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Que justiça?

Posted by on 23/02/2015

Para resolver a crise da Grécia, a Europa precisa focar menos na dívida e mais na justiça. Atenas simplesmente não dilapidou algumas centenas de bilhões de euros: muito do dinheiro foi roubado. No entanto, a União Europeia pouco fez para obrigar o país a combater a corrupção de alto nível.[…] Os gregos sofreram por causa dos desmandos de algumas dezenas de milhares, talvez, de seus cidadãos.

Trecho retirado do artigo “Na Grécia o foco é na justiça” de Gregory A. Maniati, conselheiro sênior das Nações Unidas, publicado na edição eletrônica do jornal The New York Times de 20 de fevereiro

Para juiz, Eike vive em “ostentação incompatível com quem tem dívidas”, diz juiz

Manchete de artigo sobre a fala do juiz Flávio Roberto de Souza, titular da 3ª Vara Federal Criminal que cuida do caso de Eike Batista e deu entrevista ao Fantástico em 22 de fevereiro

      Prezados leitores, aqui e acolá estamos todos em busca da justiça. Os gregos elegeram um partido radical de esquerda porque estão fartos da hipocrisia da União Europeia, que agora prega a austeridade, mas que permitiu com seu aval que bilhões fossem emprestados em transações para lá de duvidosas. `Mas o importante era que os bancos tivessem oportunidade de fazer negócios, desovar seus produtos de crédito em um país cuja classe dirigente é altamente corrupta. A organização Brookings Institution estimou em 2010 que sejam perdidos 20 bilhões de euros por ano na Grécia com a corrupção nos altos escalões.

      Essa hipocrisia, que causa tanta indignação nos gregos, fica evidente na atitude da União Europeia. Outrora ela fomentou o conluio entre banqueiros em busca de novos mercados e dirigentes picaretas ao permitir à Grécia entrar na zona do euro na base do triunfo da esperança sobre a experiência. Agora que o caldo entornou, a sagrada União acusa os gregos de serem preguiçosos. Ora, de acordo com os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, em 2013 cada trabalhador grego despendeu 2037 horas na labuta. Sabem qual a cifra germânica? 1388 horas. À vista desses números, quem é preguiçoso, independentemente de trabalhar melhor, gregos ou alemães? Definitivamente, essas inconsistências da União Europeia, que pretende ter virtudes que na verdade não tem, mina sua credibilidade e fez o povo protestar votando nos “marginais” do Syriza.

      No Brasil temos sede de justiça tão grande quanto no berço da democracia. Pudera, ambos os países ocupam a mesma posição no Índice de Percepção da Corrupção de 2014 publicado pela Transparência Internacional: 69, num total de 174 posições em que a primeira é a do país mais limpo, Dinamarca, e a última posição é ocupada pelo país mais sujo, a Somália. Queremos ver a punição dos corruptos, desde os pagadores de propina investigados pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, passando pelos funcionários da Petrobrás que receberam as propinas, até indivíduos como Eike Batista que construiu um castelo de cartas que ludibriou acionistas das empresas do Grupo X.

      Louvável sentimento de nós brasileiros. Se ainda não conseguimos canalizar nosso sentimento de saco cheio elegendo candidatos alternativos para postos no Executivo, como fizeram recentemente os gregos, ao menos compartilhamos com eles o nojo pela desfaçatez de políticos, empreiteiros e funcionários públicos que se locupletam na casa dos bilhões de reais. Se nossa sede de vingança é justificável por um lado, por outro temo que em certo sentido ultrapassamos um pouco os limites, o que pode prejudicar nossos objetivos de longo prazo.

       Refiro-me a esse comportamento de celebridade de certos membros do Judiciário, cujas atividades estão agora na berlinda. A mim parece-me um disparate um juiz dar entrevista à Rede Globo para falar mal de um acusado. Qual o objetivo do senhor Flávio Roberto de Souza? Esclarecer a população sobre fatos que ainda não foram plenamente investigados, já que o processo criminal ainda está em andamento? Aparecer na mídia, sentir o prazer de ver-se admirado pelos espectadores e ser reconhecido como o fazedor de justiça? Ou dar razões para que os advogados de Eike entrem com ação peticionando que ele seja declarado suspeito por mostrar-se interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes, conforme definido no Código de Processo Civil? Será que a possibilidade de ter sucesso instantâneo é mais forte em seu espírito do que o desejo que a justiça seja feita?

       De acordo com o filósofo do direito Charles Perelman, no século XIX, época áurea das codificações e do direito liberal que favorecia a burguesia, o ideal de juiz era o de um sujeito passivo que simplesmente aplicava a lei da maneira exata e única estabelecida pelo método de exegese vigente. A tarefa do juiz era satisfazer a necessidade de segurança jurídica para que os cidadãos se sentissem abrigados pelas instituições e não ficasseem à mercê dos abusos e arbitrariedades dos homens. Passados dois séculos, percebemos que houve uma mudança enorme de paradigmas nos países ocidentais. A tarefa do juiz não é mais a de ser um intérprete autômato, mas a de ser um concretizador dos valores colocados na Constituição do país, entre eles o da democracia. E para atingir esse objetivo o juiz pode inclusive interpretar uma lei de maneira tão larga que o seu conteúdo original, estabelecido pelo Poder Legislativo, acaba sendo diluído. São esses novos poderes do juiz executor dos princípios constitucionais um dos motivos que nos levam a falar no ativismo do Judiciário.

       O magistrado Flávio Roberto de Souza sabe que a corrupção mina a democracia, porque ao levar ao abuso de poder por aqueles que exercem posição de comando, desacredita todo o processo de escolha dos dirigentes pelo voto. Sabedor da sua incumbência de fazer valer a Constituição, lutar contra a corrupção torna-se uma tarefa de suma importância, e é importante o que ele tem feito para evitar que os bens do senhor Eike sumam pelo ralo e que ao final do processo não sobre nada para a execução da sentença. Mas dar entrevistas ao Fantástico despejando os podres de uma das partes do processo que está sob seus cuidados é demais. O tiro acaba saindo pela culatra e ao invés de cada um ter o que é seu (a definição aristotélica de justiça), poderemos ter simplesmente factóides legais, muito barulho (vazamentos de depoimentos, entrevistas bombásticas) para poucos resultados.

      Justiça é o anseio dos cidadãos de bem que sabem que para todos prosperarem e gozarem de direitos é preciso que cada um cumpra suas obrigações. Torçamos para que no Brasil, a proeminência das atividades do Judiciário na mídia não acabe atrapalhando a consecução desse ideal. Esse é um risco maior porque se na Grécia, os membros do Syriza, que estão tentando fazer justiça lá, forem atabalhoados e agirem de maneira errada poderão ser defenestrados pelos eleitores nas próximas eleições. Mas no Brasil o que podemos fazer quando um juiz mete os pés pelas mãos, já que ele não foi eleito? Qualquer punição acaba dependendo do julgamento dos pares, que não têm lá muito interesse em desprestigiar membros da sua própria classe. Portanto, esperemos que em nosso país a justiça acabe não sendo sacrificada no altar das vaidades dos seus supostos defensores.

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