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Eppur, si muove

Posted by on 30/11/2022

A Natureza … é inexorável e imutável, ela nunca viola as regras a ela impostas, ou liga a mínima se suas razões recônditas e seus métodos de operação são inteligíveis para o homem. Por essa razão, parece que nada físico que os sentidos e a experiência colocam diante dos nossos olhos ou que demonstrações necessárias nos provam deve ser refutado (muito menos condenado) mediante o testemunho de passagens da Bíblia que podem ter um significado diferente por trás das palavras.

Trecho retirado do livro “Começa A Idade da Razão”, do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981), sobre o astrônomo e físico italiano Galileo Galilei (1564-1642)

Depois da ocupação da Áustria em março de 1938, quando ficou claro para Brecht que a guerra era inevitável e que nada que ele fizesse poderia alterar o curso dos acontecimentos, ele voltou-se a um trabalho que refletia suas inquietações pessoais e filosóficas mais profundas. Assim começou sua quarta fase, a mais criativa da sua vida; ela produziu peças que combinam a exuberância da juventude de Brecht com a rígida disciplina ideológica do seu período didático, fundindo esses elementos em uma série de parábolas poéticas profundamente sentidas. Os destaques desse período são: A Vida de Galileo, que lida com as responsabilidades de um homem genial em um meio hostil;[…].

Trecho retirado do verbete da edição de 1974 da Enciclopédia Britânica sobre o dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht (1898-1956)

    Prezados leitores, na semana passada abordei a peculiaridade histórica de o Ocidente ter tido a crença religiosa minada pelas disputas entre Católicos e Protestantes que envolveram não só argumentos teológicos, mas confrontos bélicos. Isso levou à divisão dos cristãos em diferentes tribos que se odiavam mutuamente, o que acabou tirando a credibilidade daqueles que falavam em nome de Deus, mas exigiam sacrifícios bárbaros e praticavamm crueldades intolerantes, como se verificou durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa.

    Nesta semana, abordarei uma outra vertente pela qual a religião foi desafiada no continente europeu: não o sectarianismo das partes que quiseram vencer a outra pela força, mas a ciência, que mostrou a incapacidade da religião de servir como autoridade para afirmações sobre o mundo real, isto é, o mundo acessível por nossos sentidos e nossa razão. A figura que encarnou esse desafio ao valor proposicional das afirmações religiosas sobre a origem e funcionamento do mundo com base na Bíblia foi Galileo Galilei, conforme mostrarei neste artigo.

    Galileo é conhecido como o homem que subia ao topo da Torre de Pisa, sua cidade natal, para fazer experimentações com objetos caindo. Na verdade, não se tem certeza se realmente isso aconteceu, mas independentemente disso as contribuições do cidadão mais famoso da cidade italiana à física e à ciência em geral residem no fato de que ele estabeleceu alguns dos princípios básicos que regeriam o método científico. O Universo era um livro escrito em uma linguagem própria, a da matemática, e só aprendendo tal língua é que podemos começar a compreender o mundo sensível. Era tempo de parar de nos valermos da muleta de Aristóteles, cujas afirmações haviam sido tomadas como verdade devido à aura que ele adquirira como o filósofo grego escolhido pela Igreja Católica para compor sua teologia. Era preciso olhar o mundo com os olhos abertos e nos livrarmos das categorias filosóficas ultrapassadas, fruto da observação superficial do mundo físico.

    Partindo da premissa que os fenômenos naturais podiam ser descritos por meio de números e fórmulas matemáticas e colocando de lado as autoridades filosóficas e sua metafísica, Galileo estabeleceu uma distinção entre dois tipos de propriedades: as propriedades da matéria, que podem ser tratadas matematicamente – a extensão, a posição, o movimento, a densidade; e as outras propriedades – os sons, o tato, os odores, as cores e assim por diante – que são inerentes à consciência das criaturas vivas. A diferença entre elas é que as propriedades da matéria têm existência independente da consciência, ao passo que a impressão que o mundo real deixa nos sentidos das criaturas vivas desaparece com a morte delas. Nesse sentido, a base do conhecimento científico estava nas propriedades que poderiam ser estabelecidas com objetividade e precisão pela linguagem matemática e não naquelas centradas na subjetividade e no impressionismo.

     Daí que de posse de um método que evitava as falhas e a parcialidade dos sentidos, Galileo Galilei tinha a confiança necessária para a afirmação que abre este artigo: entre uma proposição da ciência que usava a matemática para entender as leis que governavam o universo e uma proposição da Igreja Católica baseada na Bíblia, a escolha deveria ser pela primeira. As palavras da Bíblia, eram equívocas, fruto de traduções ao longo dos séculos e objeto de diferentes interpretações ao gosto dos teólogos escrevendo em diferentes línguas e de acordo com diferentes valores. Pretender que a Bíblia pudesse ser usada como fonte de conhecimento sobre o modo como o mundo havia sido criado e como ele funcionava era inaceitável, à luz do método científico que pouco a pouco ia sendo elaborado pelos então chamados filósofos naturais.

    Não admira que Galileo tenha tido problemas com a Inquisição, o órgão da Igreja Católica responsável por detectar e punir as heresias, isto é, aquilo que desafiava a ortodoxia. Especificamente, em 1615 o astrônomo e físico foi questionado formalmente sobre sua afirmação de que “o Sol permanece imóvel no centro da revolução das orbes celestes, enquanto a Terra gira em torno do seu eixo e em torno do Sol”. À época a Igreja adotava a cosmogonia ptolemaica-aristotélica, segundo a qual a Terra era imóvel e o Sol e os outros planetas giravam em torno dela. E isso era de se esperar para que a mitologia cristã fizesse sentido: Deus não escolheria um planeta que não fosse o centro do universo para que seu filho, o Cristo, nascesse, para que o Verbo se transformasse em Carne.

    Conforme explica Durant no capítulo sobre o julgamento de Galileo, em 26 de fevereiro de 1616, ele compareceu perante o Cardeal Bellarmino (1542-1621) e submeteu-se à ordem da Inquisição de renegar a teoria heliocêntrica como falsa porque contrária à Bíblia. No entanto, após a publicação do Dialogo dei due massimi sistemi del Mundo em 1632, Galileo voltou a ter problemas com o Santo Ofício e foi chamado a se explicar em Roma em agosto daquele ano. Em sua defesa, ele alegou que o livro não defendia uma posição em detrimento da outra, apenas as confrontava por meio das discussões dos personagens: Salviati e Sagredo defendiam a teoria de Copérnico (1473-1543) e Simplício a rejeitava. Os inquisidores não se convenceram por esse estratagema estilístico de que o autor não havia caído na heresia novamente. Em 22 de junho de 1633, ele foi condenado, mas se abjurasse da falsidade da teoria heliocêntrica e recitasse salmos penitenciais pelos próximos três anos seria absolvido.  E assim Galileo o fez, sendo-lhe então permitido em dezembro daquele mesmo ano recolher-se a sua vila em Arcetri, onde ainda conseguiu elaborar uma súmula das suas pesquisas na física intitulada “Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nove scienze” antes de lá morrer, aos 78 anos de idade incompletos.

    Prezados leitores, nessa queda de braço entre religião e ciência, exemplificada pela trajetória de Galileo Galilei, condenado duas vezes pela Inquisição e obrigado a humilhar-se para não sofrer punições maiores, quem teve a última palavra no Ocidente? Em 2005, em comemoração ao Ano Internacional da Física, a Universidade de São Paulo patrocinou a encenação da peça de Bertold Brecht, estrelada pelo ator Paulo César Pereio (1940-) e com música da Orquestra de Câmara da USP. Galileo Galilei (nome dado à peça no Brasil) retrata os embates do cientista com a Igreja Católica e, conforme o trecho que abre este artigo, é uma das obras-primas do dramaturgo, naquela época já convertido aos ensinamentos do filósofo e economista Karl Marx (1818-1883), que considerava a religião o ópio do povo. Será que a ciência no século XXI livrou a humanidade da necessidade da droga consoladora da religião? Ou ela simplesmente nos proporcionou outras, com efeitos mais palpáveis, sem acabar com a necessidade delas?

    Em tempo: a frase “Eppur, si muove” (No entanto, ela se move – referindo-se à Terra) é uma lenda e só surgiu atribuída ao gênio de Pisa em 1761.

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