Desintegração criativa?

Nos períodos “orgânicos”, socialmente coerentes e harmoniosos, os membros de uma sociedade são unidos por um acordo comum sobre a organização social e suas finalidades; as relações individuais e políticas são estáveis e aceitas, e a posse do poder reflete as diversas capacidades de contribuir para o bem-estar da sociedade. Os períodos “críticos”, por contraste, são marcados pelo colapso do consenso e pela desintegração da sociedade em fragmentos dissidentes e mutuamente hostis; o status é questionado, as relações se enfraquecem, e, na consequente luta pelo poder, as capacidades relativas das classes e dos indivíduos discordantes são esquecidas.

Trecho retirado do livro “Um Estudo da História”, de Arnold Toynbee, historiador britânico 1889-1975)

Jair Bolsonaro vai mesmo anunciar oito dos seus 15 ministros antes das eleições. Alguns já estão escolhidos, ou quase certos. […]No Ministério da Educação, o franco favorito é o diretor executivo da FGV Online, Stavros Xanthopoylos, especialista em educação à distância. Foi apresentado a Bolsonaro por Paulo Guedes.

Nota na coluna de Lauro Jardim, na edição do jornal O Globo de 26 de agosto.

   Prezados leitores, depois de uma longa ausência, eis que estou de volta. Não foram os acontecimentos recentes no Brasil motivos suficientes para que eu resolvesse voltar a escrever, ao menos por enquanto, mas minha leitura do livro acima citado. Nele, o autor, do alto do seu conhecimento enciclopédico sobre o que aconteceu ao longo de milhares de anos de atividades do homo sapiens em todos os quatro cantos do mundo, estabelece um padrão de como as civilizações desenvolvem-se, atingem o apogeu e fenecem. Para Toynbee, a liderança criativa da sociedade exerce o papel-chave no processo: é ela que, ao apresentar respostas satisfatórias aos desafios colocados pelo meio ambiente e pelas ameaças externas, ascende ao poder, controlando as massas, que aderem ao seu projeto por beneficiarem-se pela prosperidade trazida pelas decisões acertadas tomadas pela elite. No entanto, a vida em sociedade é dinâmica, e os desafios mudam ao longo do tempo. Pode ocorrer de aquelas respostas dadas pela liderança em um determinado momento não servirem mais depois. Se ela não for capaz de exercer a criatividade e encontrar novas soluções, a civilização começa a desintegrar-se, porque o que funcionava antes não funciona mais: a nata da sociedade que antes era criativa e ascendeu pelo mérito, transforma-se em um grupo fechado, preguiçoso, que se apega ao poder de qualquer forma, corrompido que foi pelos privilégios que a posição dominante lhe dá.

    Como todo esquema de interpretação da realidade, ele é simplista porque divide as eras em compartimentos estanques, o que quase nunca ocorre no lusco-fusco da miríade de interações humanas que fazem a história, e é mais facilmente aplicado a sociedades do passado, sobre as quais já sabemos o desfecho, ou a causa do óbito, como diriam os médicos-legistas. Difícil é fazer uso desse conceito dialético no momento presente, do qual participamos neste território brasileiro. Em que ponto estamos da linha de desenvolvimento? Estamos no começo da decadência, que levará à derrocada pelos múltiplos erros de julgamento da elite, ou estamos já na fase em que a incompetência da elite já está tão escancarada que ela está pronta para ser defenestrada e outros grupos na sociedade já se encontram capazes de dar respostas novas?

     Os sinais de que estamos em um período de grande discordância, como descreve Toynbee, são óbvios demais para serem ignorados. No Brasil de 2018, os especialistas não nos dão mais segurança, ao contrário, confundem-nos ainda mais. Afinal, prisão depois de sentença penal condenatória em segunda instância é constitucional ou não? Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, decidiram em 26 de junho soltar José Dirceu, condenado a 30 anos de prisão no âmbito da Operação Lava-Jato, sob a alegação de que a pena dele pode ser diminuída se os recursos que ele impetrou forem acatados. Um argumentando tortuoso para dizer o mínimo, que parece ter sido tirado da cartola para que os três partidários da presunção de inocência absoluta até o esgotamento de todos os recursos não tivessem que admitir claramente que estão se lixando para a decisão colegiada do STF que estabeleceu a prisão em segunda instância em 11 de novembro de 2016 por seis votos a cinco.  Decisão esta que embasou a colocação de Lula na prisão por decisão do colegiado do STF de 4 para cinco de abril neste ano. Tal inconsistência não é de espantar, considerando o que diz Conrado Hübner Mendes, professor do Departamento de Direito do Estado da USP: “é óbvio que o STF não funciona como órgão colegiado, não é um lugar que leva a colegialidade a sério.”

    Se nossos especialistas em Direito Penal se digladiam a respeito do que significa ser culpado no ordenamento jurídico brasileiro, os doutos em Direito Internacional também o fazem em sua seara. Afinal, a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU em 17 de agosto, recomendando que o Brasil tome todas as medidas necessárias para assegurar que Lula possa exercer seus direitos políticos na prisão, como candidato às eleições presidenciais, é o quê? Vincula o governo brasileiro ou é simplesmente uma recomendação que pode ser ignorada sem grande peso na consciência do país? Um pouco antes, em 30 de julho o Ministério Público Federal reabriu as investigações sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, depois que o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos em junho por não punir os responsáveis pelo “suicídio” dele em 1975.

    É verdade que o Brasil em 10 de dezembro de 1998 reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos e que o Comitê da ONU não tem característica de tribunal. Por outro lado, aqui também há um quê de inconsistência das nossas autoridades jurídicas. Afinal, o STF, em 29 de abril de 2010, decidiu rejeitar o pedido da OAB para que anulasse o perdão dado aos policiais e militares que foram acusados de praticar tortura e modificasse a Lei da Anistia, de 1979. Naquele mesmo ano, em novembro de 2010, a CIDH ao julgar o Caso Gomes Lund a respeito da Guerrilha do Araguaia, considerou que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana”. Em suma, o Brasil, de 2010 a 2018, quando o caso Vladimir Herzog, foi reaberto, não seguiu a ordem da CIDH de investigar e punir os torturadores do aparato estatal, apesar de estarmos vinculados a ela por tratado internacional. Será que a recomendação da ONU a respeito da garantia a Lula do direito de ser candidato está sendo solertemente ignorada porque é a conveniência política do momento ou por uma razão estritamente técnica?

    Esses são meros exemplos da cacofonia que reina em nosso Brasil. Cabe perguntarmo-nos se estamos no fundo do poço e se a eleição de 7 de outubro significa que elegeremos um presidente que derrubará a velha ordem e dará uma resposta nova aos desafios do século XXI, em que a socialdemocracia vislumbrada pela Constituição de 1988 parece não ter espaço. Será a solução Posto-Ipiranga de Jair Bolsonaro mais uma falsa solução ou um lampejo de criatividade que nos tirará da areia movediça em que nos encontramos? Os sinais são contraditórios. De um lado, a ideia dele de enxugar o número de ministérios e fazer escolhas de nomes para ocupar os cargos de primeiro escalão sem toma-lá-dá-cá com partidos vai ao encontro do desejo do povo brasileiro de acabar com o presidencialismo de coalizão que tanta corrupção tem gerado na gestão do Estado. De outro lado, a solução Paulo Guedes de privatização de tudo o que é possível soa como mais do nosso velho conhecido capitalismo dos amigos (ou crony capitalism como os anglo-saxões referem-se a esse tipo de sistema), que vende a parte boa das estatais e deixa as dívidas com o povo brasileiro, como foi feito com as distribuidoras de energia elétrica e como pretendia ser feito com a Eletrobrás por Michel Temer. E a reforma da previdência: Bolsonaro proporá uma regra única a todos, funcionários públicos e privados, ou protegerá o grupo ao qual pertence, os militares, que gozam de tantas regalias a respeito da aposentadoria? Será que o novo de Bolsonaro será uma mera cortina de fumaça para que a minoria dominante continue a usufruir dos seus privilégios mandando a conta para outros? Provavelmente, nem o genial Arnold Toynbee, professor do King’s College de Londres e membro da delegação inglesa presente na Conferência de Paz que levou ao Tratado de Versalhes, se estivesse a analisar a discórdia em que o Brasil se encontra, não conseguisse chegar a nenhuma conclusão.

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Reflexões no Dia do Trabalhador

O relatório “O futuro do emprego”, publicado em 2013 pelos economistas Carl Frey e Michael Osborne, da Oxford Martin School, avaliou que algoritmos sofisticados podem substituir 140 milhões de profissionais que atuam em atividades intelectuais em todo o mundo. O documento menciona exemplos como a crescente automatização das decisões tomadas no mercado financeiro e até mesmo o impacto no trabalho dos engenheiros de software – por meio do aprendizado de máquina, a programação pode ser aperfeiçoada e acelerada com o auxílio de algoritmos.

Trecho retirado do artigo “O mundo mediado por algoritmos”, de Bruno de Pierro, publicado na revista Pesquisa FAPESP de abril de 2018

Os economistas e juristas afirmam ser cedo ainda para avaliar a real dimensão da nova lei. Mas, em ao menos um caso, ela já deu mostras inequívocas de ter alcançado um de seus principais objetivos: desafogar a Justiça do Trabalho das ações oportunistas e restringir a indústria de processos. Assim que a lei entrou em vigor o número de novos casos apresentados nas varas do Trabalho de todo o país caiu pela metade. A média mensal foi de 244.000 processos, antes da reforma, para 110.000 depois dela.  

Trecho retirado do artigo “Adeus à Indústria de Ações” de Marcelo Sakate, publicado na edição da revista Veja de 2 de maio de 2018

Cartão do Bolsa Família, o mais importante programa de assistência social do governo federal

    Prezados leitores, em comemoração ao Dia do Trabalhador, o excelentíssimo Presidente da República Michel Temer anunciou o reajuste do benefício do Bolsa Família em 5,67%, válido a partir de julho deste ano. Para quem não sabe, a ajuda mensal, tão polêmica no Brasil, é concedida a famílias pobres, isto é, com renda mensal entre R$ 85,01 e R$ 175,00, e a famílias extremamente pobres, isto é, aquelas cuja renda mensal é inferior a R$ 85,00. A apresentação que o governo federal faz do aumento no valor do benefício como uma conquista dos trabalhadores no seu dia é estranha, mas reveladora.

    Estranha porque o Bolsa Família não tem nada a ver com trabalhadores, bem ao contrário (e aqui não há nenhum julgamento de valor a respeito da conveniência ou não desse benefício de assistência social). Uma família que vive com R$ 175 reais por mês é uma família em que não há um único membro que tenha um emprego digno do nome, ou que tenha tido algum emprego recentemente. Afinal, se houvesse um membro desempregado na família, ele estaria recebendo seguro-desemprego, cujo valor é a média dos três últimos salários antes da dispensa.  Como o valor máximo do Bolsa Família é de R$ 195, fica claro que seu público-alvo não é a figura clássica, alguns diriam jurássica, do trabalhador, que já teve ao menos um registro de emprego em carteira ganhando salário mínimo, que hoje é de R$ 954 reais.

    Se o Bolsa Família não é um benefício previdenciário, a ser usufruído por um indivíduo que já tenha contribuído para a Previdência Social por ter emprego registrado em carteira de trabalho, qual a razão de Temer fazer questão de anunciar o reajuste às vésperas do 1º de maio? Será por que ele não tem nada de concreto a oferecer àqueles que não são suficientemente desprovidos para nunca terem tido o status de trabalhador? Será que essa boa notícia encobre uma situação no mínimo incerta na seara daqueles que são os legítimos alvos da comemoração do dia?

    Afinal, o Brasil ainda tem 13 milhões de desempregados, e embora a reforma trabalhista tenha diminuído o número de ações na Justiça do Trabalho, fato comemorado pelos empresários, a sua aprovação às pressas teve como justificativa a necessidade premente de resolver o problema da desocupação. Como a própria revista VEJA admite, a nova CLT ainda está longe de dar frutos nesse quesito, se é que algum dia vai dar. Para ficarmos num único exemplo, o contrato intermitente permanece uma incógnita do ponto de vista previdenciário: se não há jornada fixa e o pagamento de contribuições ao INSS é proporcional ao número de horas trabalhadas, como o trabalhador conseguirá fazer jus às férias, ao salário-maternidade, ao auxílio-doença, à aposentadoria por invalidez, os quais exigem um mínimo de contribuições previdenciárias? De fato, se o trabalhador em contrato intermitente ficar um mês inteiro sem trabalhar, o que é possível, nem ele nem o empregador farão pagamentos ao INSS. Tanto é um buraco negro gerador de muita perplexidade esse tipo de vínculo empregatício que de novembro a março “apenas 12.800 trabalhadores foram admitidos por esse novo regime!”, de acordo com a revista.

    A chance de resolver algumas das dúvidas relativas ao contrato intermitente foi desperdiçada quando a Medida Provisória 808 de 17 de novembro de 2017, que garantia o pagamento de salário-maternidade e de auxílio-doença aos trabalhadores intermitentes, perdeu a validade sem ter sido transformada em lei no Congresso Nacional. Talvez os deputados e senadores não tenham achado o aprimoramento da lei para que os novos regimes de contratação não levassem à pulverização dos benefícios previdenciários um assunto prioritário.  Afinal, a reforma da previdência cedo ou tarde virá e ela com certeza, ao tornar a aposentadoria um sonho muito mais longínquo ou impossível, vai compensar em muito a erosão da base das contribuições previdenciárias causada pelo desemprego e pela realização de uma reforma trabalhista que introduz jornadas parciais e jornadas flutuantes que não garantem receitas periódicas ao INSS.

    De qualquer forma, tenhamos fé que a razão pela qual nossos parlamentares não se importaram em regulamentar a Lei 13.467 de 2017 é porque sabem que no futuro tudo será esclarecido pelos próximos legisladores que se debruçarem sobre o problema do financiamento da seguridade social, ou melhor pelo mercado, pois agora empregados e empregadores estão livres para negociar os termos do contrato de trabalho. Se antes quando a lei era rígida já havia sonegação de contribuições previdenciárias pelo registro a  menor do salário na carteira, agora, quando a flexibilidade é muito maior para estabelecer as condições de contratação, os agentes econômicos certamente preocupar-se-ão muito mais com a viabilidade financeira do sistema de previdência social do Brasil, pois estão conscientes que o preço da maior liberdade deve ser uma maior conscientização sobre o bem-estar coletivo. É ver para crer. Ou ver para chorar.

    Prezados leitores, pelo andar da carruagem do governo Temer, a reforma da CLT terá sido seu único legado. Sabendo quão frágil esse legado permanece em vista do persistente índice de desemprego, nosso douto Presidente cola o Bolsa Família ao trabalhador certamente por falta de algo melhor a oferecer em termos de política social, e talvez em virtude de sua consciência de que no frigir dos ovos o futuro do trabalhador poderá ser o de recipiente de Bolsa Família. Se a combinação dos algoritmos e do Big Data, que é o acúmulo de uma quantidade astronômica de dados, permitir aos computadores tomar decisões melhores do que um ser humano conseguiria, é provável que a profecia dos economistas citada no início deste artigo não seja mero alarmismo, mas concretize-se gradual e inexoravelmente. Isso significaria transformar milhões de trabalhadores de hoje em desempregados estruturais amanhã. Quando esse dia chegar, contribuições e benefícios previdenciários ficarão obsoletos e a única coisa que teremos à disposição será a garantia de renda mínima proporcionada pela assistência social. Esperemos que os privilegiados que conseguirão manter-se operantes na Quarta Revolução Industrial tenham simpatia por nós pobres redundantes. O excelentíssimo Michel Temer já está lhes mostrando o caminho da caridade.

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A democracia ou o clube dos ressentidos

O apelo mais constante que ele fazia era ao ressentimento, a mais sustentável das emoções (pode durar toda uma vida e, sendo facilmente transferível, pode ser herdada). Barrera em seu romance certamente não pretende dizer que a Venezuela era uma espécie de paraíso antes da ascensão de Chávez, com sua diferença abissal entre os ricos ou mesmo moderadamente bem de vida e os pobres, ou que não havia nenhuma razão para alguém estar descontente. Mas o charlatanismo ressentido de Chávez, sua atitude de vendedor agressivo de soluções políticas e econômicas rápidas foi um desastre para o país do qual este levará várias gerações para se recuperar. 

Trecho retirado do artigo “Pensamento revolucionário” do médico e escritor inglês Theodore Dalrymple, publicado em 21 de abril

Eu cometi esse crime e eles não querem que eu cometa mais. É por conta desse crime que já tem uns dez processos contra mim. E se for por esses crimes, de colocar pobre na universidade, negro na universidade, pobre comer carne, pobre comprar carro, pobre viajar de avião, pobre fazer sua pequena agricultura, ser microempreendedor, ter sua casa própria. Se esse é o crime que eu cometi eu quero dizer que vou continuar sendo criminoso nesse país porque vou fazer muito mais. Vou fazer muito mais.

Trecho do discurso do ex-presidente Lula antes de ser preso em 8 de abril

Todas as vezes em que o Estado constatar que há problema grave de sub-representação de grupos minoritários – negros, mulheres -, esse dado estatístico deve ser levado em conta para a tomada de decisões, tendentes a corrigir essa anomalia.

Fala de Joaquim Barbosa, provável candidato à Presidência da República

Quadro pintado por Maria Auxiliadora da Silva (1935-1972), pintora negra brasileira autodidata

    Prezados leitores, as citações que abrem este artigo mostram que a prática democrática na América Latina tem se mostrado o palco da expressão dos nossos recalques e ressentimentos, fruto das nossas desigualdades atávicas. Para quem não sabe, dos 20 países com os índices Gini mais altos (e, portanto, mais desiguais), oito estão na América Latina e o resto está na África Subsaariana. De acordo com o Banco Mundial, o Brasil tinha um índice Gini de 51,3 em 2015, a Noruega de 27,5 e o da Venezuela em 2006 era de 46,9.

    Menciono os números referentes a Brasil e Venezuela porque os dois líderes latino-americanos que mais souberam trabalhar esses ressentimentos dos que não têm contra os que têm e vice-versa foram Hugo Chávez e Lula. O perfil da Venezuela no CIA Fact Book mostra como os investimentos sociais de Chávez reduziram a pobreza de 50% em 1999 para 27% em 2011. Bravo, diria Gleisi Hoffmann, a presidente do PT. Esse resultado seria realmente motivo para celebração se fosse sustentável, mas a ênfase de Chávez na confrontação, no nós contra eles, sejam eles as elites brancas venezuelanas ou o império americano, fez com que mais de um milhão de cidadãos qualificados deixassem a Venezuela rumo aos países europeus de seus antepassados, ao Canadá, à Colômbia e aos Estados Unidos.

    Felizmente essa fuga em massa de cérebros ainda não ocorreu no Brasil, e Lula no auge da sua popularidade nunca caiu na burrada de demitir 20.000 funcionários da estatal do petróleo, incluindo os valiosíssimos engenheiros, como fez Hugo Chávez em 2002-2003 para punir seus adversários por terem realizado uma greve na Petróleos de Venezuela S.A.. É verdade que atualmente, como mostra seu discurso de oito de abril, Lula tem explorado cada vez mais a verve do ressentimento para caracterizar sua posição de vítima de um Judiciário de conluio com as elites, mas o faz num momento em que tem poucas perspectivas de voltar ao poder. Para o bem do Brasil, as políticas sociais de Lula diminuíram a desigualdade de renda de uma maneira mais contemporizadora e malemolente, no estilo “lento, gradual e seguro” mais afeito à nossa herança portuguesa e africana, que garantiu que não houvesse uma reação violenta da classe média qualificada como houve na Venezuela. Digo que foi para o bem do Brasil, porque por mais que a classe média na América Latina queira ficar longe dos pretos, índios, mestiços e pobres, ruim com ela, pior sem ela. Sem mão de obra qualificada não há como fazer a economia girar.

    A saída para esse impasse talvez seja a proposta por Joaquim Barbosa, aumentar a participação dos negros nas universidades e nos cargos públicos por meio das cotas, de forma a mudar o perfil da classe média no Brasil e torná-la menos identificada com os interesses das elites, como tem ocorrido historicamente no Brasil, algo tão bem mostrado por Machado de Assis nos personagens de seus romances que gravitam em torno dos membros da elite, como Escobar e Capitu o fizeram em relação a Bentinho.  Mas esse caminho tem suas armadilhas, como mostra o sucesso de um candidato como Jair Bolsonaro, que já criticou os quilombolas de Eldorado Paulista por não fazerem nada nas terras que lhes foram concedidas. É provável que a denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge contra o ex-capitão do Exército, a quem ela acusa de crime de racismo contra quilombolas, indígenas, mulheres e LGBTs, permita a Bolsonaro colocar-se no papel de vítima de perseguição da esquerda. Dessa forma, se Joaquim Barbosa tentar explorar sua condição de negro para vender sua candidatura àqueles que se beneficiariam de cotas, ele talvez perca votos em uma classe média zelosa da sua posição longe da “senzala”.

    Se é inevitável que a democracia em países diversos e desiguais como o Brasil e a Venezuela funciona movida pelo ressentimento mútuo dos eleitores chamados a escolher aquele que será seu amigo no poder, então talvez a essa altura o ressentimento cuja exploração seja menos nociva em nosso país seja aquele que nutrimos contra os corruptos. Afinal, ao contrário do ressentimento dos que têm contra os que não têm, que pode levar a uma distribuição de renda contraproducente no longo prazo, como ocorreu na Venezuela, o pior efeito que o ressentimento contra os corruptos pode ter é o de levar a uma diminuição das garantias dos acusados e um reforço do direito penal do inimigo, o direito das transações penais, do toma lá dá cá entre promotores e acusados, aquele que foi aplicado para condenar Lula e que eu tentei humildemente explicar neste espaço há duas semanas. Por mais que a OAB esperneie contra as limitações colocadas à presunção da inocência, as eventuais injustiças cometidas pelo exercício desse novo direito penal não terão grande efeito sobre a grande maioria da população delinquente brasileira, que não terá grandes coisas para revelar em delações premiadas porque não faz parte da cúpula de grandes esquemas criminosos.

    Seja como for, esse clube de ressentidos de que é refém a democracia na América Latina não promete nos levar por um caminho de escolhas mais sensatas sobre o que fazer para resolver os problemas do Brasil. Seja o juiz implacável defensor das minorias oprimidas e da punição dos corruptos, seja o defensor da lei e da ordem para que o Brasil não vire a Venezuela, essa exploração de vinganças e recalques fará com que deixemos de lado a qualidade que para mim deveria ser essencial: quem tem mais capacidade de gerir, isto é de mobilizar recursos humanos e materiais em prol de um objetivo? Para responder a tal pergunta seria preciso confrontar o currículo dos respectivos candidatos para verificar quem mais obteve resultados nessa categoria. Tanto Barbosa quanto Bolsonaro receberiam nota zero, porque nunca administraram nada, nem loja de 1,99 muito menos uma prefeitura ou um governo estadual. Pelo andar da carruagem democrática, o ganhador das batatas será aquele que souber dar melhor expressão aos sentimentos descritos por Dalrymple em seu artigo sobre o caudilho venezuelano. Quem perde somos todos nós.

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Vários pesos e várias medidas

Milhares de crianças morreram na Guerra do Iêmen, a maioria morta pelos sauditas e seus aliados. Esses crimes de guerra foram documentados pelas Nações Unidas a despeito de um esforço diplomático conjunto dos Estados Unidos e do Reino Unido nas Nações Unidas para minimizar os crimes dos sauditas. Bombas de fragmentação, fósforo branco e outras armas ilegais foram usadas frequentemente. As crianças mortas no Iêmen raramente são manchete nos grandes veículos de comunicação, ao passo que as crianças sírias sim.

Trecho retirado do artigo “Rastreando a origem da corrida para a guerra” de Craig Murray, ex-diplomata britânico e atualmente ativista dos direitos humanos, publicado em 15 de abril

Em 7 de abril, quase três mil palestinos ateus, cristãos e muçulmanos encontravam-se feridos, mais de trinta e seis estavam em condição crítica, e pelo menos 25 manifestantes desarmados foram assassinados por centenas de atiradores de elite israelenses e tropas fortemente armadas que atiravam projéteis de tanques em grupos de civis que protestavam contra décadas de prisão pelo Estado Israelense racista. […] Esses massacres grotescos começaram na Semana Santa dos cristãos na Sexta-feira Santa e no Domingo de Páscoa, coincidindo com a Páscoa judaica.

Trecho do artigo “As 52 maiores organizações judaicas americanas e Israel celebram a Páscoa com o massacre de 25 palestinos, muçulmanos, cristãos e ateus” publicado pelo sociólogo americano James Petras em 8 de abril

Assim como o cidadão que infringe o direito civil em vista de sua utilidade presente, destrói o germe que contém seu interesse futuro e o de toda a sua posteridade, assim também o povo violador do direito da natureza e das gentes derruba para sempre os anteparos que protegiam sua própria tranquilidade.

Trecho retirado do livro Do Direito da Guerra e da Paz do jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645), fundador do direito internacional

Hugo Grotius pintado por Michiel Jansz van Mierevelt em 1631

    Prezados leitores, há uma outra guerra civil ocorrendo no Oriente Médio, além daquela na Síria, amplamente divulgada pela mídia. Refiro-me ao conflito no Iêmen que se desenrola desde 2015 entre os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irã, pela Coreia do Norte e pelo Hezbollah, e os Hadis, apoiados pela Arábia, Saudita, pelo Catar e pelos Emirados Árabes Unidos, dentre outros. A guerra já matou quase 14.000 iemenitas, deixou quase 50.000 pessoas feridas e obrigou mais de 3 milhões de pessoas a sair de suas casas. Uma epidemia de cólera atingiu o país em 2016 como resultado direto dos bombardeios aéreos realizados pela Arábia Saudita da infraestrutura do país, privando os habitantes de acesso à água tratada e ao saneamento básico. Há uma tentativa atualmente de banir a venda de armas do Reino Unido para a Arábia Saudita, por meio de uma ação intentada pela CAAT (Campanha contra a Venda de Armas) no Poder Judiciário britânico. Há poucas chances de sucesso, porque a Arábia Saudita conta com o apoio do governo dos Estados Unidos, que realizou bombardeios aéreos no Iêmen e obviamente do Reino Unido.

    Por outro lado, esses mesmos países que apoiam a Arábia Saudita em sua intervenção militar no Iêmen mostraram-se indignados com um ataque de armas químicas supostamente perpetrado pelo governo sírio em Duma em 7 de abril. Nada foi provado ainda sobre se houve de fato o uso de armas químicas. Somente no dia 14 de abril é que a Organização para a Proibição de Armas Químicas enviou um grupo para averiguar o que ocorreu em Duma. E no entanto, os mesmos países que se importam muito pouco com as crianças no Iêmen que estão morrendo de fome e de sede por causa do bloqueio imposto pela Arábia Saudita, de quem são aliados incondicionais, tomam as dores das supostas vítimas inocentes do sanguinário ditador Bashar al-Assad, apoiado pelo outro famigerado Vladimir Putin. Tanto assim que os líderes da comunidade dos países do bem, Estados Unidos, Reino Unido e França, usaram esse episódio como justificativa para um ataque aéreo em 13 de abril. Mesmo assumindo que Assad de fato ordenou o uso de armas químicas contra civis, que diferença moral os países ocidentais encontram entre morrer de cólera, de fome, de sede ou por armas químicas? O resultado não é o mesmo?

    Essa estranha preferência por crianças sírias em detrimento de crianças iemenitas repete-se em relação a outro conflito no Oriente Médio, entre Israel e Palestina. Os atos perpetrados na Páscoa em Gaza, o gueto onde vivem de maneira precária um milhão e oitocentos e cinquenta mil palestinos na terceira região mais densamente povoada do mundo, tiveram pouca repercussão na mídia e na comunidade internacional. A tentativa de investigação das atividades do exército israelense foi barrada pela embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, que as qualificou como uma “ação defensiva contra terroristas”. Para Haley, palestinos que atiram pedras e recebem em troca tiros na cabeça para matar ou nos joelhos para aleijar são terroristas perigosos e receberam uma resposta proporcional.

    Prezados leitores, todos os países têm interesses geopolíticos, os quais muitas vezes sobrepõem-se a considerações sobre o bem-estar das populações que se veem no fogo cruzado dos grupos que estão disputando recursos naturais e econômicos. Não há dúvida de que tanto os Estados Unidos quanto a Rússia querem vender gás para os europeus e essa é uma das razões por que há essa presença militar das duas potências no Oriente Médio, por onde passam importantes gasodutos. Mas seria tranquilizador que as partes que estão se enfrentando ao menos discutissem de verdade, utilizando argumentos com base nas leis do direito internacional em vigor, aplicáveis a todos. Isso está longe de ocorrer no momento.

    Os países capitaneados pelos Estados Unidos que atacaram a Síria em 13 de abril o fizeram sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, sem respaldo em nenhum tratado internacional, infringindo a soberania do país. Bem ou mal, se a Rússia tem presença militar lá é porque além de ter interesse em defender suas bases navais de Tartus e Latakia, foi convidada a fazê-lo pelo líder da Síria, Assad, que monstro ou inocente é o governante de um país que tem direito à autodeterminação, como preconiza a Carta das Nações Unidas. O Reino Unido justificou sua ação militar dizendo ser uma resposta proporcional ao sofrimento enorme causado pelo uso de armas químicas pelo governo sírio.  Tal justificativa poderia começar a fazer sentido quando a força-tarefa enviada pela OPAQ constatasse a extensão do dano, se é que essa organização tem imparcialidade suficiente para relatar o que de fato constatar em campo. Além do mais, que proporcionalidade existe entre o dano, mesmo que seja real, e a resposta a ele nesse caso específico? De que adianta realizar um ataque aéreo sobre instalações com armas químicas se tal ataque aéreo liberará mais substâncias químicas? Se não há respaldo legal para o ataque nem razoabilidade em termos da relação entre o que se pretende atingir com a inciativa militar relativamente aos seus efeitos colaterais por que essa superioridade moral da “comunidade internacional”?

    Em 17 de março passado o porta-voz do Estado Maior das forças armadas da Rússia, general Sergey Rudskoy, anunciou que tinha informações de que os Estados Unidos estariam treinando terroristas takhfiri no sul da Síria para realizarem ataques químicos que seriam imputados ao governo de Assad. Não podemos saber nessa guerra de informações o que é verdade ou meia-verdade: será que houve ataque químico, mas não de autoria do governo sírio? O fato é que é mais um episódio para acirrar os ânimos depois do envenenamento de ex-espião russo e de sua filha Júlia que já está fora de perigo, mas permanece incomunicável. É de esperar que haverá um boicote à Copa do Mundo na Rússia como parte da estratégia de marginalizar o país. E assim caminhamos celeremente rumo a um grande conflito entre as grandes potências, em meio aos vários pesos e às várias medidas que a comunidade internacional dá a diferentes eventos, de acordo com os interesses predominantes. Pobre do direito das gentes, como o definiu Hugo Grotius. E mais pobre ainda aqueles que o desprezam, porque sofrerão as consequências.

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Novos paradigmas

Esse novo paradigma é um paradigma em que você não tem as mesmas preocupações formais do paradigma anterior, você muda o sistema de investigação das provas, você torna o processo mais voltado à denúncia, a obter digamos, os dados que possam fundamentar uma denúncia, você se perde menos nos detalhes, você abre menos brechas para que os advogados possam pedir nulidade a partir de questões processuais deslocando o foco da investigação e do julgamento

Trecho da entrevista dada por José Eduardo Faria, editorialista do jornal O Estado de São Paulo e professor titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito para a edição de abril da revista da CAASP

Quando se consegue convencer uma pessoa indiciada a se voltar contra seus antigos colegas em troca de um crime menos grave ou de uma pena mais leve, os procuradores conseguem fazer a festa. Essa é uma forma de propina — você nos conta no banco das testemunhas aquilo que queremos ouvir e vamos com calma com você — isso é permitido somente aos promotores e os tribunais toleram isso.

Trecho retirado do artigo “O que está procurando Robert Mueller?”, publicado em 5 de abril pelo juiz aposentado americano Andrew Napolitano a respeito das investigações sobre o Presidente Donald Trump

    Prezados leitores, com erros e acertos parece que o Brasil está definitivamente tomando novos rumos no Direito Penal. Esses nossos juristas que foram estudar nos Estados Unidos, entre eles Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, trouxeram novos conceitos e começaram a aplicá-los às atividades do Partido dos Trabalhadores enquanto esteve no poder entre 2002 e 2014. Para ser justa Joaquim Barbosa também o fez no processo do Mensalão, mas neste ano de 2018, o alvo foi um ex-presidente da República, e portanto, o que está em jogo não são simplesmente uns assessores que Lula poderia alegar que atuaram sem o seu conhecimento.

    Quem foi condenado foi o próprio chefe do Executivo federal brasileiro por oito anos, a quem Dallagnol, em seu lendário organograma em uma apresentação em Power Point, comparou a um chefe de organização criminosa. Aliás, nada me tira da cabeça que Dallagnol, ao elaborar aquele organograma, deve ter se inspirado em uma cena do filme O Poderoso Chefão 2, quando Michael Corleone, o capo de tutti capi, é obrigado a comparecer ao Congresso Americano para depor em uma comissão que investiga as atividades da máfia. Enquanto ele está falando há uma projeção na tela do recinto que mostra Michael Corleone no topo do qual saem ramificações referentes a seus subordinados na hierarquia. Dallagnol foi muito ironizado pelos defensores do ex-presidente pelo show midiático, pela versão fantasiosa e espetaculosa apresentada por ele comparando Lula a um Chefe de Organização Criminosa, mas esse tipo de abordagem é de se esperar nesse direito penal de inspiração anglo-saxônica, pois o protagonismo fica sempre com a acusação. Explico-me.

    Quando Reinaldo Azevedo, jornalista que inventou o termo “petralhas” para descrever os partidários fanáticos do PT, e Gleisi Hoffmann, a combativa presidente do partido afirmam que Lula foi condenado sem provas e quando o advogado de defesa Cristiano Zanin alega que Lula teve o direito de defesa cerceado porque Moro não lhe deu a chance de fazer prova em contrário, é preciso entender a perspectiva sob a qual as partes em conflito veem os fatos. Não é possível negar que Moro não encontrou nenhum registro de imóvel em que constasse o nome de Luiz Ignácio ou de sua esposa Marisa como proprietários do tríplex no Guarujá. Também é um fato que Moro negou o pedido de Zanin de produção de provas que consistisse em fazer uma perícia nas contas bancárias de Lula para descartar a possibilidade de ele ter se beneficiado de dinheiro advindo dos contratos firmados entre a OAS e a Petrobras. Também não se encontraram milhões em dinheiro vivo em um apartamento de algum parente de Lula, coo foi o caso de Geddel Vieira Lima. Algum ato executivo específico que o ex-presidente tenha assinado em prol de alguma empreiteira também não havia, o que embora não fosse necessário para tipificar o crime de corrupção passiva, serviria para aumentar a pena e certamente daria mais substância à acusação.

    E no entanto, a despeito de toda essa falta de provas, tais como elas são tradicionalmente concebidas, foi possível montar uma denúncia, fazer o processo desenrolar-se e chegar a uma condenação confirmada na segunda instância por unanimidade. Qual foi o truque do Mandrake? Má fé do Judiciário brasileiro que conspira com a elite para destruir a participação da classe trabalhadora no poder? Ou um novo modo de fazer uma investigação? Vou optar pela segunda opção porque eu não tenho acesso livre aos círculos do poder no Brasil para afirmar categoricamente que houve conluio para destruir Lula. O fato é que Dallagnol e Moro juntos tinham como premissa fundamental que em plena era das transações eletrônicas instantâneas crimes de colarinho branco deixam poucos rastros palpáveis e que a única maneira de entrar nas suas entranhas é valer-se da delação premiada que é um toma lá dá cá, acusações em troca de penas menores. O delator conta aquilo que o promotor quer ouvir, isto é, fala sobre as atividades suspeitas de outro peixe mais graúdo, atividades essas que podem vir a configurar um crime se as pistas dadas pelo delator renderem frutos.

    No caso do nosso ex-presidente foi Leo Pinheiro quem deu a dica do apartamento tríplex no Guarujá como sendo de Lula. Moro ao longo do processo foi descobrindo as notas fiscais que comprovavam que ele havia sido reformado às custas da OAS, que o casal Lula o tinha visitado. Isso tudo são indícios. O fio condutor que permitiu a condenação foi a história contada por Leo Pinheiro, que serviu como chave de interpretação do entra e sai no apartamento, das notas fiscais de gastos com serviços de construção. Daí porque o juiz de Curitiba não deferiu o pedido de Zanin de demonstrar que não havia movimentações bancárias suspeitas nas contas de Lula que pudessem estabelecer um fluxo de dinheiro da OAS para o ex-presidente. Os proponentes do novo direito penal em solo pátrio partem do pressuposto de que em crimes desse tipo o modus operandi é tão sofisticado que o fato de não haver prova cabal de transferências de dinheiro não é motivo para inocentar. Afinal, o promotor e o juiz estavam convencidos, com base na versão de Leo Pinheiro, que havia um bem azeitado esquema de pagamento de propinas e concessão de contratos. Deferir o pedido da defesa de produção dessas provas periciais seria atrasar um processo cuja acusação era já coerente e que não podia ser negada pelas provas indiciárias apresentadas.

    Prezados leitores, a dúvida que fica agora é se esse direito penal dos promotores, da transação, da condenação célere, novidade em um país de tradição jurídica romano-germânica conseguirá consolidar-se aqui nos trópicos ou será um modismo que terá servido para dar impulso à desconstrução do Partido dos Trabalhadores desejada por uma parte da população brasileira. Oxalá ele seja aplicado em todo o espectro político para que a justiça boa ou ruim que ele engendra, seja ao menos cega e valha para todos. Aguardemos aquilo que Paulo Preto o homem da mala dos tucanos paulistas, tem a falar.

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