browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

Liberdade, abre as asas sobre nós

Posted by on 29/12/2013

PAVIA, Italy — Renowned for its universities and a celebrated Renaissance monastery, this Lombardy town about 25 miles south of Milan has in recent years earned another, more dubious, distinction: the gambling capital of Italy.

Slot machines and video lottery terminals, known as V.L.T.s, can be found all over in coffee bars and tobacco shops, gas stations, mom-and-pop shops and shopping malls, not to mention 13 dedicated gambling halls. By some counts, there is one slot machine or V.L.T. for every 104 of the city’s 68,300 residents.

Critics blame the concentration of the machines for an increase in chronic gambling — and debt, bankruptcies, depression, domestic violence and broken homes — recorded by social service workers in Pavia.

Retirado de um artigo intitulado “Medo deDistúrbios Sociais à medida que a jogatina explode na Itália” na versão eletrônica do jornal The New York Times

Foi muito feliz a revista The Economist ao declarar o Uruguai “o país do ano” e qualificar como admiráveis as duas reformas liberais mais radicais tomadas em 2013 pelo governo do presidente José Mujica: o casamento gay e a legalização e regulamentação da produção, venda e consumo da maconha.

Retirado do artigo intitulado “O Exemplo Uruguaio”, de Mário Vargas Llosa

         Prezados leitores, no Brasil nós temos e já tivemos muitos partidos com o nome de liberais e já tivemos expoentes da ideologia liberal, o mais notório deles sendo Roberto Campos, lembram-se dele? Fernando Collor, quando eleito presidente, também flertou com as ideias liberais e tomou de empréstimo, para usarmos um eufemismo, os escritos de José Guilherme Merchior (1941-1991), em que o pensador, crítico literário e diplomata brasileiro defendia o conservadorismo liberal. Bem, sabemos como o governo de Fernando Collor terminou e sabemos que a verdadeira filosofia do PFL, do PL e outros partidos brasileiros que têm ou tiveram o L no nome é na verdade a do locupletamento, puro e simples.

         Por outro lado, em que pese o fato de que o liberalismo, quer seja ele social, político, econômico ou cultural, nunca tenha de fato rendido bons frutos no Brasil, que conseguiu achincalhar um conceito com uma linda tradição nos países europeus, na teoriaé algo que a mim parece perfeito. Como Mário Vargas Llosa defende em seus artigos e especialmente neste a respeito das medidas recentes tomadas na nossa antiga província Cisplatina (tenho certeza que meus leitores sabem que o Uruguai, às vezes chamado de a Suíça da América Latina, pertencia ao Brasil, que o perdeu em 1828 na Guerra da Cisplatina), o liberalismo propõe a liberdade de deixar as pessoas escolherem o melhor caminho para si, sem interferências do Estado e de nenhuma outra instituição. Nesse sentido, se a pessoa quer fumar maconha, cheirar cocaína, ser gay, jogar videopôquer no bar ou no café como fazem freneticamente os italianos, que terão gasto 115 bilhões de dólares em 2013 em apostas, de acordo com estimativas,não há porque proibi-la. Cada um é dono do seu próprio nariz, especialmente se o indivíduo é informado dos riscos e das vantagens de cada opção,de modo que possa fazer as melhores escolhas de acordo com seu perfil pessoal. Como ser contra tal filosofia, se vemos que a política de repressão às drogas só gera corrupção das autoridades, criminalidade, famílias destruídas e hipocrisia? Lembrem-se também que nosso príncipe iluminista, Fernando Henrique Cardoso, também defende a liberalização das drogas usando como argumento a pouca eficácia da atual política vigente na miaor parte do mundo.

         Realmente, o ideal de pessoas informadas, capazes de tomar decisões racionais baseadas em uma ponderação das vantagens e desvantagens, é uma premissa tanto do Iluminismo do século XVIII, que queria livrar o homem do fatalismo religioso, quanto da ciência econômica de Adam Smith, que queria mostrar que o capitalismo era a melhor rota rumo à felicidade do homem na Terra. Indivíduos produtivos, criadores de riqueza, senhores do seu destino, livres das amarras que haviam aprisionado o homem na superstição e no medo. Laisser faire, laisserpasser le monde va de lui même! No entanto, a esta altura da minha vida, confesso que eu, que quando mais moça encantei-me com os ensaios de Isaiah Berlin, não acredito que dada a variedade humana, a receita liberal possa ser aplicada a todos.

         Minhas ressalvas vão além da questão de haver muitas pessoas desinformadas neste mundo, o buraco é mais embaixo. Minha experiência de vida, e não pretendo aqui que ela seja taxativa, mostrou-me que há pessoas com uma maior ou menor capacidade de viver de maneira sensata, isto é, de controlar seus apetites e seus instintos de maneira que ao dar vazão a eles não provoquem grandes estragos em si mesmas e nos seus familiares. Eu não sei porque isso ocorre, se é genético ou social, mas não há como negar que há aqueles que, independentemente de classe social, nível educacional, não têm o mínimo senso do equilíbrio. Quem não conhece ao menos um energúmeno que gasta demais, que bebe demais, que casa três, quatro vezes, deixando um rastro de filhos para trás? O exemplo da Itália, citado na abertura deste artigo, é ilustrativo: a jogatina estava antes nas mãos do crime organizado mas, para arrecadar impostos e tirar essas atividades da ilegalidade, o governo permitiu a abertura de cassinos e a instalação de máquinas nos bares e cafés.O resultado é o descrito na reportagem (http://mobile.nytimes.com/2013/12/29/world/europe/fears-of-social-breakdown-as-gambling-explodes-in-italy.html?partner=rss&emc=rss&smid=tw-nytimesworld) : pessoas viciadas e falidas, famílias desestruturadas.

         Isso não significa dizer que eu ache que os viciados, compulsivos e obcecados de todo gênero sejam pessoas doentes, vítimas de sua própria condição que devam ser tratados de maneira paternalista pelo Estado ou por alguma instituição. Acho que as pessoas devem assumir responsabilidade por seus atos, e nisso compartilho o credo liberal, porque medicalizar o problema, considerar qualquer comportamento exagerado como um problema psiquiátrico, é fazer com que a sociedade como um todo arque com as consequências de escolhas morais feitas por cada indivíduo.Para resumir minha opinião, digo o seguinte: sou contra a liberalização das drogas porque acredito que há uma parcela da população incapaz de agir de maneira responsável, que ao comer melado vai sempre se lambuzar. Ao mesmo tempo, sou contra a internação compulsória de usuários de crack, política que está sendo tentada aqui em São Paulo, porque o viciado não é vítima de uma doença, ele procurou aquele caminho e não é justo que eu tenha que arcar com o tratamento de uma pessoa que nem quer se tratar. Aliás, um psiquiatra húngaro, Thomas Szasz (1920-2012), considerava que as doenças mentais não eram doenças médicas no sentido fisiológico, e pregava o fim da institucionalização da psiquiatria.

         Prezados leitores, não sou médica, não sou especialista, apenas uma liberal desencantada: que a liberdade abra as asas sobre nós, mas que tenhamos em mente que, por razões que ainda não conhecemos de todo, há pessoas neste mundo que nunca conseguirão ser verdadeiramente livres. Para elas,a única medida cabível é a repressão, pura e simples.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *