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Pedalando, pedalando…

Posted by on 25/04/2016

Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

Artigo 18 da Lei Complementar 101 de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal

“A Suíça é um país muito, muito democrático”, ele afirma cuidadosamente. “Então as pessoas querem saber o que o Estado está fazendo com o dinheiro dos impostos, e aos estrangeiros parece que os suíços votam a respeito de tudo, o que não é o caso. […] Eles não votam contra ou a favor de uma ideia, mas contra ou a favor de um projeto específico, que foi elaborado de forma que possa ser executado nas próximas quarto semanas.”

Trecho de entrevista de Christoph Becker, diretor do Kunsthaus Zurich, o principal museu da cidade de Zurique, a respeito da construção da nova ala, que foi objeto de plebiscito em 2012

    Prezados leitores, lembro do primeiro estelionato eleitoral que senti na pele. Foi em 1986, ano em que vigia o Plano Cruzado e vivíamos a euforia do seu aparente sucesso em acabar com a famigerada inflação que comia nossas carnes e nosso dinheiro. No dia 15 de novembro daquele ano elegemos 22 governadores, 49 senadores e 487 deputados federais do PMDB, o partido do governo do Presidente José Sarney. Em 21 de novembro de 1986, foi lançado o Plano Cruzado II, que descongelou os preços, aumentou os impostos e as tarifas de serviços públicos e estabeleceu um método de cálculo da inflação, usado como base para reajustes salariais, que só considerava o preço dos produtos consumidos por famílias que ganhavam até cinco salários mínimos. A população havia sido enganada e reagiu em 27 de novembro saqueando supermercados, realizando depredações e causando incêndios em Brasília. Em maio de 1987 o fracasso do Plano Cruzado foi oficialmente constatado com a substituição do Ministro da Fazenda, Dilson Funaro, por Luís Carlos Bresser Pereira.

    30 anos depois e continuamos sendo enganados pelos nossos líderes, apesar de as eleições ocorrerem a cada dois anos, o que teoricamente permitiria a nós, brasileiros, substituir os incompetentes por pessoas mais competentes e ir tentando até chegarmos ao bom governo, que hoje é expresso pelo conceito importado do inglês, governança. Como já manifestei ad nauseam neste meu humilde espaço, sou contra o impeachment de Dona Dilma Rousseff porque acho que a indignação popular contra a corrupção está sendo explorada por certos grupos que têm sua própria agenda de interesses, a qual não necessariamente é menos corrupta e mais transparente do que a agenda do PT.

    No entanto, não há como negar que assim como José Sarney fez em 1986 para ganhar as eleições, em 2014 Dilma escamoteou a real situação das contas públicas que só agora está vindo à tona na sua cruel dimensão. Sabemos hoje que a dívida pública está em 66% do PIB e pode ultrapassar 85% do PIB em 2018. Dilma pode não ter contas na Suíça como Eduardo Cunha, seu algoz, mas em 2014 levianamente rebateu as críticas da oposição ao cenário róseo dizendo que eram meras tentativas de privar os trabalhadores das conquistas sociais da era do PT no governo.

    Em suma, os debates eleitorais não esclarecem nada para nós, pobres eleitores, porque baseados na lógica da propaganda do pegar ou largar o produto, não dão oportunidade a que os candidatos admitam que a parte adversária levantou questões merecedoras de atenção. Diante de tal quadro, como podemos controlar melhor a qualidade da atuação dos líderes políticos se tudo o que falam nas campanhas é tão verdadeiro quanto o discurso de um operador de call center que começa dizendo que “você foi escolhido para ganhar…”? Se quase nada do que falam nos palanques é para valer e quase tudo para vender, como comparar a atuação com o discurso? Em um país de doutores, o governo das leis que submetem os homens será que é a solução? Dois exemplos vão mostrar a vocês que o governo das leis também é enganador.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal teve por objetivo “estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. Em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso foi saudada como divisor de águas. Pois bem, 16 anos depois de sua promulgação é forçoso constatar como o faz Marcos Lisboa, presidente do Insper, que nossos governadores, do Oiapoque ao Chuí, aprenderam espertamente truques para burlar a lei. O mais conspícuo foi não considerar despesas com pessoal terceirizado como despesas de pessoal. Nisso respeitaram a letra do artigo 18 da LRF, embora certamente não seu espírito. O resultado foi que houve aumento de gastos com pessoal em TODOS os Estados brasileiros, e no Rio de Janeiro o aumento foi de quase 70%. Assim, não foi só Dona Dilma quem pedalou, os governadores andaram pedalando muito, e alguns chegaram ao cúmulo de fazerem uso de depósitos judiciais em bancos públicos, praticando a apropriação indébita. O pior é que as gambiarras continuam sob as vestes da legalidade: foram impetrados três mandados de segurança no STF (34023, 34110 e 34122) respectivamente por Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que questionam a indexação da dívida estadual e pleiteiam a aplicação de juros simples e não compostos. O julgamento do mérito está marcado para dia 27 próximo, e se vingar a proposta, os Estados poderão, sob amparo jurídico, dar um calote de R$ 300 bilhões de reais na União.

    Uma outra lei que prometeu mundos e fundos e só levou a pedaladas foi a Lei 8.666 de 1993, que instituiu “normas para licitações e contratos da Administração Pública. O objetivo era impedir superfaturamento das obras e para isso estabeleceu que a escolha do vencedor seria basicamente pelo melhor preço, isto é o preço menor, limitando o critério de melhor técnica a projetos de cunho intelectual, como consultoria (artigo 46). O resultado prático disso é que o Administrador é obrigado por lei a escolher o licitante que cobra mais barato e quando os custos da obra ultrapassam a estimativa inicial a lei estabelece a gambiarra dos aditivos (artigo 65), que permitem toda sorte de abusos sob o manto da “manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato”. A ciclovia que acaba de desabar no Rio de Janeiro foi regida por um contrato que teve 8 aditivos e custou 10 milhões a mais do que o previsto. Tudo legal e no entanto…

    Prezados leitores, se as eleições e as leis não melhoram nossa governança, o que fazer? Mobilização total permanente, isto é, o povo nas ruas a cada dois meses? Como fazer para atrair as massas se não houver um pixuleco como bode expiatório? Feliz de um pequeno país de pouco mais de 8 milhões de habitantes como a Suíça que consegue manter pressão sobre os governantes na base dos referendos. Mas eles já fazem isso há 800 anos… O jeito é nós brasileiros continuarmos pedalando até aprendermos como praticar a democracia. Oxalá que a história nos dê esse tempo antes que cheguemos à beira do abismo e precisemos nos desfazer de certas coisas para dar o salto mortal…

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