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Liberdade, abre as asas

Posted by on 19/07/2016

Cinco filhos e dos cinco, só restava o último, um ser versátil, sem palavra nem vigor, e capaz de tudo menos portar a coroa de maneira digna. […] Eleonor não tinha ilusões nem sobre as capacidades do seu filho nem sobre os sentimentos dos senhores feudais a seu respeito. O liame feudal é um vínculo pessoal e a pessoa de João não tinha nada que pudesse lhe valer aquela fidelidade que o senhor espera do vassalo.

Trecho retirado do Livro “Aliénor D’Aquitaine” da historiadora francesa Régine Pernoud, sobre o rei da Inglaterra João sem Terra, filho de Eleonor, que foi obrigado, em 15 de junho de 1215, a conceder aos barões reunidos em Runnymede a Magna Carta, considerada a pedra fundamental das liberdades constitucionais da Inglaterra.

Está escrito nos livros de história e também no noticiário: a única democracia verdadeiramente operante é a inglesa… O Reino Unido provou pela enésima vez que acredita na vontade do povo e que sabe como respeitá-la com elegância.

Comentário do editor do jornal italiano Libero, Vittorio Feltri, sobre a decisão do povo britânico de sair da União Europeia, tomada no referendo de 23 de junho

    Prezados leitores, confesso que torci como uma louca pelo Brexit, tão loucamente como torcia pela finada seleção brasileira de futebol quando éramos os melhores do mundo e ganhávamos Copas nos quatro cantos do mundo. Estava eu trabalhando na quinta-feira por volta das 11 da noite quando decidi dar uma olhada no site do jornal Daily Mail. Para meu desgosto eles previam uma vitória do Remain. Voltei a trabalhar. Dali 15 minutos, já exausta, voltei ao dailymail.co.uk. A manchete era outra: uma das zonas eleitorais, cujo nome não lembro, tinha dado mais de 60% dos votos ao Leave. Foi a partir daí que a maré virou e o que era surpreendente tornou-se favas contadas: por volta da meia-noite e meia o apresentador da BBC admitia que o Brexit havia vencido e Nigel Farage, profundamente emocionado, anunciava que já era possível esperar que o sonho da sua vida iria tornar-se realidade: a ilha estava dizendo adeus à União Europeia.

    Como já disse aqui inúmeras vezes, e considero ser meu dever repetir periodicamente para que não haja mal-entendidos, não tenho a pretensão de convencer ninguém a respeito das minhas ideias: cada um informa-se de determinada maneira, tem seus valores, seus preconceitos (sem atribuição de nenhum sentido pejorativo a uma palavra que para mim quer dizer simplesmente conceito prévio). Isso não tira minha vontade de expor o que eu penso com a clareza que minhas faculdades mentais permitem, não para convencer, mas para provocar. Considero o Brexit uma pequena vitória contra certas coisas que me irritam e que vou tentar explicar aqui.

    Em primeiro lugar, o Brexit é obviamente uma vitória contra a União Europeia, união que impôs o euro a países com economias muito diferentes, o que causou um desastre no Sul da Europa, obrigados a utilizar uma moeda muito forte, incompatível com seus níveis reais de produtividade relativamente aos países do Norte da Europa. A Grécia hoje é colônia da Alemanha, em vários aspectos, desde o fato de ter vendido aeroportos a empresas alemãs até o fato de ter recebido um cala-boca monetário da senhora Ângela Merkel para receber os imigrantes vindos do Oriente Médio que desembarcam em suas praias e fazer cara de paisagem. A Itália atualmente tem uma dívida pública de 132% do PIB, 7% da sua população vive na miséria absoluta, e 40% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. Os três últimos primeiros-ministros do país foram impostos por Berlin e Bruxelas, sem terem sido escolhidos pelo povo. Portugal tem uma dívida pública correspondente a 129% do PIB e 19% da sua população vive abaixo da linha de pobreza. Na Espanha a porcentagem dos que vivem abaixo da linha de pobreza está em 21% e a dívida pública está em 101% do PIB. Em suma, todos os países bastante endividados e presos à camisa de força da moeda única, que impede que se livrem de suas dívidas pela inflação e desvalorização da moeda.

    A sina deles é pagar cada centavo de euro devido aos grandes bancos fazendo ajustes fiscais draconianos cujo ônus recai sobre aqueles que recebem benefícios sociais do governo, mas que beneficiam aqueles que compram bens públicos a preços convidativos. Portugal tinha um déficit público de 11% do PIB em 2010 e conseguiu baixá-lo para 3,5% em 2015. Este é o vale de lágrimas que nós brasileiros trilharemos depois da ressaca das Olimpíadas de agosto: os países do Club Med europeu estão pagando pela farra de empréstimos proporcionada pelo euro que facilitou o acesso ao crédito a juros baixos; nós pagaremos pela gastança desabrida proporcionada pela ilusão do pré-sal. O efeito prático é o mesmo: os menos beneficiados pela orgia financeira serão os primeiros a serem chamados a dar sua contribuição.

    Em segundo lugar, o Brexit é um tapa com luva de pelica nos politicamente corretos, que tem as ideias corretas e por isso acham-se no direito de olharem com condescendência aqueles que são estúpidos, ou racistas demais, ou velhos demais para não repetirem o mantra da globalização. O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama é emblemático. Esteve em Londres antes do referendo e disse que se o Reino Unido saísse da União Europeia iria ficar no fim da fila dos que querem assinar acordos comerciais com os Estados Unidos. Em suma, o líder de um país que mal e mal tem 500 anos estava lá ditando comportamentos a um país que há exatos 801 anos já tinha estabelecido o habeas corpus, o devido processo legal e o princípio do “no taxation without representation”, princípio este aliás que foi uma das justificativas fundamentais da revolta dos colonos americanos contra a metrópole britânica no século 18. Cara pálida, professor de Direito Constitucional de Harvard, foram os ingleses que inventaram a liberdade! Inventaram-na para protegerem-se de soberanos incompetentes como o Rei João sem Terra, em quem nem a própria mãe confiava. Como ousas querer interferir na liberdade de eles decidirem conduzir seus destinos como nação soberana, ameaçando-os veladamente de transformá-los em párias internacionais?

    Prezados leitores, ainda é muito cedo para dizer que os britânicos recuperaram de fato sua liberdade. Teresa May, a nova primeira-ministra, colocou Dave Davis, um eurocético, para conduzir as negociações com a União Europeia, cujos tentáculos são enormes e vorazes. O importante é que bobagens como a realização de um novo referendo dos que não sabem perder foram imediatamente descartadas por Teresa que disse que não é não e que é preciso preparar a saída. O povo falou, o povo que vê os serviços públicos sobrecarregados pelo maior número de usuários, fruto da imigração ao Reino Unido, o povo que quer manter a capacidade do seu Parlamento de fazer suas próprias leis sem ser ordenado por burocratas de Bruxelas que não foram eleitos por povo nenhum.

    Em frente ao Parlamento em Londres há uma estátua do Rei Ricardo Coração de Leão, o filho querido de Eleonor de Aquitânia que morreu aos 41 anos, vítima de uma flechada no ombro e que foi sucedido por seu irmão João. Sem a morte prematura de Ricardo sem herdeiros João não teria subido ao trono, e sem sua invencível incapacidade de governar não teria havido a Magna Carta. Sem a Magna Carta a democracia na Inglaterra não teria se desenvolvido da maneira robusta que o fez. Sim, os jovens votaram pela União Europeia e os velhinhos ultrapassados votaram pelo “Tchau querida”. Mas talvez uma das razões seja que os velhinhos quando passaram pela escola aprenderam sobre Ricardo Coração de Leão, herói das Cruzadas, e sobre seu irmão mais novo, João Sem Terra, herói involuntário da Magna Carta. Hoje o conhecimento dos jovens sobre o passado parece se resumir à Segunda Guerra e ao monstruoso Hitler. Essa é uma pequena grande diferença: os velhinhos sabem como a liberdade foi conquistada e querem preservá-la, porque uma vez perdida ela precisa ser recuperada à força. Liberdade, abre as asas sobre os ingleses!

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