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Direitos para quê?

Posted by on 01/11/2016

Policiais rompem corrente que trancava a porta do Colégio Estadual Tiradentes, na Praça 19 de Dezembro, centro de Curitiba. O local estava ocupado por estudantes em protesto contra a PEC 241 e a reforma do ensino médio. A escola é a primeira a ter ordem de reintegração de posse cumprida nesta terça-feira, na capital. Ontem, foram sete, desocupadas pacificamente pelos estudantes. Ao todo, 24 ordens de reintegração já emitidas pela Justiça devem ser cumpridas na cidade.

Manchete do sítio de notícias do UOL sobre os protestos de estudantes secundaristas que estão atrapalhando a realização do ENEM

A vida é concebida como uma extensão ilimitada das escolhas do consumidor, uma busca no supermercado existencial de cujas prateleiras estilos de vida podem ser escolhidos como marcas de alimento processado são escolhidas, sem consequências mais profundas ou significativas. […] Ao indivíduo é permitido viver sua vida conforme seus caprichos, mas o poder central aceita de bom grado a responsabilidade de protegê-lo das consequências de fazê-lo, o que por si gera poder.

Trecho retirado do ensaio “O Paradoxo do Individualismo Radical que Leva ao Autoritarismo”, de autoria do escritor britânico Theodore Dalrymple

    Prezados leitores, qual foi minha surpresa quando lendo o jornal de domingo soube que Theodore Dalrymple, que já apresentei anteriormente aos meus leitores, daria uma palestra no MASP. Lá fui eu assisti-lo, mesmo não tendo a mínima ideia sobre o que ele falaria, porque já tenho dois livros seus e leio seus artigos publicados semanalmente na internet. Havia sido convidado pela editora que publica seus livros no Brasil, e que já vendeu aqui mais de 70 mil volumes desde 2014, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo.

    O tema foi “Como pensar sobre a pobreza”, e apesar de ele ter citado algumas estatísticas sobre a situação social do nosso país, Anthony Daniels, este é seu nome verdadeiro, foi muito reticente ao ser perguntado sobre o Brasil, porque ele confessou saber quase nada de nós. Independentemente de não estar a par da nossa atual situação política e econômica, suas ideias, inspiradas pelo efeito que o Estado do bem-estar social teve sobre sua Inglaterra natal, podem ajudar-nos a entender um pouco do que ocorre no lado de baixo do Equador. Vou tentar explicar-lhes o porquê.

    Estamos longe, muito longe de termos um Estado tão provedor quanto o de um país de Primeiro Mundo como a Inglaterra tem. Isso inclui um Sistema Nacional de Saúde que consegue atender às necessidades básicas da população, apesar de não ter sido capaz, como apontou Daniels em sua fala, de ter diminuído a discrepância entre a saúde dos ricos e dos pobres. É apontando essa particularidade que o médico-escritor ou escritor-médico revela sua face conservadora, de direita, digamos assim.

    No Brasil consideramos que ser de direita é simplesmente não querer distribuição de renda feita pelo Estado e ser de esquerda é incentivar a distribuição de renda por meio de tributação, transferências obrigatórias, programas de renda mínima mensal e por aí vai. Ou seja, os de direita pertencem à elite egoísta que não quer partilhar com os pobres e quer deixá-los na miséria e ignorância, roubá-los, torturá-los, humilhá-los, matá-los, ao passo que os de esquerda pertencem à turma ilustrada, humanista cujo objetivo é ver o maior número possível de pessoas de origem humilde com seu devido lugar ao sol. Ocorre que se ao sul do Equador temos como emblema da direita um aloprado como Jair Bolsonaro, o exterminador de comunistas, torná-lo equivalente a Theodore Darlymple é obviamente absurdo, pois o conservadorismo do palestrante de voz maviosa que sabe ouvir e que não tem uma visão maniqueísta do mundo é de outra cepa.

    A cepa a que o Senhor Daniels pertence é aquela que parte do pressuposto de que há desigualdades biológicas entre os seres humanos que não podem ser ignoradas. Há indivíduos menos e mais inteligentes, mais ou menos bonitos, mais ou menos éticos, e por aí vai. Isso não significa dizer que nosso comportamento é inteiramente determinado por nossos genes, mas simplesmente que eles desempenham um papel. Na palestra de segunda-feira, ele colocou-se contra a ideia de igualdade de oportunidade, que na sua opinião é totalitária. Considerando que as pessoas têm diferentes habilidades, como considerar possível que todos devam ter a chance de tornar-se médicos, por exemplo? Vale a pena o Estado investir na educação superior gratuita para todos? Será que todo e qualquer indivíduo conseguirá concluir uma faculdade de maneira a dar uma contribuição real à sociedade pelo seu trabalho?

    Nessa linha, Darlymple exprimiu dúvidas sobre a educação universal obrigatória. Antes que isso ocorresse as próprias pessoas tomavam a iniciativa e se educavam na Inglaterra, de tal maneira que na época napoleônica houve um salto no nível de alfabetização das pessoas (sinto muito, mas não consigo lembrar os números exatos, que ele citou). Por outro lado, Theodore contou várias anedotas sobre alguns de seus pacientes psiquiátricos, que a despeito de terem estado anos na escola pública, não sabiam multiplicar quatro por três e não conseguiam citar um único primeiro-ministro do país. Assim, estabelecer a educação como um direito das pessoas é uma ideia mais cara à esquerda, que parte do pressuposto de que tudo em nós é construção social, e portanto, pode ser aprimorado. Para um conservador, essa expansão infinita de direitos torna-se contraproducente, não só porque nem todos conseguirão auferir benefícios devido às suas características individuais, mas também porque cria-se uma cultura de que é obrigação do Estado prover tudo, independentemente do esforço de cada um.

    É nesse ponto que considero que este conservadorismo é pertinente à situação atual do Brasil. Há protestos no país sobre a PEC 241 e a reforma do ensino médio, o que é natural considerando que na prática a PEC fará letra morta da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã do finado Ulysses Guimarães. De fato, repetindo o que já falei na semana passada, a colocação de um limite nos gastos públicos, se não for precedida de uma discussão honesta sobre a cota de sacrifícios dos diferentes grupos sociais, fará com que o ônus da contenção de despesas recaia sobre aqueles que não têm lobby no Congresso para defender seus direitos. Isso porque do ponto de vista jurídico, esses direitos, tutelados por “meros” princípios constitucionais do direito à educação, à saúde, à moradia, têm um grau infinitamente menor de proteção do que os direitos daqueles que gozam de leis estabelecendo seus salários, suas aposentadorias, suas indenizações e outras coisas mais.

    Em suma, quem não consegue ter leis aprovadas no Congresso não tem outra saída a não ser ir para a rua ou para as escolas e fazer barulho. Por outro lado, o que exatamente significa direito à educação para os estudantes que estão ocupando escolas? Significa escola gratuita dos 4 aos 24 anos? É interessante ao país ter como objetivo que todos frequentem a universidade? Será que a democratização da educação não leva necessariamente a uma diminuição da qualidade, dadas as diferentes habilidades inatas dos indivíduos? Será que no Brasil teremos maturidade suficiente para considerarmos a ideia de limitar direitos para o bem da sociedade como um todo, ou vamos continuar acreditando que o ideal é que todos os direitos estabelecidos na Constituição devam ser contemplados, mesmo que isso signifique estar sempre descobrindo um santo para cobrir o outro?

    Prezados leitores, enquanto não houver no Brasil espaço político para uma discussão honesta sobre em que medida o programa da Constituição deve ser de fato executado, continuaremos nos engalfinhando em disputas entre a direita e a esquerda que na verdade atuam sob o mesmo princípio: garantir benesses para si, em detrimento dos seus “inimigos de classe”. E enquanto rasgamos as roupas uns dos outros, o Judiciário decide por nós… Pífia democracia!

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