browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

Minha máxima culpa

Posted by on 27/10/2013

          Prezados leitores, quem de vocês nunca sentiu culpa? A culpa é um sentimento difundido na sociedade e os psicanalistas dirão que a origem da culpa deve-se à nossa cultura judaico-cristã, ao Deus terrível que pune os pecadores. Com certeza há um componente religioso na culpa, afinal se não nos sentíssemos culpados perante Deus não obedeceríamos a seus comandos, e devemos lembrar que a maioria dos códigos de ética vigentes no mundo tiveram origem em alguma religião. Por outro lado, neste nosso mundo cada vez mais laico, em que a influência das religiões tradicionais é cada vez menor, o papel da culpa em nossas vidas não deixa de aumentar. Querem ver? Vou lhes dar alguns exemplos que não me deixam mentir.

          O mais óbvio deles é o sucesso presidencial do Partido dos Trabalhadores capitaneado por Lula. Seria natural e legítimo em uma democracia, em que todos têm o direito de perseguir seus prórios direitos, que os que se beneficiam dos programas sociais, notadamente do Bolsa Família, votem maciçamente no Lula e na Dilma, para que tenham segurança da garantia de seus benefícios. É intrigante contudo, que cidadãos brasileiros que não se beneficiam de maneira nenhuma de programas sociais, que na verdade financiam tais programas pelos impostos que pagam, votem no Partido dos Trabalhadores. Em minha opinião, esse apoio da classe média, que é um fator decisivo para as vitórias do PT, deve-se à culpa que ela sente pela miséria brasileira. A mesma culpa que sentimos quando vemos mendigos na rua, pedintes, gente que remexe o lixo à cata de algo comestível ou utilizável.

          Assim, garantindo que os muito pobres tenham suamesada para lhes proporcionar o mínimo para sobreviverem, apaziguamos nossa consciência e sentimo-nos em paz. Não importa que as transferências de renda tenham chegado a um patamar em que seu retorno é cada vez menor para a diminuição das desigualdades e que seja necessário um salto de qualidade para que possa haver mudanças mais profundas. O importante é este sentimento de considerar-se moralmente correto e estar contribuindo para o progresso do Brasil, ainda que a passos de tartaruga. mas podemos retrucar: sim, mas já é alguma coisa, pois antes nada se fazia pelos miseráveis e agora estamos fazendo, isso é uma revolução!Qualquer argumento em contrário será insensível, retrógrado: distribuição de renda é sempre uma coisa boa e quem quer diga algo em contrário é simplesmente culpado. Ponto final.

          De fato, rebater argumentos fundados na culpa alheia é muito difícil, pois aqueles que elaboram esses argumentos normalmente são seres dotados da especial capacidade de manipular. As cotas na universidade pública são outra seara em que a culpa é o fundamento de todo o edifício intelectual dos defensores do programa. Aqueles que conquistaram sua vaga na universidade pública devem se sentir culpados porque o seu mérito foi fruto não do esforço pessoal, mas simplesmente (uso a palavra simplesmente com o claro objetivo de desmerecer o tal do esforço) porque tiveram acesso ao privilégio da escola particular. Colocando pessoas na universidade que lá não estariam se não fosse pela cota estamos resolvendo o problema da educação no Brasil, pois estamos aumentando o acesso dos mais humildes à formação acadêmica, certo? Errado, se considerarmos que o objetivo da educação é formar pessoas que possam ser produtivas para o país, que possam, munidas do conhecimento que adquiriram nos bancos escolares, solucionar problemas práticos e com isso criar riquezas. As cotas só nivelam por baixo, mediocrizando o ensino porque partem da premissa que educação é simplesmente um direito que deve ser dado a todos indiscriminadamente, quando na verdade a educação, para que tenha uma influência positiva na sociedade, deveria ser um dever e uma oportunidade de desenvolvimento. Quem usufrui da educação unicamente como direito, direito a merenda, a notas, a diploma, será aquele que desrespeita o professor, que cola, que se preocupa muito mais com o fim que é o diploma, do que com o processo, que é o aprendizado. Infelizmente o debate sobre as cotas é dominado por aqueles que querem fazer os privilegiados se sentirem culpados e portanto ele gira em torno da ideia de que tirar os “filhinhos de papai” e colocar os “raladores” é algo que produzirá maravilhas e nos fará subir 30 degraus na escala PISA que mede o nível educacional dos países do mundo.

          Nesta semana tivemos mais um exemplo magistral do uso da culpa para fins escusos no terrorismo politicamente correto dos defensores dos beagles do Instituto Royal que os utilizava para experimentos com remédios. As pessoas do bem, preocupadas com o bem-estar dos fofos dos beagles invadiram o estabelecimento, depredaram as instalações de um local que funcionava de acordo com as leis vigentes, afinal tinha alvará da prefeitura,e resgataram os bichos. Os donos do Instituto sofreram prejuízos, perderam a licença de funcionamento de uma hora para a outra (será porque os cachorros uivavam muito?) e são culpados, até prova em contrário, de usarem animais como instrumentos para experiências científicas com propósito comercial, portanto são uns capitalistas que só pensam no dinheiro e não dão a mínima à dignidade do animais. Isso justifica que seu patrimônio seja avariado, que seus esforços sejam jogados na lata do lixo.

          Perdoem os leitores que são fãs dos direitos dos animais, eu também sou e quando minha cachorra morreu de falência renal aos 17 anos em janeiro passado eu senti como se houvesse perdido um membro da família. Eu pessoalmente não teria estômago para fazer experiências com animais e vê-los sofrer, mas para quem tem esta insensibilidade devemos agradecer-lhes pois sem essa capacidade de certos homo sapiens, não poderia haver testes de remédios para que sejam usados com segurança em seres humanos. É claro que a nova sensibilidade para com a dignidade dos bichos vai nos levar a inventar meios alternativos de testes de remédios, mas daí a considerarmo-nos moralmente superiores porque temospena dos pobres beagles engaiolados e darmo-nos o direito de invadirmos e depredarmos propriedade alheia vai um passo muito grande. É a típica arrogância dos narcisistas que nunca erram e que consideram que qualquer indivíduo que não reflita a imagem do Narciso é culpado de lesa-majestade.

          Para finalizar meu rol de culpados, quem melhor do que as mães? As mães que acham que devem fazer tudo pelos filhos e que se consideram desnaturadas se não fazem esse tudo e se consideram incompetentes se os filhos fazem algo ruim? Semana retrasada o irmãode uma amiga minha morreu em uma das estradas da morte brasileiras em seu Celta, onde estava com a mulher que também morreu e os três filhos, que sobreviveram. Uma grande tragédia, considerando que ele não deixou bem nenhum, não tinha vínculo empregatício e portanto obrigará os parentes a tomar conta de crianças ainda pequenas. Advinhem quem deu o dinheiro para o moço comprar o carro no financiamento? A mãe! A mãezona que passava a mão na cabeça do filho coitadinho e no frigir dos ovos foi indiretamente responsável pela sua morte. Afinal, se o dono do Celta não tivesse tido dinheiro da progenitora para comprar ele teria pego um ônibus para viajar e estaria vivo para cuidar dos seus filhos até que eles chegassem à vida adulta.

          A culpa e os inventores da culpa, os narcissistas, são vencidos com auto-estima, que leva à lucidez, à razoabilidade, à maturidade. Se não tenho esperanças que como sociedade deixemos de chafurdarmos na infantilidade da culpa, ao menos acho que individualmente possamos nos tornar adultos que têm direitos e obrigações, mas que deixaram a culpa para trás quando assumiram plena responsabilidade pelo própriodestino.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *