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Sobre crocodilos e o que eles comem

Posted by on 02/08/2017

A meu ver, Ivan Matviéitch, como um verdadeiro filho de sua pátria, deve ainda alegrar-se e orgulhar-se com o fato de ter duplicado, ou talvez triplicado, com a sua pessoa, o valor de um crocodilo estrangeiro. Isto é necessário para atrair os capitais.

Isto é necessário para atrair os capitais.Trecho do conto “O Crocodilo” de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) sobre um funcionário público que é engolido por um crocodilo que estava sendo exibido em São Petersburgo

Dos 535 membros da Çâmara dos Representantes e do Senado, 530 votaram a favor de um projeto de lei que viola a separação dos poderes e impede o Presidente Trump de suspender as sanções contra a Rússia. Como a votação foi tão acachapante que impede o veto, a Casa Branca anunciou que Trump vai sancionar a lei, assim rendendo-se e abandonando seu projeto de restabelecer relações normais com a Rússia. A Casa Branca acredita que o projeto de lei está à prova de vetos, tudo o que Trump conseguiria vetando-o seria provar as acusações de que é um agente russo e que está usando seu cargo para proteger a Rússia, o que facilmente poderia levar a um processo de impeachment.

Trecho do artigo “As Escolhas de Trump” de Paul Craig Roberts, ex-subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos de 1981 a 1982

    Prezados leitores, se quiserem rir um pouco leiam o conto O Crocodilo. Nele Dostoiévski descreve as reações dos moradores da então capital da Rússia, São Petersburgo, à chegada de um crocodilo trazido por um alemão que expõe a fera em uma galeria cobrando ingresso e faturando rios de dinheiro. A história é totalmente absurda, claro, pois o funcionário Ivan Matviéitch que vai fazer umas cosquinhas no crocodilo e acaba sendo engolido não morre e continua a falar com seu amigo de repartição das profundezas de onde está.  Mas como toda boa ficção ela lança luz sobre a realidade em que vivemos e sobre a natureza humana. No caso específico desse conto, o autor mostra o deslumbramento dos russos com os avanços europeus nas ciências, na tecnologia e nos costumes, e o complexo de inferioridade que os acomete por não estarem no mesmo nível. Tamanho é o complexo que ninguém vê nada de ruim no fato de o pobre Ivan permanecer na barriga do crocodilo e até achar vantagem nisso, como sinal de o progresso estar chegando nas estepes. Em muitas das obras de Dostoiévski há o embate entre os eslavistas, que queriam manter-se fiéis às tradições da Rússia, e os integracionistas, que queriam que o país se tornasse mais europeu.

    Essa discussão sobre que rumo tomar enquanto nação pode parecer ultrapassada, mas considerando que há exatos 100 anos, em 1917, os russos decidiram importar as ideias de Karl Marx e colocá-las em prática, o que repercutiu no mundo todo ao longo do século XX e ainda repercute no século XXI, falar sobre modismos crocodilianos parece mais pertinente do que nunca. Não há dúvidas de que estamos em plena Segunda Guerra Fria entre as potências nucleares. A primeira acabou em 1989 quando o Presidente Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev se entenderam sobre o desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sobre a reunificação da Alemanha e sobre a emancipação dos países do Leste Europeu do jugo comunista. O toma lá dá cá, que valeu com Reagan e com seu sucessor George H. W. Bush, que foi presidente dos Estados Unidos de 1989 a 1993, era de que não haveria expansão da OTAN no Leste Europeu e de que os Estados Unidos respeitariam a zona de influência da Rússia.

    Desde o governo de Bill Clinton, passando por George Bush filho e por Barack Obama, não houve cumprimento do pacto por parte dos americanos. A Sérvia, histórica amiga da Rússia, foi bombardeada pela OTAN para que fosse criado o Kosovo na década de 1990. A OTAN expandiu-se para incluir países como Albânia, República Tcheca, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Croácia, Montenegro, Eslovênia, Polônia e Hungria. E mais, foram instaladas bases de mísseis na Polônia, na Romênia, na República Tcheca, e em 2016 tropas foram colocadas na Estônia, Letônia e Lituânia, com a explicação de que tal mobilização de material humano era uma resposta defensiva à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. Enfim, o crocodilo chegou na tina, como havia chegado em 1865, data em que o conto de Dostoiévski foi publicado. Qual será a reação que os russos terão neste início do século XXI? Acharão o crocodilo um avanço da civilização ou decidirão rasgar-lhe a barriga para salvar o pobre russo lá dentro?

    Digo que o crocodilo chegou porque a essa altura parece claro que os Estados Unidos definitivamente querem ver a fera solta, ao impor novas sanções econômicas aprovadas por unanimidade no Congresso americano em 25 de julho. As boas intenções que Trump havia manifestado durante a campanha presidencial de 2016 de celebrar a paz com a Rússia parecem ter ficado definitivamente para trás. O que aconteceu com The Donald? Agiu como vendedor que promete algo que não pode entregar? Subestimou as resistências do complexo industrial-militar, que sempre precisa de um inimigo para justificar seus gastos estratosféricos? Escolheu mal seus assessores, que não compartilham sua agenda de colaborar com a Rússia para conseguir resolver a guerra na Síria? O fato é que o Aprendiz até agora não se mostrou à altura dos desafios que lhe foram postos desde o dia em que colocou os pés na Casa Branca. A pecha de ter sido ajudado pelos russos a ganhar a eleição o assombra e o impede de agir livremente, obrigando-o a colocar-se na defesa em relação às relações dos Estados Unidos com a Rússia e a dançar conforme a música que toca a bandados partidários da Segunda Guerra Fria . Na era dos pós-fatos, a história de que hackers russos invadiram os computadores do Partido Democrata e divulgaram fatos desabonadores sobre Hillary Clinton para facilitar a eleição do magnata do setor imobiliário colou, independentemente de qualquer evidência em contrário.

    Essas evidências em contrário chegaram dia 24 de julho, quando um grupo de ex-funcionários dos órgãos de inteligência dos Estados Unidos, denominado Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS), divulgou sua conclusão sobre o assunto depois de analisar os metadados do Guccifer 2.0, o ente cibernético que invadiu o servidor do Comitê Nacional dos Democratas. Esse grupo já publicou 50 memorandos, incluindo uma advertência em 2003 de que as informações confidenciais de que o Iraque tinha armas de destruição em massa eram fraudulentas. Segundo o VIPS não pode ter havido hackeamento, mas um vazamento realizado por alguém de dentro do Comitê, que simplesmente copiou na costa Leste dos Estados Unidos, as informações desairosas em um pen drive. Os especialistas cibernéticos chegaram a essa conclusão com base na velocidade com que as informações foram transmitidas, alta demais para que pudesse ter havido o acesso remoto de um hacker. Esse relatório de especialistas em cibernética (para quem tiver interesse, https://consortiumnews.com/2017/07/24/intel-vets-challenge-russia-hack-evidence/) enviado ao Presidente Donald Trump, não terá nenhuma repercussão, porque a história de que Trump é criatura de Putin já está consolidada.

    Prezados leitores, de acordo com o Boletim dos Cientistas Atômicos, a crescente tensão entre os dois países que têm a capacidade de destruir a vida na Terra com suas armas nucleares faz com que atualmente estejamos a dois minutos e meio da meia-noite, a hora do juízo final para nós, se houver a eclosão da Terceira Guerra Mundial, o pior índice desde a década de 80. De Donald Trump aparentemente não se pode esperar mais nada em termos de mudança dos rumos da política externa dos Estados Unidos, porque ele foi totalmente neutralizado pelos habitantes do pântano de Washington que ele prometera drenar. Quem sabe os europeus reajam a tais sanções econômicas que lhes prejudicam enormemente? Em dois de agosto, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou que a União Europeia saberá defender seus interesses econômicos vis-à-vis os Estados Unidos. Quem sabe os europeus acordem e percebam que eles serão literalmente pegos no meio do fogo cruzado? Quem sabe eles enfrentem os Estados Unidos nessa questão? Caso os europeus permaneçam inertes só resta esperar que Putin de eslavista que é transforme-se num dócil integracionista e aceite cair na boca do crocodilo e submeter-se ao poder do Império Americano. Pois se ele não quiser cair e não se sinta confortável dentro da fera, o risco é que todos os habitantes desse lindo planeta azul acabem sendo levados de roldão. Catastrofismo de minha parte? Sim, mas se o pior acontecer não digam que uma humilde escriba não avisou.

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