browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

Je suis…

Posted by on 17/08/2015

O uso de um animal ou pássaro, sobre o qual os males da comunidade são despejados antes de ser expulso, tem uma longa história nas civilizações ao redor do mundo. O nome derivava do bode dos primeiros judeus, descrito no Levítico, apresentado vivo ao Senhor ‘para a expiação dos pecados’ e depois solto ‘como um bode expiatório no meio selvagem’. Mas havia procedimentos s similares em outras sociedades, alguns envolvendo mulheres ou crianças, ou pessoas com deficiência, quase todas elas terminando os dias em alguma morte ritual desagradável para os ‘bodes expiatórios, que eram apedrejados ou atirados de um penhasco, e como resultado disso considerava-se que a comunidade estava purgada dos pecados, ou da praga e da pestilência.

Trecho retirado do livro “The Journey” da historiadora inglesa Antonia Fraser a respeito de Maria Antonieta, a rainha francesa guilhotinada em 16 de outubro de 1793

Je suis Barueri

Je suis Osasco

Ô pessoal dos panelaços, porque a indignação seletiva?

Pichação no muro do cemitério da Consolação em São Paulo

    Prezados leitores, é com grande tristeza que cheguei ao fim da história de Maria Antonieta que morreu de uma forma humilhante, condenada à guilhotina, acusada entre outras coisas de fazer sexo com o filho de 8 anos, algo que o próprio menino acusou a mãe frente a frente com ela, instruído e manipulado pelos revolucionários franceses. Vítima de hemorragias diárias, provavelmente fruto de um câncer no útero, no seu último dia de vida a então ex-rainha teve que fazer sua toilette na frente de um guarda e depois foi transportada de carroça até a Place de la Concorde com os braços amordaçados. Digo com grande tristeza porque ao acabarmos um livro nunca mais teremos o prazer de lê-lo pela primeira vez, nunca mais experimentaremos o frescor da descoberta. Só nos resta voltarmos a consultá-lo para lembrar dos trechos que mais nos chamaram a atenção e usá-los como referência. O que seria de nós sem a memória, para nos consolar da perda?

    Parece que aqui em terra tropicais já estamos preparando o cadafalso da presidente Dilma Rousseff. Afinal, está cada vez mais plausível seu enquadramento no artigo 85 da Constituição Federal , seja por atos que atentem à probidade na administração (inciso V) ou à lei orçamentária (inciso VI). Fernando Henrique Cardoso conclamou-a renunciar, como um ato de “grandeza”, protestos em favor do impeachment ocorreram no domingo em várias cidades. Tenho idade suficiente para lembrar-me do processo de impedimento de Fernando Collor de Mello, que no final acabou renunciando em 29 de dezembro de 1992, para não ser condenado pelo Senado Federal. Em 2006 foi eleito senador por Alagoas e em 2014 foi reeleito senador derrotando Heloísa Helena, uma das grandes defensoras da moralidade na política.

    Estou aqui a relembrar a trajetória do ex-presidente porque sem memória não somos seres humanos e lembrando o que aconteceu a nós brasileiros no início de 1990 podemos nos orientar para agir no futuro. Se formos pautarmo-nos pelo sucesso posterior de Collor na política, o processo de impeachment que o 32º Presidente da República sofreu não serviu para nada. A população, pelo menos a de Alagoas, não o puniu pela má conduta enquanto chefiava o Executivo Federal e a prática do caixa dois nas doações de campanha continuaram a rédeas soltas, como estamos tendo a oportunidade de verificar por meio das investigações da operação Lava-Jato. Assim, de que valeu os protestos da juventude cara-pintada em 1992 para colocar o mais jovem presidente da nossa história para fora?

    Faço a mesma pergunta em relação ao já quase inevitável processo de impeachment de Dilma Rouseff, fazendo as devidas ressalvas. A primeira é que as acusações contra ela estão inseridas no contexto de um amplo esforço investigativo da Polícia Federal em frutuosa parceria com o Ministério Público que está desvendando os vários tentáculos da corrupção na principal empresa brasileira e o conluio entre emprésários, políticos e funcionários corruptos da Petrobrás. Isso mostra o fortalecimento das instituições de defesa do Estado, algo que não havia em 1992, já que naquela época a origem das acusações contra Collor foi simplesmente o despeito de um irmão que aparentemente havia sido chifrado. Além do mais, se a acusação contra Dilma por crime de responsabilidade for embasada nas pedaladas fiscais, isto é, nas manobras contábeis que encobriam os crescentes déficits do governo federal, é de se aplaudir que o Tribunal de Contas esteja cumprindo seu papel de inspeção e que a Lei de Responsabilidade Fiscal de alguma forma tenha pegado.

    De qualquer forma, mesmo admitindo a maior maturidade dos nossos mecanismos de controle do poder, coloco aos partidários dos panelaços: de que adiantará o impeachment de uma mulher eleita há menos de um ano? Será que livrando-nos de Dilma, que certamente levará o PT junto, inauguraremos uma era em que a política finalmente será feita com lisura? Será que o trauma das investigações e das prisões fará com que corruptores ativos e passivos mantenham-se na linha, com medo de punição? Será que ao final do tortuoso processo judicial que desenrolar-se-á nos próximos anos como desdobramento da Lava-Jato os cofres públicos serão de fato ressarcidos pelos prejuízos? Será que o povo que agora vai à rua e bate panela conseguirá manter-se alerta e pressionando constantemente mesmo depois que o objeto do ódio comum tiver sido defenestrado do poder? Ou será que nós nos dispersaremos e nos daremos por satisfeitos em nos livrarmos de Dona Dilma? Será que conseguiremos mobilizar-mo-nos futuramente não contra um indivíduo específico, mas contra determinados abusos como má gestão de serviços públicos, chacinas policiais e outros males que nos afligem cotidianamente, ou pelo menos afligem uma parte da população cotidianamente? Não tenho certeza de que haja uma resposta positiva a essas perguntas, e por isso que lanço dúvidas sobre nosso afã em fazer o recall do produto colocado há poucos meses no mercado.

    Prezados leitores, um bode expiatório serve como símbolo para concentrarmos nossas energias e canalizarmo-nas em prol de um objetivo. A morte de Maria Antonieta selou a aliança entre a plebe francesa e os jacobinos, que puderam com isso instalar o Regime do Terror na França, um período que durou de 1793 até 1794 em que a Revolução devorou seus próprios filhos, mas que viabilizou a ascensção de Napoleão Bonaparte ao poder. Por outro lado, o mito do ser que sozinho é culpado de todos os males, como mito que é, esconde uma parte da verdade. Espero que se o processo de impeachment de Dilma Rousseff for iniciado e chegue ao fim ele não seja apenas a imolação de um bode expiatório para nossos problemas sociais e econômicos, que estão longe de terem sido obra exclusiva da presidente ou mesmo do seu mentor, Lula. Oxalá ele inaugure uma era em que nossos dirigentes serão mais probos para não corrrerem o risco de serem flagrados com a boca na botija e custosos e longos processo judiciais não sejam tão necessários . Enquanto isso, prefiro ficar no muro e olhar para o lado porque não sou chegada a asisitir à cerimônia do halal. Afinal, je suis … defensora dos direitos dos animais indefesos.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *