browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

Anos dourados

Posted by on 26/11/2012

            Teoricamente falando eu não teria idade suficiente para ser saudosista, para lamentar o fim de uma era dourada do Brasil, como foram os anos 50 e 60. Ao contrário de muitos leitores do Montblatt, não vivi a época em que tínhamos cabeças pensantes neste país que procuravam abrir um novo caminho, meio tropical e meio europeu. Quando vou ao Rio de Janeiro meu passeio preferido é passear pelo Parque do Flamengo, obra do grande Burle Marx, que soube mesclar como ninguém a bagagem da velha civilização e os elementos digamos autóctones. Gosto de olhar os jardins que ele projetou com vitórias-régia, nossas maravilhosas bromélias, os espelhos d’água. Sinceramente espero que os cariocas saibam preservar este patrimônio da sanha imobiliária dos revitalizadores da Cidade Maravilhosa. Burle Marx conseguiu se tornar conhecido no mundo todo como paisagista por ao mesmo tempo se recusar a ser um macaquito e não ser totalmente exótico, valendo-se da linguagem e da técnica aprendidas em seus estudos europeus para criar sua própria arte.

            Àquela época este era o sonho do Brasil, quer se manifestasse na bossa nova, no tropicalismo sociológico dos escritos de Darcy Ribeiro ou nas teorias desenvolvimentistas de Celso Furtado e do próprio Fernando Henrique Cardoso. Tínhamos a esperança de que poderíamos chegar à síntese perfeita entre a herança da civilização dos colonizadores e as peculiaridades do povo, do clima e da história que nos tornavam tropicais. O próprio futebol era uma síntese disso: havíamos importado o ludopédio dos ingleses e no entanto soubemos criar nossa própria maneira de jogá-lo que deu origem à escola brasileira de futebol, cuja última florada parece ter sido a seleção de 82.

            Aqui começa o meu peculiar saudosismo, não tenho saudades do que não vivi, o milagre cultural dos anos 50 e 60, o milagre econômico dos anos 70. Especialmente porque tais milagres provaram ser uma cortina de fumaça, algo superficial que não modificou nossas estruturas profundas. O samba deu lugar ao pagode, o crescimento de 10% ao ano levou à dívida que teve que ser paga às custas de 20 anos de estagflação. Mas tenho saudades de coisas que vivi quando eu era uma menina, apesar de toda a carestia e a falta de perspectivas em que o país esteve mergulhado. E essa saudade advém do fato de eu achar que em certos aspectos pioramos em relação aos anos 80, apesar de hoje gozarmos de uma relativa estabilidade econômica, de podermos comprar a crédito pagando prestações a perder de vista.

            Essas boas memórias vieram-me à cabeça no domingo quando soube da morte do Doutor Sócrates, que antes de ser irmão do guapo Raí foi um jogador melhor do que Raí apesar de não ter a metade da beleza do seu irmão mais novo e ainda por cima representou várias coisas que perdemos ao longo destes 30 anos desde a Copa de 1982.

            Eu lembro muito bem da Copa de 1982. Foi a primeira a que eu assisti, tinha 10 anos e sabia de cor a música de Moraes Moreira sobre o galinho de Quintino flamengo menino sou craque sou craque sou craque sou craque doutor Telê humilde esperança … para que de novo do mundo sejamos os campeões (obviamente agora esqueci uma parte). Naquela época a seleção brasileira era nacional e não globalizada, era formada de jogadores que todos nós conhecíamos porque atuavam aqui, nos grandes clubes brasileiros. Realmente sinto-me feliz de ter vivido a emoção de ver a seleção brasileira jogar brasileiramente, é uma coisa que as novas gerações nunca mais experimentarão, como quem se regojiza de ter assistido a um show da Elis Regina ou a uma peça de teatro com o Laurence Olivier no palco (ainda que bem que eu já vi nossa grande Fernanda Montenegro).

            Nesse aspecto a decadência é completa e irreversível. A seleção brasileira de hoje é um amontoado de celebridades futebolísticas que não honram nossa tradição, e mesmo que a próxima Copa seja no Brasil não inspirarão em nós brasileiros nem uma ínfima parte da fidelidade que Zico, Sócrates, Falcão, Éder, Cerezo, Serginho Chulapa e por que não? até Valdir Perez nos inspiravam (eu juro a vocês que sei esses nomes de cor, não pedi a nenhum irmão meu para me informar). Afinal, sabemos que eles estão com a cabeça na Europa, nos milhões de euros que poderão ganhar e não com a estrela que poderão adicionar à camisa canarinho.Como comparar o finado Sócrates com Neymar, Ronaldo, Ronaldinho e quejandos? É verdade que Sócrates era cachaceiro e morreu pela boca, é verdade que não ganhou nenhum título mundial, não ganhou o prêmio de melhor jogador do mundo, mas ele nunca teria se aliado a Ricardo Teixeira, este grande pilantra que com seus poderes tão diabólicos quanto os do Duda Mendonça nos fará, nós contribuintes, pagarmos por todos esses estádios que se transformarão em elefantes brancos. E o Sócrates nunca precisou de assessor de imprensa para falar obviedades, clichês para passar a imagem de bom moço, ao contrário era um prazer vê-lo dar entrevistas, porque sabia do país onde estava, e não vivia no castelo de Caras dos atuais futebolistas brasileiros.

            Sim, nesses trinta anos desde 1982, o Brasil ficou mais rico, um pouco menos imprevisível, abriu-se para o mundo, mas nesse percurso perdemos um pouco da nossa dignidade tropical, nos globalizamos e nos pasteurizamos em torno do denominador comum da mercantilização desenfreada. Será que algum dia conseguiremos ser capazes enquanto nação de adotarmos as virtudes dos estrangeiros e de termos a sabedoria tropical de rechaçar seus vícios? Doutor Sócrates, onde quer que seu espírito esteja agora, você que tanto nos encheu de orgulho, zele pela alma brasileira!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *