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Clube do Bolinha

Posted by on 05/05/2015

Esta segunda e definitiva reintegração de duas tradições culturais antigas permitiu à civilização europeia desenvolver-se até atingir sua forma moderna. Aquela civilização permaneceu dominante até que, no século vinte, ela fosse desafiada pelo modernismo, e depois pelo pós-modernismo, que defendia o repúdio tanto do passado clássico quanto do passado cristão.

Trecho retirado do livro The Renaissance in Europe da professora de história do Brooklyn College Margaret L. King

   Prezados leitores, viagens são grandes oportunidades de renovar o guarda-roupa e a biblioteca, pois sempre é possível encontrar pechinchas. Eu por exemplo encontrei um livro de 368 páginas em papel couchê por um pouco menos de 50 reais, o que seria difícil no Brasil e atraquei-me a ele tal como minhas colegas de trabalho não perdem uma oportunidade de comprar roupas a preços de bananas chinesas no Aliexpress. A dita obra é sobre a Renascença na Europa e já que tenho visto tantas esculturas e pinturas daquele período em Londres resolvi tentar informar-me mais sobre o período.

    Uma estatística interessante apresentada pela autora é aquela compilada pelo historiador Peter Burke em 1968 a respeito da elite criativa na Itália Renascentista. Examinando a origem social, econômica e geográfica dos pintores, escultores, escritores, humanistas, cientistas e músicos do período, Burke obteve os seguintes números: 26% deles eram da Toscana, 23% do Vêneto (isto é, as regiões ao redor de Florença e Veneza), 18% dos Estados Papais (isto é, centro da Itália, mais ou menos), 11% da região da Lombardia (ao redor de Milão), 7% do Sul da Itália e 2,5% do noroeste da Itália (Piemonte e Ligúria); 114 desses criadores e inovadores eram filhos de artesãos e lojistas, 84 eram filhos de nobres, 48 eram filhos de mercadores ou profissionais e 7 eram filhos de camponeses e trabalhadores agrícolas os quais no entanto compunham o grupo mais numeroso na sociedade como um todo. (O autor não conseguiu identificar a profissão dos pais de todos os 600).

   Em suma, esse grupo que compôs músicas, pintou, esculpiu, escreveu e pensou entre 1300 e 1700 vivia em determinados lugares e pertencia a determinadas classes sociais, lugares estes que até hoje são os mais desenvolvidos na Itália. É verdade que os camponeses não mais constituem um conjunto significativo de pessoas nos países mais desenvolvidos e mesmo aqueles em desenvolvimento, devido à intensa urbanização experimentada com a industrialização, mas de qualquer forma permanece o fato de que são basicamente as classes médias que têm a capacidade e a vontade de chacoalhar o ambiente social e econômico de maneira duradoura. Quando o povão se revolta, normalmente tudo termina em caos e violência, como ocorreu na Europa em vários momentos e lugares no fim da Idade Média, em que a repressão dos camponeneses foi violenta, ou mesmo em tempos mais modernos no Haiti em 1791, quando os escravos rebelaram-se e proclamaram a independência do país em 1804. Por acaso, o Haiti ao livrar-se dos brancos, 3.000 a 5.000 dos quais foram mortos naquele ano, tornou-se um país justo e próspero?

    De acordo com Margaret L. King, essa elite pensante estabeleceu as bases intelectuais para a Reforma Protestante, a Revolução Científica e os Descobrimentos e permitiu à civilização ocidental dominar o mundo. E tem sido assim até hoje, com a globalização o campo alargou-se um pouco, alguns países asiáticos fazem parte da patota agora, mas a impressão que eu tenho é que basicamente são sempre as mesmas pessoas, que moram em determinados locais, normalmente ao Norte do Equador. A que se deve tal impressão, puramente pessoal e portanto passível de toda crítica? Digo-lhes que em minhas andanças pelo British Museum, pela National Gallery, pelo Victoria and Albert Museum, pelo National History Museum cheguei a uma triste constatação. Alguns dos 15,3 milhões de turistas (cifra de 2011) que anualmente visitam Londres, caso não soubessem nada sobre a América do Sul, continuariam totalmente ignorantes sobre o que é feito lá, em termos de produção econômica e cultural. Por outro lado, teria alguma ideia de que temos uma natureza exuberante ao ver os pássaros empalhados e as pedras preciosas das Minas Gerais no National History Museum e saberia que as vilas eram rodeadas pela floresta, como pintado por Frans Post em seu quadro sobre Olinda que está exposto na National Gallery.

   Eu, como brasileira, sei que o nosso país teve e tem pintores, escultores, músicos, pensadores, cientistas e escritores. Eu tive contato com eles ao longo de toda minha vida nos bancos escolares e depois. E, no entanto, eles definitivamente não fazem parte do clubinho dos que fazem a diferença, porque fazer parte de uma elite não é simplesmente realizar algo notável, é ser reconhecido como tendo-o feito pelos outros membros. O exemplo de Santos Dumont, que só é pai da aviação aqui no Brasil, é o exemplo mais gritante para nós, mas vou dar-lhes outro, do qual eu já sabia mais ou menos, mostrando que injustiças ocorrem até mesmo entre os habitantes do Norte e não somente na relação deles com o Sul do Equador. Charles Darwin é reconhecido como o autor da Teoria da Evolução, mas isso se deve ao fato de que ele publicou seu livro antes de dar tempo a Alfred Russel Wallace, outro biólogo britânico, colocar as mesmas ideias no papel.

    É claro que se o Brasil tivesse sido colônia da Inglaterra eu teria visto muito mais coisas a respeito de nossa cultura e natureza, afinal os britânicos teriam estado aqui e “arrematado” tudo de bom como fizeram na Grécia com os frisos do Parthenon, na China, onde coletaram as mais lindas peças de cerâmica e porcelana e pelo mundo afora onde se instalaram para fazer negócios e absorver o que lhes era útil, como o chá, que foi levado do Império do Meio para a Índia e assim a Inglaterra pôde quebrar o monopólio daquele país sobre o produto. De qualquer forma, o fato é que eu vi praticamente nada sobre o Brasil e isso deixou-me com a triste impressão de que fomos barrados no baile. Mas isso não deve ser nenhuma tragédia, porque a maioria dos países também não recebe bilhete de admissão. Assim como o Brasil é inexistente para a capital daquele que foi o maior império da História, a Bulgária, também é, a Argentina, por incrível que pareça para nossos hermanos, a Argélia, Nepal, Bangladesh, para citar exemplos aleatórios de outros lugares sobre os quais não vi nada nos templos de cultura que visitei.

   Seria maravilhoso que fossêmos mencionados em uma cidade que é altamente cosmopolita, em que se ouvem línguas do mundo todo e que serve como uma grande vitrine. O que fazer? Será que o lema do segundo governo da Dilma, Brasil, Pátria Educador,a pode nos inspirar a tornarmo-nos parte do clube do Bolinha, isto é, da elite criativa do mundo? Será que algum dia algum brasileiro de uma geração posterior à minha visitará uma cidade global como Londres e verá o Brasil ser citado sobre algo além da floresta tropical, da arara-azul e da surucucu? Temo que não estarei viva para ouvir falar de tal feito.

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