regra para os acusados no âmbito da Lava-Jato. A prisão preventiva faz os brasileiros felizes e ainda coage o preso a negociar uma delação premiada para ele livrar-se da cadeia. É pressão total tanto de Moro, que homologa as delações, como dos membros do MPF que a negociam. Se antes a delação premiada protegia testemunhas, no cenário atual de vassouradas contra a corrupção ela é instrumento de intimidação. Nesse sentido, os promotores públicos brasileiros tornar-se-ão cada vez mais parecidos com os public prosecutors americanos, que são eleitos e cujo objetivo é sempre o de aumentar suas taxas de condenação.

    Supondo que o objetivo maior de desbaratar as organizações criminosas que tomaram de assalto o Estado brasileiro seja de tal maneira importante que justifique o enxerto de vários americanismos no processo criminal brasileiro. Qual será o efeito a longo prazo dessas novidades? Elas acabarão sendo incorporadas definitivamente por aqui, ou serão esquecidas tão logo os bandidos do enredo atual sejam pegos e condenados? A delação premiada e a prisão preventiva, para que não haja agravamento do quadro criminoso, como diz Sérgio Moro, serão no futuro sonhos de uma noite de verão? Caso contrário, qual será o efeito sobre os cidadãos brasileiros comuns? Haverá um aumento nos índices de encarceramento? Haverá uma maior desconfiança sobre todo e qualquer investigado/acusado/indiciado/réu, como se todos fôssemos possíveis receptores de propina?

    E se colocarmos muitos magnatas na prisão ao fim da Lava-Jato, isso transformará o Judiciário brasileiro no árbitro supremo da Nação? Se não sobrar nenhum político digno de nossa estima, transformar-nos-emos em uma República governada pelos juízes? Será esse o fruto mais doce da nossa democracia, termos a vida regulada por indivíduos não eleitos? Será melhor sermos governados por uma oligarquia de juízes do que sermos governados por uma oligarquia de políticos que precisam arranjar dinheiro para financiar suas campanhas?

    Finalmente, considerando o estado calamitoso das contas públicas, é preciso admitir que o ciclo da Constituição Cidadã de 1988 parece estar chegando ao fim, devido a nossa impossibilidade material de financiar tantos direitos. O bilhete da loteria premiado, representado pelo boom das commodities e que permitiu tirar 30 milhões de brasileiros da pobreza, está gasto e puído. Nesse sentido, será essa luta contra a corrupção uma mera fachada de uma luta feroz entre os grupos organizados para ver quem vai pagar a conta da ressaca pós-boom que o Brasil está apenas começando a enfrentar? O governo do PT tomou diversas iniciativas para cumprir as diretrizes constitucionais, entre elas a Lei 12.382 de reajuste nominal do salário mínimo, com impactos sobre os benefícios previdenciários e claro, sobre o sucesso do PT nas quatro últimas eleições presidenciais. Quem vai estabelecer as prioridades? Aqueles que foram beneficiados pela Constituição de 1988 serão obrigados a voltar ao seu status anterior? Ou os que eram beneficiados antes farão sacrifícios? Como será resolvida a distribuição dos ônus e dos bônus? Pelas urnas, nas ruas na base da luta livre ou no Judiciário?

    Prezados leitores, não pensem, ante minha perplexidade, que estou aqui a defender que o PT passou 13 anos no poder de maneira impoluta ou que a mudança de paradigmas realizada pelo MPF pela PF e por Sérgio Moro não fará nossos trapaceiros irem com menos sede ao pote da próxima vez. O que me assusta é que essa politização do Judiciário e a judicialização da política podem fazer com que fiquemos enredados em disputas sem fim e que fiquemos sem saber que rumo tomar. Oxalá todas as minhas perguntas possam ser facilmente respondidas e prontamente descartadas.

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