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O Dia do Fico -em 1822 e em 2018

Posted by on 23/03/2018

Acho que o ex-presidente tem que ter o mesmo tratamento digno, respeitoso da Justiça brasileira que deve ser dado a qualquer cidadão. Alguém não pode ser considerado diferente por ser mais rico ou pobre, por ser mais importante ou menos importante, por ser líder ou trabalhador. Isso não tem e não pode ter importância. Seria a quebra da ideia de justiça, mas principalmente a quebra da ideia da igualdade. E essa é uma grande conquista do Brasil. Não tem que ser privilegiado, mas também não pode ser destratado, tratado de maneira a lhe prejudicar pela circunstância de ter um título como esse, que foi honroso, foi levado pelas urnas, de ter sido presidente da República.

Trecho da entrevista de Cármen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal, à rádio Jovem Pan quando indagada do porquê de o julgamento sobre o pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula ter sido adiado para 4 de abril

A princesa tinha mais consciência que d. Pedro de que nada mais poderia esperar de Portugal. As ordens vindas de lá, se forçosamente cumpridas, acabariam por despedaçar o Brasil em dezenas de repúblicas, como ocorrera com as províncias espanholas na América do Sul. […] Guiado pela esposa que articulava nos bastidores, pelo conselho do pai e pelo caos em que se antevia que o Brasil poderia cair após sua partida, d. Pedro permaneceu no Brasil, garantindo, assim ao menos um trono para seus filhos.

Trecho do livro “D. Leopoldina, a história não contada, a mulher que arquitetou a independência do Brasil”, de Paulo Rezzutti, sobre os antecedents do Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, em que D. Pedro, príncipe-regente, decidiu desobedecer às ordens do Parlamento português que lhe ordenou voltar imediatamente à Europa

Capa do livro de Paulo Rezzutti

    Prezados leitores, liderança é algo difícil de explicar, impossível de ser ensinada em cursos de pós-graduação, como tentam fazer pelo mundo afora, mas qualquer um percebe quem tem e quem não tem. Para não aborrecê-los com conceitos e explicações abstratas, darei aqui um exemplo de liderança que ocorreu em 1822, de autoria de D. Pedro e de sua esposa Leopoldina. Eles se viram em uma encruzilhada: ou permaneciam no Brasil para garantir a viabilidade de um governo monárquico no país e a unidade territorial, ou então obedeciam às ordens das cortes de Lisboa, que tinham como objetivo fazer o Brasil retroceder ao seu antigo status de colônia.

    Uma e outra opção tinha prós e contras. Ficar no Brasil significava um grande sacrifício pessoal para Leopoldina, que sabia que nunca mais veria a família se aqui permanecesse, e que loira e de olhos azuis sofria com o calor carioca, com os mosquitos, com a sujeira da cidade do Rio de Janeiro. Além disso, seguir um caminho autônomo era um tiro no escuro, pois não podiam contar com o apoio de outros países para o reconhecimento da independência política do Brasil. Tanto isso é verdade que foi só em 1825 que Portugal concordou em reconhecer nossa soberania, o que viabilizou que as outras nações europeias o fizessem. E no entanto, nosso príncipe-regente e sua esposa, de comum acordo, tomaram a decisão de mandar as cortes portuguesas às favas. Claro, havia o interesse de garantir uma coroa de um imenso país para o filho varão em um momento em que na Europa esse bem escasseava, devido à derrubada de muitas monarquias. Embuídos dessa motivação primordial, Pedro e Leopoldina tinham algo mais importante, uma visão de futuro.

    Essa visão do que eles queriam para o Brasil fica evidente nos escritos de D. Pedro para os jornais brasileiros, para os quais ele atuava como jornalista sob o véu de pseudônimos. D. Pedro queria acabar com a escravidão, que ele considerava corretamente como o “cancro que rói o Brasil”. Fica evidente também na tentativa que Leopoldina fez, logo depois de declarada a independência, de arregimentar mão de obra livre na Europa para migrar para os trópicos. Nunca saberemos o que os dois poderiam ter feito juntos, se tivessem atuado em uníssono como fizeram até 1822. Para a desgraça do Brasil, D. Pedro conheceu Domitila de Castro Canto e Melo em São Paulo naquele mesmo ano e permaneceu com ela por sete anos, enredado pelas artes do pompoarismo que a paulista sabia empregar. A paixão cega de D. Pedro o fez submeter a esposa a humilhações infinitas, que ela, cunhada de Napoleão Bonaparte, e descendente de São Luís, de Isabel, a Católica e do Rei Sol Luís XIV, não podia suportar. Leopoldina, morreu aos 29 anos oficialmente de erizipela, na verdade de depressão. Pedro, tendo destruído toda a credibilidade de que o casal desfrutava com os amores escandalosos, acabou abdicando em 1831 e partiu para Portugal para nunca mais voltar, morrendo de tuberculose em 1834. D. Pedro II, órfão de pai e mãe, ficou desde os cinco anos de idade nas mãos dos regentes, que eram os latifundiários e traficantes de escravos. Nosso segundo imperador foi um homem probo, comedido, mas lhe faltou a visão estratégica do tipo de país que seus pais haviam tido, mas não tiveram tempo de colocar em prática.

    A respeito do caráter pessoal, o mesmo podemos dizer da nossa Cármen Lúcia, que é uma mulher honesta, fala muito bem sobre os ideais republicanos, como exemplificado na abertura deste artigo, mas que em termos de liderança está deixando muito a desejar. Essa decisão de ontem de não decidir sobre o habeas corpus de Lula é mais uma mostra de que lhe falta resolucão sobre o que ela quer que o Supremo Tribunal Federal seja. Talvez um ringue do UFC? Afinal, no dia 21 de março Barroso e Gilmar Mendes tiveram mais uma de suas escaramuças verbais e Dona Cármen simplesmente encerrou a sessão e nem se deu ao trabalho de pedir que os dois galos de briga se comportassem.

    Ou será que Dona Cármen quer que o STF tenha um papel de mediador da nossa crise política? Se o papel do STF deve ser o de apaziguar os ânimos exaltados, não seria prioritário resolver a situação de Lula o quanto antes, seja mandando-o para a prisão ou acatando as alegações da defesa para anular o julgamento? Será que a alegação de que não se pode furar a fila é uma desculpa para não decidir algo premente, que tem uma profunda repercussão sobre a eleição presidencial que ocorrerá em pouco mais de seis meses? Será que estabelecer de uma vez por todas se Lula será ou não candidato não é algo importante para que o clima pré-eleitoral fique menos envenenado? Afinal, tal definição permitiria à esquerda e à direita formularem suas estratégias, tecer suas alianças, apresentar suas propostas, sejam elas construtivas ou negativas. Se o destino de Lula ficar incerto até outubro corremos o risco de termos uma campanha em suspenso, na qual os candidatos vão perorar sobre cenários hipotéticos e pior, ficarão enredados na discussão sobre se Lula é inocente ou culpado.  Uma lástima para que nossas “lideranças” tracem uma estratégia sobre que rumos o Brasil deve tomar na era pós-Lula, ou seria era Lula reloaded? Ou será que nunca nada será mais importante nos trópicos do que ser a favor ou contra Lula?

    Ao que parece, Dona Cármen Lúcia considerou que o comparecimento inadiável de Marco Aurélio Mello a evento na Academia Brasileira de Direito do Trabalho era razão suficiente para suspender a sessão de julgamento e retomá-la em 4 de abril, ou pode ter usado esse incidente como álibi para não arcar com a responsabilidade de decidir, mas adotando o discurso da imparcialidade republicana.

    Prezados leitores, em 9 de janeiro de 1822 D. Pedro deu um passo de cuja gravidade ele tinha consciência, mas cujas consequências ele estava disposto a assumir, ajudado por sua esposa. Em 22 de março de 2018, Dona Cármen Lúcia, teve um dia do fico todo especial: fico paralisada, fico no muro, fico me apegando à retórica jurídica para não agarrar o touro à unha e decidir de uma vez por todas se Lula é culpado ou inocente aos olhos da justiça brasileira. Enquanto isso, nas ruas, sabe-se lá o que acontecerá até outubro.

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