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Símbolos carismáticos

Posted by on 14/09/2022

O poder contido nos ritos esvaía-se e o imperador colaborava com isso. Ao se democratizar colocando-se como igual aos demais, a mística do trono, coroa e cetro caía por terra. Em 27 de abril de 1872, ele ordenou ao ministro do império que o beija-mão fosse abolido. D. Pedro II queria civilizar sua corte acabando com rituais antiquados, sem atualizá-los ou substituí-los por outros. Isso esvaziava o poder contido neles. Sem rituais, sem demonstrações de poder da parte do monarca, D. Pedro enfraquecia o poder da Coroa e permitia que se levantassem questões a respeito da necessidade de um imperador que agia como uma pessoa comum.

Trecho retirado do capítulo intitulado “O bom burguês”, no livro “D. Pedro II, A história não contada” de Paulo Rezzutti

Quando a Rainha for velada, seu caixão estará coberto pelo Estandarte Real, como ocorreu em Edimburgo. O estandarte será acompanhado pela Coroa Imperial, que era utilizada uma vez por mês pela Rainha na abertura oficial do Parlamento. A Coroa tem mais de 3.000 pedras preciosas, incluindo safiras, esmeraldas e rubis. A coroa foi feita para a Rainha Vitória em 1838. Ela contém mais de 3.000 pedras preciosas, incluindo 2.700 diamantes. As pedras mais significativas historicamente incluem a safira de Eduardo o Confessor, que foi retirada do anel de coroação de Eduardo. Considerando que Eduardo foi coroado em 1042, é a pedra mais antiga de toda a coleção real.

Trecho retirado de um artigo publicado na versão eletrônica do jornal inglês The Daily Mail, dando detalhes sobre os símbolos da Coroa britânica que estarão presentes nos funerais da Rainha Elizabeth II (1926-2022), morta em 8 de setembro

Mas aqui e no Canadá […] vocês têm as quatro divisões. O Judiciário, o Legislativo, o Executivo e o Simbólico. E a monarquia fica com o peso do simbólico. E isso é muito inteligente, porque o separa da esfera política. E vocês vejam o que acontece nos Estados Unidos. O presidente tende a se transformar no tzar.

Trecho da fala de Jordan Peterson, ex-professor de psicologia na Universidade de Toronto, sobre a morte da Rainha Elizabeth

    Prezados leitores, milhares de pessoas são esperadas em Londres para prestar uma última homenagem à Rainha Elizabeth, morta aos 96 anos de idade. Na segunda-feira haverá o funeral na Catedral de Westminster, com a presença de vários chefes de Estado, inclusive do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Se fôssemos fazer uma comparação com a primeira rainha Elizabeth (1533-1603), Elizabeth II fica bem abaixo. De acordo com Will Durant em seu livro “The Age of Reason Begins”, a primeira falava francês, italiano e inglês fluentemente, além de conseguir conversar em latim e até em grego, e ser especialista na teologia protestante. Elizabeth II não era conhecida pelos seus dotes intelectuais, e seus passatempos prediletos eram montar quebra-cabeça e assistir à televisão tendo como companhia seus cachorros corgi. No reinado de Elizabeth I, a Inglaterra venceu a poderosa Armada em 1588, pondo fim à hegemonia espanhola na Europa que havia durado quase um século, desde a descoberta das América por Cristóvao Colombo, em 1492. No reinado de Elizabeth II, a única vitória da Inglaterra foi contra a pequena Argentina, em 1982, na disputa pelas remotas Ilhas Falkland no Atlântico Sul. No reinado de Elizabeth I, floresceu William Shakespeare (1564-1616), o maior dramaturgo da história da civilização ocidental. Que homem de gênio mostrou suas artes sob Elizabeth II? Nenhum.

    Em que pese as conquistas materiais e intelectuais serem tão diferentes entre as duas Elizabetes, ambas foram glorificadas por serem rainhas. Talvez as pessoas que estão guardando seu lugar na fila há mais de 30 horas nas ruas de Londres queiram simplesmente tirar uma foto do caixão com os símbolos da monarquia britânica, conforme descritos no trecho que abre este artigo. Talvez tenham curiosidade de ver esses símbolos todos reunidos pela primeira vez no ataúde de Elizabeth II. O fato é que a pessoa Elizabeth Alexandra Mary estava tão inextricavelmente ligada a esses apanágios da realeza que, independentemente das qualidades individuais da rainha morta nesta semana, ela se tornou grande e imortal por ter usado a coroa, o cetro e por ter encarnado uma tradição de monarcas que tem mais de 1.000 anos, com a qual os cidadãos do país se identificam e da qual obviamente se orgulham pois, do contrário, não iriam prestar homenagens a quem a simbolizava.

    Uma pena que nosso segundo imperador não tenha dado a devida importância aos rituais e símbolos da monarquia, conforme explica o trecho retirado do livro de Paulo Rezzutti. De acordo com o historiador, esse desleixo de D. Pedro com a simbologia do poder contribuiu em muito para o descrédito da monarquia na população. Afinal, por que dar importância a alguém, chamando-o de Vossa Majestade, que fazia questão de colocar-se no nível de todos? Porque dar-lhe privilégios de moradia em palácio, de deferência, de cargo e remuneração vitalícios se o imperador mesmo achava tudo isso uma bobagem antiquada? De fato, depois de anos agindo como burguês, em 15 de novembro de 1889, D. Pedro II levou um chute no traseiro dado pelos militares, que o escorraçaram junto com sua família, despachando todos dois dias depois em 17 de novembro a bordo de um navio rumo à Europa. Os 49 anos de serviços do imperador-burguês, tolerante com as críticas que lhe fazia a imprensa e cioso do dinheiro público a ponto de gastar quase nada com o aparato da monarquia, de forma que nem as carruagens reais eram reformadas para economizar, só lhe serviram para ser banido definitivamente do Brasil. D. Pedro sofreu resignado essa humilhação, como homem de paz que era, mas não há dúvida de que o modo ingrato como foi tratado corroeu-lhe os últimos dois anos de vida, passados na Europa dos seus antepassados. Quem mandou não se dar ao respeito?

     Assim, temos trajetórias diferentes de dois monarcas: de um lado Elizabeth II, adorada simplesmente por ser símbolo do Reino Unido; e de outro lado, Pedro II, expulso do seu país, entre outras razões, por ter falhado em mostrar, por rituais e símbolos, que ele encarnava a ideia do Brasil de 8 milhões de quilômetros quadrados, criado como nação independente por seus pais, Pedro e Leopoldina. É esse poder do símbolo que Jordan Peterson enfatiza em sua fala de 9 de setembro, reproduzida na abertura deste artigo. O psicólogo canadense ilustra seu ponto contando o episódio em que ele estava em um festival no estado americano de Kentucky e correu o boato que Donald Trump estava chegando. Peterson pôde sentir a energia no ar, o modo como a noticia excitou as pessoas, considerando o carisma do ex-presidente americano. Mas o fato de ser objeto de adoração tem um lado negro: a pessoa fica cercada de aduladores e acaba se desacostumando de ser criticada. Para quem exerce o poder de fato, isso é ruim, porque leva o líder a tomar decisões erradas, baseadas na crença na sua própria infalibilidade.

    Daí a vantagem da cisão dos poderes simbólico e político que ocorre nos regimes monárquicos: a adulação, a mística tem como foco o monarca, que não precisa tomar as decisões corretas sobre políticas públicas, não precisa ter qualidades excepcionais, mas apenas ser o elo de ligação entre as gerações passadas e as gerações futuras, simbolizando o país cuja história atravessa séculos; o poder  político fica com o líder que não precisa ter carisma, não precisa ser símbolo de nada, não precisa inspirar os sonhos e as esperanças de ninguém porque ele não encarna o Estado, mas é simplesmente o funcionário encarregado no momento da administração dos negócios públicos.

    Prezados leitores, é tarde demais para nós brasileiros voltarmos ao regime monárquico, porque uma vez quebrado o encanto da continuidade da tradição, ele não pode ser reinstaurado. Mas talvez se tivéssemos nos transformado em uma monarquia constitucional, não estaríamos agora às vésperas de elegermos um líder carismático, no qual projetamos expectativas exageradas e que certamente nos decepcionará, seja ele de direita ou de esquerda. Estaríamos de quando em quando enterrando nossos imperadores e imperatrizes, coroando-os e utilizando essas cerimônias como momentos de catarse coletiva, como estão fazendo agora os britânicos, sem precisarmos fazer das eleições de líderes do poder político um momento de ajuste de contas do bem contra o mal, com todos os perigos que isso traz à nossa democracia.

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