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We, the people…

Posted by on 08/08/2016

Nós perdemos a República. Todos nós temos que agir para retomá-la.

Trecho retirado da palestra do professor de Direito da Universidade Harvard, Lawrence Lessig (1961-) intitulada, “Nós, o povo, e a República que precisamos retomar”

Não é preciso dizer que os interesses monetários e aqueles que estão no poder e beneficiam-se dos arranjos atuais têm uma visão diferente e colaboram para manter o status quo. Como resultado, a vida política cada vez mais torna-se um empreendimento reservado para aqueles como Trump que tem um grande patrimônio pessoal, ou para aqueles como Hillary Clinton que mostram uma aptidão para convencer os ricos a abrirem a carteira, com tudo aquilo que isso implica em termos de concessões, acomodação, e pagamento posterior de favores.

Trecho retirado do artigo “A Decadência da Política Americana”, de Andrew J. Bacevich (1947-), historiador americano especializado em Relações Internacionais

    Prezados leitores, sabem a diferença fundamental entre a Constituição dos Estados Unidos e a do Brasil? Alguns dirão que a americana é muito mais enxuta, com seus 21 artigos, do que a nossa, que tem 250 artigos. Eu diria que antes de mais nada, o “We, the people of the United States…” tem um impacto muito maior do que “Nós, representantes do povo brasileiro…”. No primeiro caso, é o povo falando, o povo decidindo escrever uma Constituição para os Estados Unidos da América. No segundo caso, são os representantes que decidem sobre o conteúdo da Constituição de acordo com o que acham ser a vontade do povo. É claro que na prática em ambos os casos o texto foi redigido por um seleto grupo de pessoas, com uma diferença de exatos 201 anos. Mas o efeito simbólico da referência ao povo, sem intermediários, mostra o ideal que os americanos tinham em mente, a coisa pública, a res pública cujos destinos os cidadãos decidiriam por meio de eleições.

    Não tentarei aqui discorrer sobre se o ideal da república governada pelo povo e para o povo realmente algum dia verificou-se na prática na América do Norte. O importante é que em pleno século 21 há uma percepção de que a democracia na “América” tornou-se um conceito totalmente desprovido de sentido. Um dos que explicam o porquê de não haver nem mais república e nem mais decisão pelo povo é Lawrence Lessig, que na palestra mencionada acima fala sobre aquilo que está matando a república americana.

    Os políticos passam a maior parte do seu tempo angariando recursos para a próxima campanha eleitoral, e ao receberem dinheiro de um punhado de doadores pertencentes à elite de 1%, precisam dar-lhes algo em troca, o que significa defender os interesses dessa minoria, em detrimento da maioria que elegeu o candidato. Lessig descreve a democracia americana como patológica, destruída pela corrupção. O governo obedece à agenda dos financiadores dos políticos, e acaba não trabalhando nem para a esquerda e nem para a direita. Os únicos beneficiários das políticas governamentais são aqueles que dão o dinheiro aos eleitos e, claro, os políticos e burocratas que depois de passarem um tempo exercendo uma função “pública” conseguem cargos na iniciativa privada em troca dos favores realizados quando tinham o poder de decisão de acordo com a cartilha estabelecida pela pequena claque de doadores.

    Para Lessig, a única solução para cortar o mal pela raiz é estabelecer um método de financiamento baseado em pequenos valores, uma espécie de crowdfunding de forma que um número muito maior de pessoas fossem doadoras e, portanto, tivessem capacidade de ter influência sobre o que é decidido nas altas esferas. Alguns Estados americanos já promulgaram leis nesse sentido e a esperança de Lessig é que o sistema de campanhas financiadas pelos cidadãos, e não pelo 1%, prevaleça e permita acabar com a corrupção da coisa pública.

    É óbvio que padecemos dos mesmos problemas dos americanos, como temos podido constatar ao longo desses árduos meses de 2016. Nossos políticos, de todos os quadrantes, estão na folha de pagamento de alguma empreiteira, e não admira que tal conluio influencie as escolhas das prioridades orçamentárias. Decidir fazer uma Copa do Mundo e Jogos Olímpicos dois anos depois é fruto do cálculo maquiavélico de governantes que viram nisso uma oportunidade de promover-se e criar a oportunidade de bons negócios, leia-se bons contratos para os amigos doadores. Prevê-se que as Olimpíadas do Rio terão um rombo de 500 milhões de reais, o qual será pago não só pelos cariocas, mas por todos os brasileiros, que não morando no Rio pouco nos beneficiaremos do tal do legado deixado na cidade com as reformas urbanísticas realizadas para o evento. E não quero nem imaginar como estarão as instalações olímpicas daqui a um ano, quando as redes de televisão terão ido embora. Virarão sucata?

    Os otimistas dirão que a Operação Lava Jato está escancarando a influência nefasta dos mega doadores sobre a política brasileira e que a partir de agora haverá boas práticas de governança. Devemos dar tempo ao tempo para verificarmos qual será a influência de longo prazo das investigações, mas por enquanto as velhas práticas do toma lá dá cá continuam firmes e fortes. O Sr. Michel Temer foi colocado no lugar de Dona Dilma, acusada de pedaladas fiscais. A medida de maior impacto do rei das mesóclises até agora foi ter aprovado um aumento de 41% para o Poder Judiciário, que todos sabemos ter um lobby fortíssimo.

    Será que houve consideração do impacto sobre as finanças públicas ou simplesmente Temer cedeu à pressão para garantir-se no cargo? Como é que os paladinos da probidade administrativa jogam pedras naquela que desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal, e ao mesmo tempo mandam às favas a contenção de gastos? Que hipocrisia é esta de governadores que denunciaram os crimes de Dilma e querem ter mais prazo para pagar suas dívidas sem terem que comprometer-se com limites aos gastos com pessoal? Para que mudar de governo se as práticas corruptas continuam as mesmas? Será que mentiram para nós? Se a gastança de dinheiro público continuará como antes e os mesmos otários pagarão pelos benefícios de uns poucos, será que havia outros motivos para tirar o PT do poder, motivos que não nos foram revelados? Será que o povo brasileiro nas ruas contra a corrupção serviu apenas para que uma gangue pudesse tirar a outra do poder?

    Assim como tenho minhas dúvidas em relação à utilidade de promulgar novas leis contra a corrupção, também tenho dúvidas se a solução proposta por Lawrence Lessig seria factível no Brasil. Será que nós, o povo brasileiro, estaríamos dispostos a fazer doações de 5 reais para políticos financiarem campanha? É verdade que houve na internet uma coleta de dinheiro para financiar a defesa jurídica de José Genoíno, mas os doadores foram simpatizantes do PT. Será que o cidadão comum, que nunca teve filiação partidária e muito menos ativismo político, estará disposto a ceder parte do seu suado dinheiro para políticos cuja credibilidade é cada vez mais baixa?

    Estamos em um círculo vicioso: desconfiamos dos nossos representantes, os escolhemos mal, não estamos dispostos a participar das campanhas. Eles se voltam para os grandes doadores e com isso acabam vendendo facilidades em troca de dinheiro, tomando decisões sobre como gastar o dinheiro público que não tem nada a ver com as necessidades dos brasileiros. Vendo como os eleitos são ineficientes, nós eleitores tornamo-nos cada vez mais indiferentes e escolhemos cada vez pior. Ficamos cada vez mais sem alternativas reais, é sempre mais do mesmo, da mesma patota que se dedica a defender os interesses dos grupos que exercem pressão. Se continuarmos sofrendo na carne essa inversão absurda de prioridades, não sei o que será da nossa república democrática.

    Prezados leitores, por ora vamos curtir as Olimpíadas, torcer pelos atletas brasileiros que terão destaque. Depois é hora de chorar pelo dinheiro gasto para atender os interesses de empreiteiras, redes de televisão e políticos. O terceiro passo seria nós arregaçarmos as mangas e tratarmos de salvar nosso sistema político, forçando os representantes a mudarem suas práticas. Não me perguntem como.

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