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I did it my way, We did it our way

Posted by on 08/02/2023

Apesar do plano de relançar a marca do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) em fevereiro, o governo levará mais tempo para, de fato, engrenar o programa habitacional em seu novo modelo. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o Executivo não planeja usar as regras do Casa Verde e Amarela (CVA) para contratar novas moradias enquanto o desenho do MCMV é estruturado. A expectativa, por sua vez, é de que a definição de todo arcabouço do novo programa demore meses.

Trecho retirado do artigo “Minha Casa, Minha Vida: contratações devem ocorrer apenas no segundo semestre”, publicado em 5 de fevereiro no jornal o Estado de São Paulo

Mas eu vou supor que enquanto os princípios racionais podem dar foco aos nossos julgamentos e estabelecer diretrizes para reflexão, no final das contas devemos escolher nós mesmos no sentido de que a escolha sempre depende do nosso autoconhecimento direto não somente das coisas que queremos, mas também do quanto nós as queremos. […] Ele caracteriza o futuro bem da pessoa como um todo como aquilo que ela desejaria e procuraria agora se as consequências de todos os modos de conduta disponíveis para ela, no presente momento no tempo, fossem previstas precisamente pela pessoa e vislumbradas adequadamente na imaginação.

Trecho retirado do livro “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls, filósofo político americano (1921-2002)

    Prezados leitores, em meu último artigo eu tratei do conceito de bom plano de vida do filósofo John Rawls, ilustrando-o com a descrição da vida de Maria Graham que, em pleno século XIX, conseguiu fazer determinadas escolhas de rumos que lhe permitiram seguir suas tendências naturais: ela viajou, casou, conheceu várias partes do mundo, teve contato com diferentes culturas e civilizações e isso lhe serviu de conteúdo para ela se expressar por meio da escrita e da pintura. Nesta semana, meu objetivo é explorar a ideia de racionalidade deliberativa descrita por Rawls para aplicá-la não a um indivíduo isolado, mas a um país.

    O indivíduo racional de John Rawls é racional não porque ele seja objetivo e imparcial e tome sempre a decisão correta. Conforme o trecho que abre este artigo, ele é racional porque tem conhecimento de si mesmo e das circunstâncias que o rodeiam tanto no espaço, quanto no tempo. Conhecendo-se a si mesmo, ele sabe aquilo que ele deseja atingir na vida, sabe das suas paixões e dos seus desejos e sabe o que é mais importante para ele, de maneira que ele possa estabelecer uma ordem de prioridades sobre em que despender seus recursos físicos, intelectuais, morais e econômicos. Conhecendo seu entorno, o homem racional tem consciência das possibilidades maiores ou menores de concretizar seus objetivos de acordo com as limitações e oportunidades que se lhe apresentam.

    Sob essa perspectiva, a racionalidade deliberativa do homem é a capacidade que ele tem de tomar decisões que o levem da maneira mais segura possível ao destino a que ele se propôs, seguindo um plano de ação elaborado com base na ponderação de todos os fatores que desempenham um papel no desenrolar dos acontecimentos. É claro que a tal racionalidade se concretiza dentro de uma certa estrutura: uma vez inserido nela, nem sempre é possível ao homem racional vislumbrar no presente os desdobramentos dos acontecimentos no futuro, porque ele nunca tem todas as informações ao seu dispor para traçar cenários e tomar a decisão de descartar aquilo que no longo prazo será maléfico e cultivar o que será benéfico.

    O importante nesse percurso de deliberações é que, mesmo que não seja possível que o homem racional atinja as metas estabelecidas no início, ele não se sentirá frustrado e não criticará a si mesmo. Isso porque, consciente do que ele mais quer e tendo a liberdade de usar os meios disponíveis para obtê-lo, ele terá o sentimento da autorrealização advindo do fato de ter feito a coisa do seu jeito, como Frank Sinatra (1915-1998) cantou na música My Way: I did it my way…

    Todo esse introito a respeito do homem livre que escolhe seu caminho ponderando os prós e os contras das alternativas disponíveis e tomando decisões, serve para a colocação de uma pergunta: será que a racionalidade deliberativa pode existir coletivamente, no conjunto dos membros da sociedade que estabelecem suas metas e tentam achar a maneira de atingi-las?

    Parece que a eleição para cargos majoritários no país oferece essa oportunidade de fazer as escolhas fundamentais sobre o que queremos para depois traçarmos um plano de como podemos obter o objeto do nosso desejo coletivo. Ao escolhermos Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2022, a sociedade brasileira fez uma opção por certo conjunto de valores: justiça social, priorização dos mais vulneráveis e dos direitos das minorias. Um exemplo disso é a retomada do projeto Minha Casa Minha Vida, conforme o trecho que abre este artigo. O novo governo vai colocar de lado totalmente o Casa Verde e Amarela de Bolsonaro porque ele não concedia subsídios para a compra da casa própria para famílias com renda de até R$ 1.800,00, que é o grupo prioritário para o governo do PT.

    Uma vez escolhida a meta de conceder acesso à moradia a pessoas da classe E, cabe ao novo governo achar os meios de concretizá-la. O processo é longo: é preciso fazer um levantamento dos conjuntos habitacionais com obras paradas, definir o quanto de dinheiro estará de fato disponível no orçamento público, definir que tipo de habitações serão construídas com base na verba alocada para esse fim. O Minha Casa Minha Vida será relançado em 14 de fevereiro na Bahia, mas na prática só no segundo semestre de 2023 haverá um plano mais concreto, já que para o governo de Lula a política habitacional de Bolsonaro é inaceitável, como fora para Bolsonaro a política habitacional dos governos do PT.

    Assim, será preciso reelaborar toda a política pública do zero porque a escolha fundamental feita pelo povo brasileiro em 2022 foi diferente da feita em 2018. Mas mesmo que nossas metas sociais tenham mudado bastante, será producente jogar tudo o que foi feito no governo anterior no lixo e gastar tempo e dinheiro para reinventar a roda do financiamento habitacional? Será que, considerando as limitações orçamentárias, o mandato relativamente curto de quatro anos, não seria mais eficiente aproveitar alguma coisa do que foi feito antes, mesmo porque dinheiro público foi gasto para isso? E se em quatro anos elegermos um governo de direita? Colocaremos o programa Minha Casa Minha Vida abaixo?

    Prezados leitores, John Rawls também dizia que o homem racional respeita tanto os interesses e valores do seu ser presente quanto o do seu ser futuro, assim como os interesses dos outros, porque só assim ele se veria como um indivíduo perene, solidamente inserido em uma rede de relações com o passado, o presente e o futuro e com as pessoas do seu entorno. Oxalá um dia nós, no Brasil, transformemo-nos em uma sociedade com racionalidade deliberativa: que nós não somente sejamos capazes de fazer escolhas sobre o que queremos, mas que as façamos levando em consideração o objetivo maior que é o de nos mantermos ao longo do tempo como um conjunto de pessoas unidas por laços em comum que trabalham todas para construir um futuro em que cada um tenha a liberdade e a oportunidade de perseguir seus objetivos individuais. Quem sabe possamos um dia dizer I did it my way e We did it our way com orgulho por aquilo que conseguimos?

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