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O Idiota

Posted by on 28/03/2016

De minha parte, eu observo que quase toda a realidade, embora tenha suas leis imutáveis, quase sempre é improvável e inverossímil. E inclusive quanto mais real ainda mais inverossímil.

Trecho retirado do livro O Idiota, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881)

Nesses treze anos, o PT e o PMDB ganharam juntos, se beneficiaram juntos do poder e tomaram decisões políticas juntos, no Executivo e no Congresso. Não consigo compreender como uma parte será subtraída e a outra será ungida como o bastião da moralidade.

Trecho da entrevista da ex-senadora Marina Silva publicada na edição de Veja de 30 de março de 2016

    Prezados leitores, permitam-lhes que lhes apresente, para quem não conhece, o Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, o personagem principal do livro O Idiota, do qual tirei a citação que abre este artigo. A alcunha lhe é dada por todos que o conhecem por causa da sua sinceridade, transparência, da sua boa vontade em relação às pessoas, da sua infinita capacidade de perdoar as fraquezas alheias. Seus amigos irritam-se com seu jeito de ser, xingando-lhe de idiota, porque no final das contas eles percebem que o príncipe epiléptico é superior a eles tanto intelectual quanto moralmente, o que provoca inveja, raiva, rancor. Míchkin, herdeiro de uma polpuda herança, costuma fazer benesses a torto e a direito, mesmo a quem flagrantemente está aproveitando-se de sua generosidade porque espera que os beneficiários percebam seus erros e da próxima vez comportem-se melhor.

    Faço menção a um dos grandes personagens da literatura mundial porque considero que neste momento estamos às voltas com um Idiota no cenário político nacional. Ele não tem linhagem aristocrática como o príncipe de Dostoiévski, nem morou em uma pequena aldeia na Suíça para tratar-se de um mal incurável. Seu nome bem poderia ser Marina Silva ou qualquer Santos, Oliveira, Pereira pelo Brasil afora e se for doente provavelmente terá sido infectado pelo vírus da zika. Um idiota típico parte do pressuposto que as pessoas realmente querem dizer o que falam, leva a sério tudo o que ouvem e começa a desconfiar das palavras apenas quando elas desmentem os atos das pessoas que as proferem. É nesse momento que o idiota começa a fazer perguntas desconcertantes que refletem sua perplexidade ante as inconsistências dos que não são parvos como ele e estão sempre dissimulando suas intenções.

    Pois bem, os procedimentos para o impeachment da Presidente foram iniciados e nós, os idiotas brasileiros, estamos ouvindo o que nossa veneranda classe política está a nos dizer e o que ela está fazendo. Há um fosso muito grande entre os atos e as palavras, tão grande que mesmo com toda a paciência que sempre demonstramos ao longo de nossa história com as fraquezas morais e intelectuais dos nossos dirigentes, não conseguimos entender muitas coisas. Porque não entendemos pedimos esclarecimentos e eu humildemente, na qualidade de mulher pertencente ao grupo dos néscios tropicais, assumo aqui, por decisão própria, o papel de porta-voz das suas perguntas, dirigidas a alguns dos envolvidos nesse imbróglio político.

    Eminente engenheiro civil Marcelo Odebrecht, Mestre pelo International Institute for Management Development da Suíça, é verdade mesmo que o vice-presidente Michel Temer não estava no rol de beneficiários de propina paga pela organização do qual o senhor até antes de ser preso era o presidente? Ou a delação premiada que o senhor negociou com o Ministério Público não o incluiu na famigerada lista para permitir que a Odebrecht não seja vítima de vinganças políticas em um governo chefiado pelo mordomo de filme de terror, como o chamava Antônio Carlos Magalhães? Será que a manutenção da continuidade operacional da maior construtora do Brasil lhe é muito mais importante do que falar TODA a verdade?

    Eminente constitucionalista Michel Temer, advogado formado pela veneranda Faculdade de Direito do Largo São Francisco, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Vice-Presidente da República Federativa do Brasil desde 1º de janeiro de 2011, o senhor está a me dizer que não tinha conhecimento de nada a respeito das contribuições ilícitas à campanha de Dilma Rousseff, sua companheira de chapa? O senhor, membro do governo, não sabia de nenhuma troca de favores que ocorria entre empreiteiras e a Petrobrás? O senhor, um dos maiores juristas do Brasil, não via que a Presidente infringia o artigo 85 da Constituição Federal e os artigos nove e dez da Lei 1.079/1950 que tratam, respectivamente, dos crimes contra a probidade na administração e dos crimes contra a lei orçamentária de autoria do Presidente da República? O que ocorreu? Tinha medo de terminar seus dias como terminou Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André pelo PT, assassinado em circunstâncias pouco claras e por isso não denunciou? Senhor Michel Temer, seu partido acaba de lançar um plano, “Uma Ponte para o Futuro”, preparado por especialistas reunidos para esse fim. Se Dona Dilma estava no rumo errado em termos de políticas econômicas e sociais, porque o PMDB, que oficialmente faz parte do governo, não lhe ofereceu sugestões para combater os males da disparada da dívida pública e da estagflação que rondam o Brasil? Por que o projeto da ponte para o futuro só ficou pronto agora, quando o governo do qual o senhor faz parte tem pouquíssimas chances de colocá-lo em prática? Será que a ponte para o futuro tem entrada exclusiva para determinadas pessoas, que não incluem membros do PT? Por que os petistas devem ficar de fora, olhando o senhor fazer a travessia para um futuro mais próspero? Por acaso não foram aliados durante 13 anos?

    Respeitáveis membros do governo pertencentes ao PMDB, por acaso acham que saindo do governo às vésperas do impedimento da Presidente serão redimidos? Por acaso caindo fora do barco que está indo a pique preservarão sua reputação? Por acaso ainda têm reputação membros de um governo corrupto, cuja chefe está sendo acusada de crimes de responsabilidade? Por acaso renunciando a seus cargos darão mostras de apreço à coisa pública? Será apreço ou ganância por voltar a gozar das mesmas prebendas daqui a alguns meses quando Dilma tiver saído do Palácio do Planalto? Vocês acham que estão sendo íntegros zelando unicamente pelo seu interesse pessoal, sem pensar nas consequências do desmanche repentino do governo federal?

    Finos membros do PSDB, de onde vem tanta indignação moral ante a corrupção do PT e o linguajar chulo de Lula, tão execrado por Fernando Henrique Cardoso em uma entrevista ao jornal Estado de São Paulo? Por que tanta insistência em correr com o impeachment, por que tantas exortações dirigidas à Presidente para que ela facilite as coisas renunciando? Será que é uma genuína preocupação com os destinos do país ou o medo de que a Operação Lava Jato adentre em seara tucana? Será que vocês, veneráveis tucanos, consideram que o povo brasileiro dar-se-á por satisfeito com a imolação do PT e não dará muita bola se as investigações não mais avançarem? Será que menosprezam tanto nossa inteligência a ponto de acharem-se capazes de nos convencer que a corrupção começa e para no partido de Lula?

    Prezados leitores, em última análise, o impeachment é um julgamento político, e se Dona Dilma perdeu apoio, independentemente da justeza dos motivos que a fizeram tornar-se órfã política, não há muito o que fazer além de aguardar o desfecho melancólico para a primeira presidente mulher do Brasil. A nós, os idiotas brasileiros, que sabemos há algum tempo do descaramento, da desfaçatez de grande parte dos nossos políticos, que se reciclam de um governo para o outro simplesmente trocando de uniforme, só nos resta uma solução: ir para as ruas exigir eleições já para a Presidência da República. Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, os protagonistas do impeachment: é verdade que somos todos idiotas, mas saibam que nossa compreensão profunda de quão débeis são suas justificativas, de quão inconsistentes são suas ações pode lhes trazer surpresas desagradáveis.

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